Por Jean Ilg
“A maior tragédia do mundo da música”, tem sido como uma parte da imprensa americana tem tratado as novas revelações sobre o incêndio da Universal Music Group em 2008. Mas porque a imprensa tem usado esta proporção para descrever o ocorrido agora, 11 anos depois? Porque a UMG escondeu de todo o público, incluíndo os próprios artistas que assinaram com a gravadora, que neste incêndio foram incineradas 100 mil gravações originais – mais de 500 mil músicas -, com a queima das “fitas mestras” de clássicos mundiais de um período da gravadora que vai de 1940 até 2000.
A UMG, um grande monopólio que é, sozinho, a participação de 25% do mercado fonográfico mundial escondeu este fato do público e dos próprios artistas que tiveram seus originais perdidos para sempre. Junto com estes, dezenas de milhares de outras gravações de artistas que já morreram, e que que deveriam ser simplesmente patrimônio da música mundial – mas que eram mantidas guardadas pelos capitalistas da UMG como se fossem ações de um investimento muito lucrativo, o da propriedade intelectual – também foram incinerados.
O conhecido só veio à público à partir de uma reportagem do jornalista investigativo, Jody Rosen, publicada em 11 de junho deste ano no NY Times. Só aí que a UMG admitiu ter escondido o fato do público. Algumas centenas de processos judiciais os aguardam, já a arte, no entanto, foi perdida para sempre.
Abaixo segue uma pequena e muito resumida lista de artistas publicada na primeira matéria do jornalista no NY Times:
Benny Goodman, Cab Calloway, the Andrews Sisters, the Ink Spots, the Mills Brothers, Lionel Hampton, Ray Charles, Sister Rosetta Tharpe, Clara Ward, Sammy Davis Jr., Les Paul, Fats Domino, Big Mama Thornton, Burl Ives, the Weavers, Kitty Wells, Ernest Tubb, Lefty Frizzell, Loretta Lynn, George Jones, Merle Haggard, Bobby (Blue) Bland, B.B. King, Ike Turner, the Four Tops, Quincy Jones, Burt Bacharach, Joan Baez, Neil Diamond, Sonny and Cher, the Mamas and the Papas, Joni Mitchell, Captain Beefheart, Cat Stevens, the Carpenters, Gladys Knight and the Pips, Al Green, the Flying Burrito Brothers, Elton John, Lynyrd Skynyrd, Eric Clapton, Jimmy Buffett, the Eagles, Don Henley, Aerosmith, Steely Dan, Iggy Pop, Rufus and Chaka Khan, Barry White, Patti LaBelle, Yoko Ono, Tom Petty and the Heartbreakers, the Police, Sting, George Strait, Steve Earle, R.E.M., Janet Jackson, Eric B. and Rakim, New Edition, Bobby Brown, Guns N’ Roses, Queen Latifah, Mary J. Blige, Sonic Youth, No Doubt, Nine Inch Nails, Snoop Dogg, Nirvana, Soundgarden, Hole, Beck, Sheryl Crow, Tupac Shakur, Eminem, 50 Cent and the Roots.
Uma lista mais completa pode ser encontrada aqui.
Para os que não estão familiarizados com o mundo da música, uma gravação original recebe o termo técnico de fita mestra – mestra porque ela é gravação original da música do artista e é à partir dela que se reproduzem os CDs, Long Plays, fitas K7 e o atual formato digital do streaming, mp3 etc. Todos estes formatos são obtidos à partir de uma cópia da fita mestra (a “master tape”), cópia que altera as características da gravação original para adequá-lo à um modelo de distribuição – por exemplo, os mp3 e o formato streaming são conhecidos por um tipo de compressão de baixa qualidade e menos fidelidade, enquanto que Long Plays tem mais fidelidade, assim como outros formatos digitais que comportam mais informação também podem ser mais fiéis. A fidelidade, por sua vez, também é compatível com o desenvolvimento técnico: um mp3 ou mesmo um CD do início daquela tecnologia, um pouco antes dos anos 2000, muito provavelmente terá menos fidelidade do que aquele mesmo CD feito à partir da mesma fita mestra após os anos 2000. Finalmente, remasterização, no vocabulário das grandes gravadoras, ocorre quando estes, que monopolizam o mercado da música, decidem re-lançar algum sucesso comercial, prevendo lucros com isso – e, como o nome indica, “re-masterizar” produzir o formato à partir das fitas mestras.
E não menos importante: contratualmente a gravadora “se oferece” ao artista para representá-lo nas transações comerciais com a sua música. Ou seja, assume os direitos autorais do artista, pagando a ele uma parcela firmada em contrato. E com isso, armazena as “fitas mestras” – que pertencem ao artista mas ficam com a gravadora em seu depósito. Este é o modelo adotado em geral, variando na realidade a parcela que é paga, à depender do artista – um artista comercial “mais famoso” pode ter mais correlação de forças para negociar detalhes do tipo de contrato, mas em geral este é o padrão.
O que está contribuindo para abafar o caso?
O primeiro fator para responder esta pergunta é bem simples: a UMG detêm a participação de 25% do mercado fonográfico mundial. Como tal, é dona de grande lobby nos próprios EUA, detém muitos políticos no próprio bolso inclusive. Neste ano ainda, durante a negociação para a venda de parte da companhia – que pode ter sido ameaçada pela notícia do incêndio – esta foi estimada no valor de US$ 33 bilhões de dólares.
O segundo elemento para responder esta pergunta é que, finalmente, UMG e youtube conseguiram entrar em uma acordo de como dividir os royalties das músicas colocadas em streaming. Não só entraram num acordo lucrativo para ambas as partes, como ainda, a UMG e Youtube tiveram a coragem de anunciar no dia 19 de junho – após as revelações do NY Times – uma parceria para “remasterizar” mais de mil vídeos na plataforma virtual. Remasterizar à partir do quê? Esta pergunta ambos escapam de responder. Estão praticando propaganda enganosa, afinal de contas, para se remasterizar algo precisa ter as “fitas mestras”, que a UMG deixou queimar.
Outro elemento é este desconhecimento de como o processo de gravação é feito. Acessamos tudo via streaming – grande parte dos consumidores jovens sequer baixam mais os mp3, uma vitória das gravadoras que agora recebem pelos anúncios do Youtube e de outras plataformas de streaming, royalties que não recebiam com os mp3 “piratas”.
No caso da UMG, mais absurdo, a empresa recebeu por anos, desde o incêndio de 2008, e continua ainda recebendo royalties por uma propriedade totalmente fictícia, afinal de contas, as fitas mestras da maioria dos direitos autorais que a Universal cobra não existem mais, por pura incompetência e ganância. O streaming faz parecer que esta tudo ao alcance da mão – e que nada se perdeu; e por trás desta ideia esconde-se que o que se esta ouvindo é apenas uma cópia virtual, cópia que aliás, as empresas de streaming podem à qualquer momento começar a cobrar por audição, tudo em base à detenção do direito autoral por grandes corporações, que como vimos, tem interesses contrários aos dos próprios artistas.
Os três elementos poderiam ser resumidos à um só, mais fundamental: o tratamento da arte como mercadoria, os direitos autorais como um se fosse uma “passivo” que se valoriza, e a desvalorização do artista em todo este processo, o qual fica com a menor fatia – excetuando-se algumas figurinhas “favoritas” das gravadoras, criando toda uma cultura de arte como mercadoria de grandes monopólios – na qual não há valor a história da arte, o valor reside na história dos lucros destas mesmas gravadoras.