Ministério da Agricultura engana a população com dados falsos sobre agrotóxicos

Sob Bolsonaro, o país tem liberado agrotóxicos em um ritmo sem precedentes: desde o início do ano, 290 substâncias foram autorizadas / Foto: Natália Seccon/Idaf-ES

Posicionamento da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida sobre o release de imprensa publicado pelo Ministério da Agricultura no dia 06 de agosto de 2019

No último dia 6 de agosto, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) publicou um release de imprensa intitulado “Esclarecimentos sobre Registros de Defensivos Agrícolas“. Em relação a este documento, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida vem a público declarar que:

  1. A publicação deste documento é claramente uma resposta à indignação crescente na sociedade brasileira em relação ao ritmo exorbitante de liberações de agrotóxicos após o início do governo Bolsonaro. Ao torcer e distorcer os dados para tentar se defender, como mostraremos a seguir, o governo tenta esconder que sua única missão é privilegiar as multinacionais fabricantes de agrotóxicos, facilitando a venda de agrotóxicos em detrimento da saúde da população;
  2. O release afirma que, entre os agrotóxicos liberados este ano, há apenas duas substâncias novas. Esta afirmação contradiz, por si só, o mesmo release, que mais à frente afirma que “O objetivo de fazer a fila andar no Brasil é justamente aprovar novas moléculas, menos tóxicas e mais ambientalmente corretas, e assim substituir os produtos antigos”. Ou as novas liberações estão trazendo novidades, ou não estão. Os dois ao mesmo tempo não é possível. Este discurso contraditório tem sido adotado também pela Ministra Tereza Cristina, por exemplo em matéria publicada pelo MAPA no mesmo dia: “Fazer a fila de registros andar traz defensivos mais eficientes e menos tóxicos, explica ministra“. Ora, se entre 290 agrotóxicos liberados em 2019 apenas 2 são novos, onde estão os agrotóxicos menos tóxicos e mais eficientes? Cabe lembrar que uma das duas “novidades” é o Sulfoxaflor, comprovadamente danoso às abelhas. Por sinal, 42% dos agrotóxicos registrados em 2019 são Extremamente ou Altamente Tóxicos. Isso, é claro, antes da mudança promovida pela Anvisa, que fará com estas mesmas substâncias ganhem uma “roupa nova” e passem ser inofensivos.
  3. A publicação afirma que “Não é correto comparar todos os defensivos que são utilizados na Europa, por exemplo, com os produtos usados no Brasil”, afirmando que os produtos que são proibidos por lá na verdade não são necessários na Europa, por conta das diferenças de culturas e temperatura. Este é um argumento muito usado pelo agronegócio, mas que não se sustenta. Em excelente artigo recente, a professora Larissa Bombardi cita o exemplo de duas culturas plantadas tanto no Brasil quanto na Europa: uva e laranja, em condições climáticas similares. Entretanto, afirma a pesquisadora, dos 71 agrotóxicos autorizados para a uva no Brasil, 13 são proibidos na União Europeia, e, no caso da laranja, são autorizados 116 agrotóxicos no Brasil, dos quais 33 não são autorizados na União Europeia. A grande maioria dos agrotóxicos hoje banidos na União Europeia foram desenvolvidos por empresas europeias, e eram usados por lá até serem proibidos, ou até que alterações no marco regulatório fizeram com que o registro lá não fosse mais viável.
  4. Prosseguindo na sua saga de incorreções, o MAPA afirma que, “Apesar do aumento do número de registros de defensivos agrícolas que vem ocorrendo nos últimos anos no país, a venda desses produtos registrou redução no período”. O título auspicioso esquece-se de mencionar “o período”. Ao longo do texto, vemos que se refere aos anos de 2016 e 2017, em que, segundo o Ibama, com base em dados informados pelas empresas (e frequentemente revisados para cima após inspeções nestas empresas), as vendas de agrotóxicos caíram de 541.861,09 toneladas para 539.944,95. O texto não lembra que está é a primeira queda desde 2009. E ora, qualquer pessoa com um mínimo de compreensão de matemática pode entender que uma redução de 0,3% não pode ser chamada de redução, especialmente se comparada ao aumento de 3,9% de 2015 para 2016, ou de 13,6% de 2012 para 2013, ou de 18,5% de 2009 para 2010. Inclusive, é importante que a variação do consumo de agrotóxicos seja observada à luz do crescimento econômico: em 2015 e 2016, o PIB brasileiro teve queda de -3%, e em 2017 houve um tímido aumento de 1%. Ainda assim, o ritmo de vendas de agrotóxicos seguiu em alta, ficando estável de 2016 para 2017. Ou seja: afirmar que houve redução do consumo de agrotóxicos no Brasil é uma grande mentira. O gráfico abaixo não deixa dúvidas:
    Dados fornecidos pelo Ibama, que diferem substancialmente daqueles apresentados pela FAO. Os dados informados pelas empresas referentes aos anos de 2007 e 2008 não foram sistematizados pelo IBAMA.
  5. Finalmente, a grande distorção: “Segundo a FAO, o uso relativo de defensivos no Brasil é menor que o de muitos países da Europa”, e o Brasil estaria em 44a lugar num ranking de uso de agrotóxicos por área. Importante notar como agora se torna válido comparar a produção agrícola do Brasil com a Europa. No caso dos agrotóxicos banidos, o MAPA diz que a comparação não é possível. De todo modo, há dois grandes problemas na afirmação: (1) os dados da FAO estão errados. Eles contradizem os dados do Ibama, que o próprio MAPA utilizou. Para FAO, o Brasil usou 377.176 toneladas de agrotóxicos em 2016. Mas como vimos acima, na conta feita pelo MAPA, o uso em 2016 foi 541.862 toneladas, um pequeno erro de 44%. A FAO já foi notificada sobre o equívoco. Mas também há um erro no denominador: segundo a FAO, nos utilizamos os agrotóxicos numa superfície de 87,5 milhões de hectares, quando a soma de lavouras temporárias e permanentes segundo o IBGE em 2016 foi de 76,7 milhões de hectares.
  6. Assim, com estes dois “erros”, nosso consumo de agrotóxicos por hectare fica em 7kg/ha, e não 4,3kg/ha como afirma a FAO e o MAPA. Isto sem contar com os agrotóxicos contrabandeados, que segundo o Sindiveg representam 20% do total comercializado. Considerando os contrabandeados, o índice sobre para 8,5kg/ha.
  7. Há ainda um segundo problema grave com esta comparação: não é possível comparar o perfil do uso de agrotóxicos em países com práticas agrícolas totalmente distintas. Monocultivos de larga escala como soja, milho e algodão utilizam de fato menos agrotóxicos por hectare em relação à verduras como tomate, pimentão, e outros. Isso não significa, no entanto, que 60 kg de agrotóxicos utilizados em 10 hectares de soja sejam menos nocivos à saúde e ao meio ambiente do que a mesma quantidade de veneno utilizada em 1 hectare de tomate, por exemplo. No primeiro caso, por significar uma área maior, temos inclusive um maior potencial de exposição de pessoas, e cursos d’água aos agrotóxicos.
  8. Assim, com dados nitidamente errados por parte da FAO, e problemas graves de comparação entre agriculturas que não podem ser comparadas, não consideramos este “ranking” válido para qualquer análise.
  9. Para citar ao menos um ponto positivo, aplaudimos o fato de que, segundo o documento, “Em menos de uma década, o número de produtores rurais orgânicos registrados no Brasil triplicou”. De fato, este é um grande feito. Porém, considerar o aumento da produção orgânica de responsabilidade do MAPA é mais fraude contida no documento. Este resultado se deve à luta dos movimentos sociais, que conquistaram durante os governo Lula e Dilma políticas públicas como o PNAE, PAA, a certificação orgânica participativa e a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. A luta dos movimentos, e a conquista destas políticas (que atualmente estão sendo destruídas), resultaram no significativo aumento da produção orgânica no Brasil, que no entanto ainda necessita de muita vontade política para se desenvolver. No mínimo, a mesma vontade política que se tem para liberar novos agrotóxicos.

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