Venda de agrotóxicos altamente perigosos é mais intensa em países pobres, diz estudo

Pesquisa da ONG suíça Public Eye foi lançada nesta quinta-feira durante a 18ª Jornada de Agroecologia, em Curitiba (PR)

Foto: Pixabay

Por Lu Sudré.

Aproximadamente três milhões de toneladas de agrotóxicos são utilizados anualmente em todo o mundo. Somente em 2017, cerca de 1,2 milhão de toneladas das substâncias consideradas “altamente perigosas” pela Rede de Ação contra Agrotóxicos (Pesticide Action Network – PAN) foram aplicadas em cultivos em países de baixa e média renda, com um valor de mercado de cerca de US$ 13 bilhões (R$ 54,2 bilhões). 

As informações são do estudo “Lucros altamente perigosos”, elaborado pela ONG Suíça Public Eye em parceria com a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e com a organização social FASE.

A versão em português do documento foi lançada na quinta-feira (29), na aula pública “O envenenamento do povo brasileiro” – sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde humana – durante a 18ª Jornada de Agroecologia. O evento acontece em Curitiba, no Paraná, entre os dias 29 de agosto e 1º de setembro.

Segundo Fran Paula, engenheira agrônoma e mestre em saúde pública, empresas multinacionais como a Syngenta, líder no mercado de agrotóxicos, lucra bilhões em detrimento da saúde de populações de países como Brasil, Equador, Uruguai e Paraguai.

De acordo com o estudo da Public Eye, a Syngenta é a principal vendedora de agrotóxicos no território brasileiro, considerado o maior consumidor mundial dos agrotóxicos mais perigosos. A fabricante dos pesticidas detém 18% do mercado nacional, com vendas que, em 2017, atingiram US$ 1,6 bilhão (R$ 6,6 bilhões).

370 mil toneladas de veneno

Em 2017, cerca de 370 mil toneladas de agrotóxicos altamente perigosos foram pulverizados em plantações no país, o equivalente a aproximadamente 20% do uso mundial.

Durante a aula pública, Fran Paula acrescentou que a intensa comercialização de agrotóxicos em países de baixa renda consiste em uma política de exploração desses países.

Para ela, prova do perigo a que estão sendo submetidas as populações da periferia capitalista é a restrição da própria União Europeia em relação às substâncias tóxicas comercializadas livremente nesta parte do globo.

Dos 120 ingredientes ativos de agrotóxicos produzidos pela empresa Syngenta, por exemplo, 51 não estão autorizados em seu país de origem, a Suíça.  Outros 16 deles foram banidos devido ao impacto à saúde humana e ao meio ambiente.

O quadro geral é ainda pior: Um terço dos 290 agrotóxicos liberados apenas nos oito primeiros meses de governo Bolsonaro, são proibidos no continente europeu.

“Não se trata de uma discussão de eficiência agronômica, e sim de uma leitura econômica de que agrotóxico é moeda para o mercado internacional, sobretudo”, acrescentou a engenheira agrônoma.

Também presente na aula pública, Wanderlei Pignati, médico e professor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), endossou que o modelo de produção adotado pelo agronegócio é totalmente nocivo.

“É justamente uma agricultura que chamamos de química-dependente. Depende dos agrotóxicos, fertilizantes químicos e sementes transgênicas. Isso vai trazer um grande prejuízo à saúde e ao meio ambiente. É uma fórmula de doença”, denuncia.

Água envenenada

Além da intoxicação direta por meio do manuseio dos agroquímicos ou pela alimentação de determinado alimento que apresenta grande concentração de veneno, o relatório atesta que a presença de agrotóxicos na água é alarmante.

Com base em dados do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água Para Consumo Humano (Sisagua), do governo federal, o estudo revela que há uma contaminação extensa nas águas direcionadas para consumo humano no território brasileiro.

Dos mais de 850 mil testes realizados entre entre 2014 e 2017 para detectar a presença de agrotóxicos nas águas, a Public Eye constatou resíduos em 86% deles.

Concentrações de agrotóxicos que excedem os limites permitidos pela legislação brasileira foram encontradas em 2.915 testes de água para o consumo humano. Isso significa que 454 municípios apresentaram resíduos de veneno em suas águas acima dos limites legais no Brasil, pelo menos uma vez durante o período de quatro anos.

Pignati sublinhou que a contaminação crônica é a que mais ameaça a população. Segundo o docente, os números de câncer infanto-juvenil e da má formação fetal são muito maiores em municípios com grandes monocultivos e que, por conseguinte, aplicam mais agrotóxicos.

Conforme informações do relatório da Public Eye, além de diferentes tipos de câncer, o uso excessivo dos agrotóxicos têm aumentado a incidência de casos de Alzheimer, Parkinson, alterações hormonais, disfunções de desenvolvimento, esterilidade e efeitos na saúde neurológica.

De acordo com estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU), 25 milhões de casos de intoxicação aguda por agrotóxicos resultam em 220 mil mortes por ano.

“Além de refletirmos como os agrotóxicos são uma arma química, um problema de saúde pública do país, temos que olhar para esses dados como um processo de extermínio da população. Continuamos nos tornando uma lixeira tóxica do mundo”, reforçou Fran.

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