A Justiça Federal em Florianópolis condenou o jornalista Moacir Pereira ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 50 mil à Comunidade Indígena Morro dos Cavalos, devido a ofensas e menções discriminatórias publicadas em seu blog e na sua coluna em um jornal de grande circulação, entre 2012 e 2014. A Defensoria Pública da União (DPU) presta assistência jurídica gratuita à comunidade no processo.
Na ação ajuizada em 2015, a DPU relacionou notas, postagens e comentários que considerou preconceituosos e discriminatórios em desfavor da comunidade indígena, “provocando e incitando os leitores contra os índios da localidade”. Os textos publicados pelo jornalista, segundo a instituição, induziriam os leitores a crerem que os indígenas não teriam nacionalidade brasileira, mas paraguaia; que a criação da reserva seria derivada de fraude; e que as mortes em acidentes ocorridos no trecho da rodovia BR-101 próximo à comunidade seriam “culpa da proteção da Funai aos índios”.
“A Funai vetou a duplicação da BR-101 no Morro dos Cavalos. A Procuradoria da República, também. O veto exigirá dois túneis e dois viadutos, ao custo de 650 milhões de reais. De janeiro de 2012 a abril de 2013, a Policia Rodoviária registrou 3 acidentes a cada dois dias, com 19 mortos. Quer dizer: protegem os “índios” para a matança dos ‘brancos’”, escreveu o colunista em postagem no blog em 4 de agosto de 2013. Outros textos do jornalista apresentados à Justiça estão disponíveis na sentença da juíza Marjôrie Cristina Freiberger, da 6ª Vara Federal de Florianópolis. Ainda de acordo com a DPU, as postagens do colunista estimularam a revolta de leitores contra os índios, o que é possível constatar nos comentários em seu blog e reproduzidos na ação.
A Defensoria destacou ainda o longo histórico de “casos de invasão e atentados que vêm ocorrendo na Terra dos Índios no Morro dos Cavalos”, que é “coincidente com a demarcação e [que], sem dúvida, as preconceituosas inverdades lançadas pelo jornalista-réu contribuem para [a] instabilidade da área”.
Por sua vez, Moacir Pereira defendeu seu papel de informar, comentar e abordar assuntos de interesse da população. Seu blog, segundo ele, “além de veicular informações de relevante interesse político, cultural, comunitário, social e econômico, também abre espaço para terceiros, recepcionando as mais diversas opiniões, inclusive contrárias ao pensamento do próprio Requerido [o jornalista]”, sem intuito discriminatório ou preconceituoso.
Tentativas de acordo
Audiências de conciliações foram realizadas durante o processo. Em uma delas, o jornalista aceitou acordo sugerido pela DPU para que a comunidade redigisse um texto a ser reproduzido como direito de resposta, no mesmo espaço e meio onde foram divulgadas as notas e postagens pelo jornalista. No entanto, após o texto ser apresentado à Justiça, Pereira defendeu que a autoria deveria ser sua. A proposta do colunista foi rejeitada pela DPU, pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Fundação Nacional do Índio (Funai), aceitas como coautoras. O processo, então, seguiu para sentença na 6ª Vara Federal.
Na decisão da última sexta (21), a juíza Marjôrie Freiberger afirmou que “a publicação sistemática de notícias e comentários a respeito da nacionalidade e origem, bem assim os questionamentos recorrentes acerca dos direitos constitucionais reconhecidos aos indígenas, colocando-os como empecilho ao desenvolvimento e responsáveis pelo infortúnio de outros (supostos legítimos possuidores de suas terras e motoristas vitimados por acidentes na rodovia), vai além do caráter informativo ou opinativo do jornalista. Exemplo disso é a nota anteriormente transcrita em que o réu indica um disparate proteger-se direitos dos índios em detrimento da vida de ‘brancos’. Ou ainda a opinião apontando suposta ilegalidade do apoio destinado aos indígenas por organizações não governamentais e órgãos do governo, visando garantir seus direitos, como indicado em outra nota”.
A magistrada destacou ainda que, nas publicações apontadas pela DPU, “em nenhum momento buscou-se informar a respeito das origens e características dos povos guarani” ou se observou tentativa de o réu trazer “qualquer versão contrária à ostensivamente defendida (de que os indígenas seriam invasores)”. Sobre os casos de violência mencionados na ação, a juíza afirma “que não se pode responsabilizar o réu pelos atos”, mas não é possível “dissociar a série de publicações com conteúdos claramente discriminatórios […] dessas consequências e do notório sofrimento impingido aos índios”. O jornalista pode recorrer da decisão ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre.
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Matéria enviada por:
Rodrigo Dalmonico
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