Por Maíra Mathias e Raquel Torres.
Em junho, o governo lançou uma linha de crédito de R$ 1 bilhão no BNDES para entidades filantrópicas que atuam no SUS. Ontem, mais recursos públicos foram disponibilizados para as Santas Casas, desta vez na Caixa Econômica Federal. O banco público anunciou uma nova linha de crédito no valor de R$ 3,5 bilhões. Esse dinheiro vem do FGTS, por meio do programa chamado FGTS Saúde. Além disso, a Caixa anunciou a redução nos juros cobrados para financiar a renegociação de dívidas bancárias das filantrópicas, com prazo de pagamento de 120 meses. Já o dinheiro tomado na linha de crédito pode ser pago em até cinco anos.
Apesar de em pouco menos de um mês terem diante de si as chaves do cofre para acessar R$ 4,5 bi, as entidades filantrópicas acham pouco. De acordo com o presidente da Confederação das Santas Casas, Edson Rogatti, a nova linha de crédito é um “paliativo” diante de uma dívida calculada em R$ 21 bi. “O financiamento é barato, mas não vai resolver o problema. O que precisamos é de recursos de custeio para que possamos ter equilíbrio financeiro”, relatou a Folha. A declaração demonstra que o setor vai continuar firme no lobby por recursos públicos.
Durante o lançamento da nova linha de crédito, no Congresso Nacional, o ministro Luiz Henrique Mandetta concordou que a medida “não é o melhor dos mundos”, mas garante “fôlego” até que um orçamento “mais realista” seja garantido. E reafirmou a preocupante intenção de rever a distribuição de recursos entre hospitais públicos e filantrópicos.
Mandetta também abriu uma nova frente de batalha, e defendeu pela primeira vez a ampliação de recursos por meio de negociação com o Congresso. Segundo o Estadão, ele não anunciou um número (nem um método), apenas disse que vai tentar. “Se a gente disser quanto pode despertar olho gordo”, respondeu.
Outro ponto meio indefinido é um contrato firmado pelo Ministério da Saúde com uma tal Fundação Dom Cabral para descobrir as falhas no setor filantrópico contratado pelo SUS. Não há um prazo para o estudo seja concluído (nem qualquer notícia nos sites da Pasta e da Fundação sobre a parceria). Ao que tudo indica, o ministro não compra integralmente a versão do setor de que as falhas se devem unicamente à falta de dinheiro. “Será que foi falta de reajuste nos contratos?”, lançou. Questionado sobre falhas de gestão das Santas Casas, ele afirmou que o sistema atual é “assimétrico”: “Não podemos generalizar que são todas mal geridas, nem que todas são um primor de gestão”. E remeteu, novamente ao Congresso, a responsabilidade por mudanças: disse que os parlamentares podem aprovar novos parâmetros de gestão para esses hospitais.
EM COMPARAÇÃO
Os hospitais universitários federais receberam do governo a modesta quantia de R$ 79,5 milhões. O equivalente a 1,77% dos recursos disponibilizados para os filantrópicos por meio das duas linhas de crédito.
ALINHADINHO
O governo Bolsonaro liberou um crédito do IPI na Zona Franca de Manaus no valor de R$ 2,3 bilhões por ano. Isso favorece tremendamente a indústria de refrigerantes instalada por lá. Ontem, Mandetta afirmou que não foi consultado pela área econômica sobre essa decisão tributária… Mas, de acordo com o Estadão, foi “enfático” em defender os interesses das empresas, negando a cientificamente comprovada relação entre as bebidas açucaradas e o aumento da obesidade. Ao que tudo indica, o ministro da Saúde está 100% alinhado com os argumentos da indústria, e afirmou que o sobrepeso pode ser enfrentado somente com educação e promoção da atividade física.
“Não faltam experiências bem-sucedidas de países que, para reduzir a obesidade, aumentaram o preço do produto. O Brasil vai na contramão”, afirmou Bruna Hassan, consultora da ACT Promoção da Saúde, ao jornal. Um exemplo citado é o México, onde os preços foram elevados em 10% e dois anos depois, os indicadores de obesidade caíram 7,6%.
EXPOSIÇÃO DE DADOS
Durante três anos, o governo federal expôs indevidamente dados pessoais de mais de 30 mil pessoas que foram internadas em comunidades terapêuticaspor dependência química, incluindo 1,3 mil menores de idade. As informações estavam no portal de Dados Abertos do Governo Federal desde 2016, e foram retirados agora, depois de a BBC questionar os ministérios da Justiça e da Cidadania.
Os repórteres Leandro Machado e Matheus Magenta usaram os dados disponíveis para reconstituir a trajetória de um rapaz que foi internado aos 15 anos, em 2014, e hoje está preso por tráfico. Demonstraram, assim, como é possível conhecer em detalhes da vida de uma pessoa a partir dessas informações. Não à toa, o sigilo nesses casos é imperativo: sua divulgação aumenta as chances estigmatização desses indivíduos, dificultando que consigam emprego no futuro, por exemplo.
A reportagem também traçou um perfil dos acolhidos e fez um resumo do que tem sido a atuação dessas comunidades.
DO OUTRO LADO
Na capa da revista Radis, Ana Cláudia Peres relata sua visita de um dia ao Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas Miriam Makeba, no Rio de Janeiro, onde conversou com equipe e usuários. Fala desse modelo de “portas abertas”, atendendo pacientes que chegam por livre demanda, encaminhados pela rede de assistência social e ainda muitas de pessoas em situação de rua, trabalhando junto com a rede de saúde e atenção básica. Ela também escreve sobre as mudanças na política de drogas.
E, na mesma revista, uma entrevista com o psiquiatra Edmar Oliveira, que participou do processo de implantação dos primeiros CAPS no Brasil: “Como um movimento de construção de uma nova teoria e prática, a Reforma sempre teve opositores no campo conservador. A psiquiatria biológica nunca aceitou uma reforma da Psiquiatria — a “ciência”. Eles querem uma reforma do manicômio. Aqui, Basaglia [Franco Basaglia, precursor do movimento de reforma psiquiátrica italiano] já dizia que não é o manicômio que distorce a psiquiatria, mas a psiquiatria que produz o manicômio. Essa inversão nunca foi ‘engolida’ pela Associação Brasileira de Psiquiatria, que nos últimos mandados especializou-se em combater a Reforma”.
PRIMEIRO PASSO?
Pela primeira vez, cientistas conseguiram remover o vírus HIV do genoma de animais vivos. Ao contrário dos atuais tratamentos antirretrovirais, que impedem a replicação do vírus, mas não o eliminam do organismo, os resultados obtidos por um estudo que está sendo conduzido nos EUA podem ser um “primeiro passo para a cura”, como descreveu Kamel Khalili, um dos pesquisadores envolvidos. Os testes foram realizados em ratos de laboratório. A segunda fase está sendo realizada com primatas. Caso se mostre novamente bem-sucedido, o processo poderá ser repetido em humanos.
Foram usadas duas técnicas para eliminar o vírus. Primeiro, os cientistas manipularam medicamentos antirretrovirais, de modo a facilitar o acesso dessas drogas às membranas das células, onde o HIV costuma se isolar, e a retardar a dispersão desse material, garantindo que acompanhasse o ciclo viral. Remédios comuns, por sua vez, têm curta duração e exigem dosagem diária.
A segunda técnica, a famosa CRISPR, edita os genes das células infectadas com o vírus que não foram captadas pelos antirretrovirais. Isoladamente, os tratamentos não surtiram o efeito esperado. Quando combinados, sim: 30% dos 29 ratos usados na pesquisa tiveram o vírus eliminado do organismo. Uma das premissas do trabalho foi tratar a Aids como uma doença genética, e não infecciosa.
O estudo é conduzido por pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade Temple e do Centro Médico da Universidade de Nebraska, e foi publicado ontem na Nature.
NÃO MORREU
A epidemia de zika acabou de repente, mas o vírus não sumiu. Ainda circula tanto no Brasil e outros países que tiveram surtos e, há dois anos, chegou à África. O New York Times publicou ontem uma grande reportagem sobre os perigos que ainda existem. Entre eles, o de epidemias em lugares densamente povoados, como a China e o Paquistão, que têm muito Aedes aegypti, mas até agora foram poupados do vírus. Da mesma forma, lugares no Brasil onde a doença não chegou, como grande parte do Sul, podem ser afetados em breve, especialmente com o aquecimento global ampliando a área de atuação dos mosquitos.
O TEXTO FINAL
Ontem, o deputado federal Samuel Moreira (PSDB-SP) apresentou a última versão do relatório da reforma da Previdência. Várias categorias pediam a manutenção das regras atuais para os trabalhadores das respectivas áreas, conta o Brasil de Fato. Moreira atendeu parcialmente duas delas: docentes e policiais. O texto suavizou algumas regras de aposentadorias para professoras da rede pública de ensino. Na primeira versão do relatório, a idade mínima para receber o benefício integral era de 60 anos. Agora, as docentes que ingressaram até 2003 poderão se aposentar com o último salário aos 57 anos.
Apesar do lobby, a categoria dos policiais civis e federais não conseguiu ser contemplada com os mesmos requisitos de aposentadoria propostos para as Forças Armadas. Houve manifestação em frente ao Congresso com gritos de “acabou o amor, Bolsonaro traidor”. O novo texto, porém, adicionou a previsão de pensão integral por morte em todos os casos relacionados ao trabalho, de acidentes a doenças. Antes, a pensão integral era só para acidentes.
O texto também feriu interesses da bancada ruralista ao prever a volta das cobranças de contribuições previdenciárias sobre exportações agrícolas, prevista na proposta original enviada pelo governo e na primeira versão do parecer lida por Moreira. Os ruralistas prometem derrubar a medida ainda durante a votação na comissão especial.
O El País fez um bom resumo das mudanças aqui.
CPI DE BRUMADINHO
O relatório final da CPI de Brumadinho saiu ontem. Pede a responsabilização de duas empresas – a Vale e a Tüd Süv, que inspecionou garantiu a sustentabilidade do reservatório – e indiciamento criminal de 14 pessoas, sendo 12 funcionários da Vale e 2 da Tüd Süv. Além disso, sugere a votação de três projetos no Congresso sobre segurança de barragem, tributação de exploração de minerais e crimes ambientais. A Vale enviou nota ao Estadãodizendo que “respeitosamente” discorda da sugestão da CPI.
BANIR TOTALMENTE
A câmara baixa do parlamento austríaco aprovou ontem uma lei para proibir todos os usos do glifosato. É a primeira vez que um país da União Europeia aprova algo tão rigoroso – em outros, há proibições parciais. O caminho até a lei ser aprovada parece simples, segundo a Deutsche Welle: não deve levantar objeções no Conselho Federal (equivalente ao Senado), e em seguida vai para a sanção do presidente da Áustria, Alexander Van der Bellen, um antigo líder dos verdes.
SOBRE NASCIMENTOS
O projeto da deputada estadual de SP Janaína Paschoal que quer permitir a cesárea eletiva no SUS a partir da 39ª semana não é o único. Existe outro, e no âmbito federal: tramita na Câmara o PL 3635/19, apresentado em junho pela deputada Carla Zambelli (também do PSL-SP). As duas propostas ganharam relevo ontem, durante uma audiência pública na Câmara que debateu o veto do termo “violência obstétrica” pelo Ministério da Saúde.
E uma interessante reportagem da Agência Pública fala dos sentidos do parto nas aldeias de Tabatinga, no Amazonas, onde metade dos nascimentos são acompanhados por parteiras tradicionais.
MUDANÇAS À VISTA
O Valor conta que a proposta de compra da divisão de veículos feita pela seguradora alemã Allianz à SulAmérica pode significar uma “guinada” para a brasileira, que teria a opção de se tornar uma empresa de seguro saúde. Fontes que acompanham a negociação, que acontece há um ano, adiantam ao jornal que a SulAmérica quer mesmo se concentrar em seguros de saúde e odontológicos. A área é, hoje, a mais rentável da empresa: representou 80% dos prêmios frente a 16,2% do segmento auto no primeiro trimestre deste ano.
PROGRAMAÇÃO
Você pode conferir a lista de atividades propostas por organizações e instituições para acontecer em paralelo à 16ª Conferência Nacional de Saúde aqui.