Por Guigo Ribeiro, para Desacato.info.
Naquela rua, virando a esquina, se vê um muro baixo com flores e plantas quem curam alma e corpo. Pode ver, se quiser. Assim não inventa que tô mentindo. São tantas que os vizinhos também as usam. E, conforme o tempo, nem precisam pedir mais. Às vezes avisam só um tempo depois o que pegou e, se a pressa permite, cabe comentário do motivo. Porque naquela rua, virando a esquina, a casa que tem o muro baixo e plantas também tem cor de casa de sossego. Casa de paz. E uma cadeira de balanço que balança um corpo presente há muito tempo na terra e que olha os dias, agora, de um jeito mais limpo. Olha o dia de modo a entender a necessidade de regularmente tirar o pó das velhas fotografias e, contrariando a lógica digital, conservar firme na estante os quadros. É que assim vê sempre e não esquece. Lembra de ligar, lembra de acender uma vela pra pedir proteção e também levar flores ao descanso eterno, diz.
Também é na cadeira de balanço que observa os novos correndo pela rua atrás de bola ou reunidos numa calçada jogando conversa fora. Sente alguma saudade de quando vivia um tempo igual aos dos novos. Faziam coisas iguais e outras diferentes, mas muito mais legais. Insiste que o seu tempo foi o melhor tempo e que esse agora é um tempo que se perde fácil. O mundo andou muito e num caminho besta. Mal tem árvore pra trepar. Mal tem rio pra se molhar. Coitados deles.
Na cadeira de balanço diz oi aos que passam. Seja a pressa que for, seja a atividade que for, todos falam com “o da cadeira de balanço”. E quase todos notam sua não pressa. Sua tranqüilidade. Seu prazer e estar calma de quem olha o mundo e não sabe se quer embarcar no trem do ontem. Dá a impressão que correu muito pra agora poder só balançar.
Não se engane que a vida é só ali. Que o sossego é permanente. Não! A responsabilidade existe, mas é muito mais com o necessário mesmo. Mas é que a cadeira de balanço era um sonho tão grande que virou uma espécie de “aterrador”, “organizador”. Ao perder o tal óculos (com freqüência), basta que pouse ali um pouco, mexa na cabeça e saia em busca de novo. Lá também se organiza em relação aos remédios. Se cansa com listas, lembretes. Insiste que a cabeça tem que funcionar e que quando mais deixá-la em ação, menor vai ser seu esquecimento. Porque quanto menos dependente de outras coisas, mais autônomo, vivo e… apto pra cadeira.
Ah… que inveja. Parece que agora o tempo é dele. Que tem a técnica da plenitude. Respeito os que querem dinheiro e me doi não saber se um dia só vou querer a paz de plantas, oi’s e um canto de balançar. Quem tem o tempo? Como conseguiu? Ensina pra gente?
Ali, pelos dias, vê o mundo. E vê de uma posição que o certifica do “amanhã é outro dia”. Bem cedo, uma moto vem por sua rua olhando atento o que deve ser entregue. Joga o jornal numa casa. Joga em outra. E para pra entregar em mãos na casa das plantas e cor de sossego. Ao receber, maravilha, nem levanta da cadeira. Seu café é fresco e as notícias velhas. Lê com certa raiva, mas em controle o tal juiz herói ruindo como prédio mal feito. Vê ele falando qualquer coisa pra falar o injustificável. Vê como o poder é mentiroso, bruto, perverso. Então se ajeita com tranqüilidade e a cadeira balança em paz, com calma. Passa seus olhos mais uma vez pelas linhas e balança a cabeça em negação. Quando jovem pensava se o mundo ia mudar. E lembra de não perder a esperança. Abre um riso e diz pra se escutar:
– Me deixe aqui tranqüilo. Me deixe em minha cadeira balançar. Esse hoje e esses homens – palavra de quem sente até o cheiro do mundo ser diferente – vão passar.
Guigo Ribeiro é ator, músico e escritor, autor do livro “O Dia e o Dia Que o Mundo Acabou”, disponível em Edfross.
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