Retrospectiva: “Isso seria, senhor presidente, inocentes úteis?”

“Quem não pode com a formiga não atiça o formigueiro”

Por James Ratiere, para Desacato. info.

Hoje me falta caneta, mas escrita, apesar de ser melhor pra mim, não depende dela, sim ainda tenho na cabeça aquela romantização da velha caneta riscando o papel.

Isso me traz a criatividade, a musa chega mais perto e flui o texto.

Mas preciso escrever, então vai o celular para desabafar nesta sexta-feira chuvosa.  Me perdi, e sempre nesses vai- e -vens da mente vou entrando num funil sem volta, lembrando apenas que preciso dar conta de tudo. “leia notícias” dizem eles, e eu leio, “faça esse tal trabalho, vai te ajudar na compreensão deste mundo” repetem todos os semestres seguidos, por várias disciplinas que eu passo.

Estudar, trabalhar, ser um indivíduo social que dá conta da enxurrada de informações, e saber escolhê-las, por que até nisso hoje vivemos na corda bamba, não se dá mais o crédito absoluto a nada. Me perdi de novo. Nem era sobre minhas angustias que eu queria falar, e a sobre outro assunto, algo em voga, como o racismo que passou artista preto Yuri Marçal, ou nós universitários que fomos chamados de idiotas úteis depois de inocentes úteis como se aos 18 a idades a fora não pudéssemos escolher ou lutar pelas nossas causas.

Fomos às ruas, aqui em Florianópolis por exemplo embaixo do que se chama uma tromba d’água, para manifestar nossa insatisfação. Isso seria, senhor presidente, inocentes úteis? Ou mesmo idiotas? Acho que não, até porque sabemos onde estamos, o que queremos, e onde chegaremos com nossas trajetórias. Queremos um país melhor, que dê oportunidade a todos sem distinção, que entenda sua pluralidade e pare de se achar europeu. Queremos mostrar que nossa identidade nascida a ferro e fogo pela exploração pretos e indígenas, pelas mortes horrendas que estes passaram, pelo extermínio dos povos originários e raptos de estrangeiros. esse país que tem fendas tão profundas de preconceito e desprezo pelos menos favorecidos, pode ser grande não só em extensão, mas em valores justos para todos.

Me perdi novamente, mas queria dizer que fazia tempo que não me emocionava com tanta veemência vendo aqueles guarda-chuvas coloridos, ou mesmo os que estavam desprovidos de qualquer proteção, intérpretes de Libras sinalizando na chuva torrencial e surdos juntos aos ouvintes dizendo palavras de ordem para expressar sua indignação contra os cortes.

Quem nunca pisou numa universidade pública não pode dizer o que precisa para ela, quem nunca estudou em escola pública não pode ditar o que se fazer com a educação, pois não sabe a dificuldade de professores que diariamente se esforçam para ensinar, tirando até mesmo de si, por amor a profissão. Não é romancear, é dizer a realidade nua e crua, de escolas com goteiras, sem material didático, sem possibilidade de fazer aulas diferentes para poder dar ao jovem atual um respiro de estar em fileiras olhando para um quadro negro.

Me perdi outra vez, mas provavelmente é se perdendo que eu mostro minha velha indignação e minha satisfação por ter participado daquele ato quinta-feira passada. A chuva ainda cai, e os gritos ainda ecoam nos ouvidos, “quem não pode com a formiga não atiça o formigueiro”.

James Ratiere é estudante de Jornalismo e escritor nas horas vagas desde os 14 anos.

 

 

 

#AOutraReflexão

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