O agrotóxico mata a gente, lentamente
Uma pessoa é literalmente o que come, já dizia o velho Bataclan, atleta negro e figura lendária em Porto Alegre que desde os anos 1950 pregava a necessidade de uma alimentação saudável, baseada em legumes e hortaliças. Seu lema era “não comemos cadáveres”. Chegou a andar pelo estado fazendo propaganda da alimentação natural, dando cursos e palestras. Uma das coisas engraçadas que ele dizia era que seu cocô era perfumado, porque não tinha nele nenhum vestígio de carne putrefata. E nos desafiava a mudar totalmente os hábitos.
Bataclan viveu até 1990, mas se hoje estivesse ainda na sua luta pela vida vegetariana, imagino que teria muita dificuldade em convencer as pessoas, já que alimento saudável é coisa para muito pouca gente.
Os que não têm recursos para garantir uma comida verdadeiramente orgânica – a maioria – estão num beco sem saída. Se a opção for comer carne, entopem-se de gordura ruim, hormônios e toxinas. Se decidirem ser vegetarianos estarão ingerindo quilos e quilos de agrotóxicos, cancerígenos e provocadores de outras tantas doenças. Cultivar a própria comida não é opção para a maioria também e mesmo aqueles que têm alguma terra e conseguem criar animais e plantar legumes ou hortaliças acabam entrando na cadeia do veneno, seja pelo ar ou pela água. E ainda assim é uma saída individual.
O Brasil tem sido desde há tempos um espaço privilegiado para as empresas de veneno. E , agora, no governo de Jair Bolsonaro, a coisa tem piorado bastante. A tal ponto que nos primeiro seis meses de governo já foram autorizados 239 novos venenos para uso nas lavouras. O argumento utilizado pelo Ministério da Agricultura é de que boa parte das substâncias autorizadas seguem fórmulas que já existem no mercado. Apenas uma delas nunca havia sido introduzida no Brasil. Mas, mesmo assim, as fórmulas dos agrotóxicos são cheias de venenos e muitas dessas fórmulas foram totalmente banidas na União Europeia, por exemplo. O motivo: são muito perigosos para o meio ambiente, logo, para as pessoas também.
A ministra Tereza Cristina, que é representante do latifúndio, diz que os agrotóxicos não estavam sendo liberados nos governos anteriores por “motivos ideológicos” e que agora, com os novos venenos vai ser possível aumentar a concorrência e baratear o custo da comida. Então veja bem: a comida ficará mais barata, mas terá mais agrotóxico. Logo, haverá mais doenças. Isso é bom para quem?
Em discurso na FAO, a ministra defendeu a democratização do acesso ao alimento para que se acabe a forme no mundo. Mas, é fato que essa tal democratização não pode ser a produção de comida envenenada. A menos que esse seja o projeto, matar a população ou então engordar as receitas da indústria farmacêutica, que enche as burras com tanta doença nova no pedaço.
É fato também que os agrotóxicos permitem maior produtividade e também garantem uma aparência bonita aos produtos. Mas, quem de nós já não se surpreendeu com a aparência e o gosto de plástico de uma alface verdinha demais para ser real? O resultado da ação dos agrotóxicos na vida de todos nós é algo que só vai aparecer em longo prazo. O aumento dos casos de câncer, por exemplo, é uma consequência direta da alimentação contaminada, seja ela vegetariana ou não, afinal os animais são alimentados com ração, e a ração é feita com produto que consumiu muito agrotóxico. Não há escapatória.
Nesse país perverso, no qual para que pouco mais de mil grandes proprietários de terra possam ter lucros astronômicos, milhões tenham de ser contaminados, estamos todos aprisionados. E, mesmo que só comêssemos folhas e legumes e nosso cocô fosse perfumado, tal como queria Bataclan, ainda assim seguiríamos na trilha da morte. Uma triste morte, envenenados. Irremediavelmente envenenados.
Elaine Tavares é Jornalista em Florianópolis.