USP: Porque estamos tomando um baile de Rodas
Diário Liberdade – [Pablo Allejo] Enfrentando uma resistência estudantil ineficaz, a política linha-dura implementada na USP por Rodas não dá sinais de perder força. E o principal risco é que sua gestão se torne um exemplo para outras reitorias no Brasil.
Calourada Unificada 2012
Arrigo Barnabé, BNegão SoundSystem, Isca de Polícia, Patife Band e Tulipa Ruiz (participação especial) se apresentarão hoje, dia 29 de fevereiro de 2012, a partir das 22h, em um show histórico na Cidade Universitária em apoio à luta dos estudantes. O show será ABERTO e GRATUITO. Todos estão convidados! A cerveja terá custo camarada e todo o dinheiro arrecadado será revertido para o movimento.
Novamente, a Polícia Militar de São Paulo põe os coturnos no campus da USP para dar cabo de mais uma ocupação estudantil de caráter político. O espaço do COSEAS [Coordenadoria de Assistência Social, responsável por administrar a moradia estudantil], ocupado desde 2010 em razão de uma série de reivindicações – entre elas o fim do endurecimento no sistema de vigilância interno –, foi evacuado pela tropa de choque da PM na manhã do domingo de carnaval, dia 19. Doze estudantes foram presos e liberados após o pagamento de 2.500 reais, a segunda fiança paga para liberar ativistas em menos de 3 meses.
O evento marca a mais nova medida de contorno repressivo levada adiante na maior universidade do Brasil sob a benção de seu reitor – o jurista João Grandino Rodas. Sua administração até agora o tem destacado como um dos reitores mais conservadores e implacáveis da história recente do meio universitário brasileiro.
Em 2009, Rodas ficou em segundo lugar no já antidemocrático sistema de escolha de reitor da USP – no qual praticamente apenas professores titulares possuem poder de voto – e precisou que o então governador de São Paulo, José Serra, do PSDB, lançasse uso do poder que a lei lhe conferia para apontá-lo como o novo chefe da reitoria no lugar do primeiro colocado no pleito, o físico Glaucius Oliva. A intenção na medida nada convencional de Serra parece agora bastante clara: uma das missões do novo reitor seria a de administrar a universidade com mão-de-ferro, procurando minar a todo custo qualquer mobilização de caráter mais radical, a exemplo da ocupação da reitoria da USP de 2007 e da greve de servidores de 2009.
Diversos fatos ocorridos nos últimos dois anos parecem comprovar essa constatação. Apesar de haver prometido em seu discurso de posse priorizar o diálogo no tratamento dos conflitos, Rodas faz justamente o contrário e tem promovido uma série de medidas conservadoras e autoritárias dentro da USP.
Vamos às principais:
– Junho de 2010: Rodas ordena o corte de ponto de cerca de 1.000 funcionários que haviam entrado em greve por melhores condições salariais.
– Novembro de 2010: Sem prévia consulta aos estudantes, Rodas dá ordem para demolição do espaço de confraternização na ECA (Escola de Comunicação e Artes) conhecido como Canil. Avisados de última hora, alguns estudantes vão ao local e conseguem demover os operários de realizarem o trabalho. O local ainda permanece em pé.
– Janeiro de 2011: Rodas demite 250 funcionários que estavam aposentados, mas que ainda exerciam atividades no campus.
– Setembro de 2011: Rodas fecha convênio com a Polícia Militar que autoriza a presença efetiva da corporação no campus
– Novembro de 2011: Após episódio da detenção de estudantes que usavam maconha no campus, e a consequente ocupação da reitoria, Rodas ordena megaoperação policial que prende 73 militantes.
– Dezembro de 2011: Sem nenhum aviso e no período de férias, Rodas autoriza a demolição do barracão onde o Núcleo de Consciência Negra da USP desenvolve suas atividades. Alguns membros do núcleo conseguem impedir a demolição, mas o prédio é danificado.
– Dezembro de 2011: Rodas expulsa 6 estudantes que participaram da ocupação do COSEAS.
– Fevereiro de 2012: Rodas anuncia a implantação de um sistema que restringe o uso dos ônibus circulares do campus universitário apenas a estudantes, funcionários e professores ligados à universidade. A medida impossibilita que pessoas não ligadas oficialmente à USP transitem pelo campus gratuitamente com os ônibus, como acontece atualmente.
– Fevereiro de 2012: Tropa de choque invade ocupação da área da COSEAS e prende 12 militantes.
A resistência existente, ao menos no âmbito estudantil. Varia entre lideranças que hesitam demais e outras de características mais ultraesquerdistas – ainda que estas estejam mais dispostas à radicalização contra a reitoria que as primeiras.
No primeiro grupo, formado basicamente por lideranças ligadas às correntes políticas MES, CSOL, APS (as três filiadas ao PSOL) e PSTU, o que se viu no último processo de mobilização estudantil no fim do ano passado foram defesas sistemáticas de posições desnecessariamente conservadoras.
Relembrando o que já falei em texto anterior, em 3 votações chaves – a saber: 1) a ocupação do prédio da FFLCH após a detenção dos estudantes presos pela PM por usarem maconha, 2) a desocupação do prédio da FFLCH, 3) a deliberação de greve após a operação policial no campus – essas lideranças defenderam sempre pela desmobilização (contra ocupação, pela desocupação, e contra a greve). O argumento sempre enfatizava a necessidade de “desmobilizar hoje em prol de uma mobilização maior no amanhã”, depois de feito um trabalho de base.
Mesmo não crendo pertinentes as acusações de grupos opositores de que o objetivo por trás dessas posições “desmobilizantes” residiria no receio das lideranças da coligação MES-APS-CSOL-PSTU em sofrer um revés nas eleições do DCE (que aconteceriam em breve, mas que depois foram adiadas) ou então no suposto medo das mesmas forças em perder o controle do movimento diante de um processo mais radicalizado, o que está claro é que essa postura conservadora que marca essas lideranças dentro do tabuleiro político da USP acaba por minar o potencial do movimento em situações em que o momentumadquirido permite uma radicalização consistente e significativa – gerando assim um acúmulo de forças considerável contra Rodas.
Já tratei sobre esse tópico anteriormente:
[…] Não entendem, entretanto, que, na dinâmica de luta social, a questão do momentum é um dos elementos mais importantes, sobre o qual as forças políticas envolvidas não tem total controle; ele surge inesperadamente (no caso, a brutal operação policial da manhã), comove um número enorme de pessoas, que então passam a estar emocionalmente dispostas a aderir a um movimento de radicalização – movimento este extremamente necessário, caso se pretenda realmente alcançar uma vitória nas reivindicações.
Manifestações como passeatas, atos e paralisações são recursos de mobilização valiosos e devem ser sempre amplamente considerados. A eficácia desses meios de luta está na capacidade de sensibilizar ou constranger os poderosos, os quais, no afã de querer evitar constrangimento público e pessoal, e uma consequente perda de capital político em seu meio, cedem às reivindicações do movimento. Em caso de políticos eletivos, esse tipo de manifestação serve também para gerar impopularidade junto ao eleitorado, fazendo que o receio de perda de capital eleitoral também ocasione em concessão ao movimento.
Não parece ser este, entretanto, o caso de Rodas.
Mesmo após toda a repercussão midiática e as greves temporárias de diversos cursos, o reitor da USP não demonstra estar disposto a revogar a presença da PM no campus, muito menos a renunciar. Sinais disso são as novas medidas efetuadas nos últimos dias, como o anúncio do bilhete único para os ônibus do campus, além da própria desocupação do COSEAS mediante força policial. Tais medidas se caracterizam como um nítido ataque à oposição estudantil, demonstrando completo desprezo pela resistência até agora lhe feita.
A necessidade da radicalização estratégica
Diante do cenário de insuficiência da greve estudantil e das manifestações em atingir as reivindicações, era necessário aproveitar que as assembleias ainda estavam cheias – ou seja, que a base estudantil ainda estava mobilizada – para avançar no processo de enfrentamento político tão cedo se percebesse que o momentum da mobilização estivesse em queda. Como advoguei em outro artigo, era necessária a paralisação completa do campus da USP, mediante o uso da desobediência civil (como piquetes nas portarias) e desta forma fazer com que a mobilização saísse de uma dimensão simbólica (manifestações) para uma dimensão concreta (paralisação do funcionamento de todas as atividades da universidade). Se bem sucedido este processo, a correlação de forças mudaria drasticamente em benefício da mobilização estudantil, aumentando consideravelmente a pressão em cima de Rodas.
É evidente, entretanto, que a radicalização de um processo de mobilização – ao aumentar a ofensiva e partir para a desobediência civil – implica sempre num alto risco de retaliação contra os envolvidos, principalmente diante de um reitor tão implacável como o da USP. Mas é justamente nesse momento que as habilidades das lideranças precisam se sobressair.
As lideranças do movimento, sobretudo aquelas que se consideram revolucionárias, precisam ter em mente que todo processo de enfrentamento político entre uma mobilização popular e poderosos irá necessariamente acarretar em riscos. A diferença, porém, de um processo de radicalização calcado no pensamento estratégico para uma mera aventura ultraesquerdista reside justamente na avaliação séria da correlação de forças dentro da conjuntura e do momento histórico em que o processo está inserido.
Um bom exemplo é o processo revolucionário ainda em curso no Egito que culminou na derrubada do ditador Hosni Mubarak. Os riscos desse processo eram visíveis a qualquer um, mas as lideranças envolvidas acertaram ao não interromperem o incentivo à radicalização da mobilização do povo egípcio.
Outro caso que merece reflexão é o da Grécia. As maiores paralisações trabalhistas e protestos da história do país até agora não foram suficientes para evitar que os pacotes de austeridade continuem sendo implementados e empobrecendo a vida dos gregos. A conjuntura pede urgentemente a radicalização do processo de mobilização, caso se deseje realmente conquistas as reivindicações.
Sobre isso, o pensador marxista paquistanês Tariq Ali falou em entrevista concedida ao Brasil de Fato, com o título “‘Só protestar simbolicamente não é suficiente’, afirma Tariq Ali”. Ele argumenta:
Na Grécia houve seis greves gerais, movimentos massivos, mas nada de resultados, e o país está entregue aos banqueiros, literalmente. Um banqueiro foi nomeado para dirigir o país, de Papandreou a Papademos. (…) Contra eles é preciso uma resposta política, caso contrário, os movimentos poderão ser esmagados. Na minha opinião, era possível que os movimentos na Grécia tomassem uma cidade. Eu disse a eles: “Tomem Tessalônica! Simplesmente tomem! Capturem! Se a presença das massas é imensa, os militares não vão intervir. Convoquem uma assembleia popular, tenham delegados de todas as áreas e elaborem um programa para toda a Grécia e isso inspirará o mundo”.
No caso da mobilização estudantil da USP no fim do ano passado, com a realização de uma série das maiores assembleias estudantis em anos, talvez em décadas, era bastante claro que havia condições para a radicalização do processo de enfrentamento à Rodas.
Dentro do universo da resistência estudantil ao reitor, as únicas lideranças que demonstram maior disposição para a radicalização estão em um grupo distinto do anterior de lideranças, de natureza mais ultraesquerdista. Fazem parte deste grupo organizações como MNN (Movimento Negação da Negação), PCO (Partido da Causa Operária), POR (Partido Operário Revolucionário) e LER-QI (Liga Estratégia Revolucionária – Quarta Internacional), esta última talvez a organização mais séria entre as quatro.
A postura conservadora das lideranças da coligação MES-APS-CSOL-PSTU se mostrou tão equivocada que, nas assembleias pós-operação policial no campus, praticamente todas suas defesas foram derrotadas para as posições defendidas pelas lideranças das organizações ultraesquerdistas. Mais ainda: a defesa inicial contrária à greve estudantil, com o argumento de que era necessário mobilizar os estudantes primeiro, também se mostrou comprovadamente equivocada, já que foi justamente a deliberação da greve que proporcionou uma mobilização estudantil na USP há muitos anos não vista – no dia seguinte à deliberação, dezenas de assembleias de curso com centenas de estudantes se espalharam pelo campus, com a maioria deliberando por greve.
Deste evento, podemos depreender que deliberações de greve em assembleias gerais de grande presença estudantil geram mobilizações nos cursos pela universidade – ou seja, gera mobilização massiva na base. É extremamente importante que este acontecimento sirva de acúmulo histórico para o movimento no futuro.
Entretanto, a postura equivocada das lideranças da coligação MES-APS-CSOL-PSTU, apesar de derrotada nas assembleias, não deixou de acarretar em uma consequência crucial: a divisão dentro do movimento.
Tivessem as lideranças unidas em torno da necessidade de radicalização do processo de mobilização, quando o momentum ainda permitia, os estudantes mobilizados estariam muito mais comprometidos com um enfrentamento político mais agudo e a ofensiva contra Rodas teria um potencial muito maior. Mas, com a primeira assembleia geral que deliberou por greve completamente dividida, entre uma defesa conservadora e outra mais radical, a confiança necessária entre os mobilizados para uma radicalização inexistia.
Para reverter o jogo, e evitar que Rodas implemente na USP um projeto de universidade ainda mais conservador com o auxílio de medidas repressivas, é mais do que necessário a união entre todas lideranças estudantis (ou pelo menos a ampla maioria) em torno de um projeto radical de enfrentamento, baseado em um cálculo sério de riscos e oportunidades, e pensado a curto/médio prazo. A meta principal deve ser a derrubada do reitor da USP.
Entretanto, a se conhecer a natureza das lideranças e organizações envolvidas no jogo que, apesar de certas qualidades, ainda demonstram possuir em demasia traços de oportunismo, vaidade, imaturidade política e desejo de protagonismo, é extremamente improvável que isso aconteça.
Cabe assim às lideranças mais sérias, comprometidas mais com a causa do que com o protagonismo de sua organização, buscar costurar uma ampla aliança entre as lideranças no intuito de reconstruir a resistência à Rodas, e restaurar o momentum necessário para o lançamento de uma nova ofensiva. Trata-se de uma tarefa extremamente delicada e que exige grande devoção e serenidade para ser levada adiante.
É nessa conjuntura que Rodas encontra caminho praticamente livre para implantar o projeto de universidade que quiser, nem que para isso precise recorrer a expulsões, demissões e uso de força policial recorrentemente. Para além do fato de que sua administração se configura em um ataque devastador à ideia de “universidade pública, gratuita e de qualidade” pelo qual todos lutamos, outro sério risco que se avizinha é o de que a linha mão-de-ferro com que administra a USP sirva de inspiração para vários reitores com anseios conservadores pelo Brasil inteiro. Tal cenário seria, sem dúvida nenhuma, o mais adverso possível para as forças progressistas que militam na seara do ensino superior brasileiro.