Minicurso do Olavoh – Foucault e Suco de Laranja (parte 4)
Por Guigo Ribeiro, para Desacato.info.
Olavoh acordou assustado. A última aula havia sido cansativa e o levado ao estado emocional mais intenso possível. Em outras palavras, tinha ficado puto. Lembrou que, aparentemente, a noite prometia sonhos tranquilos e descanso pleno do corpo. Ao apagar as luzes e a consciência, foi bem diferente. Sonhava com o tal do Eduardinho correndo atrás dele com um martelo de brinquedo e que, pra cada vez que o alcançava, eram 17 marteladas. Olavoh ficava dado tempo zonzo, mas alcançava a recuperação. Quando esta ocorria, caminhava calmamente por um país destruído e sentia relativo pesar por aquilo. Então ouvia a voz de longe do tal Eduardinho voltando:
– QUERO SER IGUAL A VOCÊ! EU TE AMO!
E tome marteladas. Sempre as mesmas. Sempre 17. Desesperador! Então, Olavoh se recompunha e voltava pelas ruas daquele país. Então aparecia outro ser que lembrava muito o Eduardinho. Ele corria com um martelo, mas dessa vez de verdade. Olavoh sentiu que não ficaria apenas zonzo e fugiu. Ao entrar num beco, surgiam cabeças gritando coisas desconexas, mas que produziam muito medo em Olavoh. Assim, acelerava a corrida ladeira abaixo. Conforme foi alcançando o final da ladeira, havia um muro e percebeu que pouco antes de chegar a ele, as cabeças pararam de aparecer. Olavoh então encostou um pouco para respirar e acendeu um cigarro. Uma terceira pessoa apareceu e, rindo, disse:
– Aqui é muro de milícia! Vou te matar!
Olavoh desatou a correr de novo e, enfim, chegou a um lugar seguro. Era um lugar dourado, bonito. Haviam quadros de todos os antigos presidentes, menos um. E, no espaço em que a foto estaria, havia uma gaiola. Olavoh caminhou mais um pouco na imensa sala e avistou uma mesa com uma cadeira grande virada pra parede. Imaginou sentar e respirar. Poucos passos antes, a cadeira se vira e lá estava o presidente:
– Meu guru! Dá um abraço!
Olavoh abre os braços em reciprocidade e nota os braços do presidente virarem asas. E dessas asas, caem Eduardinho e os outros dois homens. O presidente gargalha e Olavoh pergunta qualquer coisa:
– Filho meu! Gente decente! Cidadão de bem, guru.
Olavoh ri e é executado com 17 tiros. Foi quando acordou. O sonho foi determinante no humor de Olavoh naquele dia. Na parte da tarde ligou sua câmera e tentou realizar sua live. Não teve sucesso. Pra matar o tempo, se largou na cama até pouco antes do horário pro encontro. Telefone toca:
– Senhor Olavoh, estamos com sua caixa de recados. Podemos levar?
– Agora não.
– Que horas?
– Agora não. Quem sabe mais tarde.
– Mas…
– AGORA NÃO!!!
– Tudo bem. Como o senhor preferir. Quer comer algo?
– Não.
– Ok. Último informe. Um senhor Eduardinho deixou um presente aqui. O senhor passa mais tarde pra pegar?
Olavoh desligou.
Hora do evento. Cadeira, água e plateia em aplausos orgásticos. Começou.
– Boa noite. Como estão? Hoje quero falar de Foucault e as relações de poder. De antemão peço que me desculpem. Tive uma noite de sonhos horríveis e não conseguiria abrir pra intervenções de vocês, tá? Em todo caso, serei suficientemente claro de modo que ao saírem daqui, darão cursos sobre o tema. Vamos lá. Franz Kafka, poeta argentino
nascido no Estado Novo disse certa vez: Sonho só é sonho se sonhado junto. Kafka, reza a lenda, sonhou que era um besouro gigante e este besouro não gostava nem do pai nem do patrão. Vocês são patrões. Atente-se aos besouros de suas fábricas, ok? Inclusive, sejam eficazes na reforma. Besouro velho e ocupado tem menos força pra atacar. Sobre a frase, por que sonhamos juntos? Alguém sabe dizer? Isso. Porque o peso se divido é menor, mais fácil de levar. Logo, quando se sonha um sonho e está só contra muitos, fica mais difícil. Essas são as relações de poder. Quem tem mais força mandando em quem tem pouca, correto? Ou seja, Foucault propõe que as relações são estabelecidas e que estas são determinantes, certo? Agora, pensemos a relatividade da força. Uma barata é obsoleta, mas vence quem berra em cima da cadeira. Um funcionário é obsoleto e perde chorando em cima dos boletos, da fome, certo? Portanto… solução prática… eu não expliquei, não é? A relação entre Foucault e Kafka é a intersecção entre a métrica do pensamento em justaposição à dialética do esclarecimento. Entenderam, certo?
Todos disseram sim.
– Vocês são maravilhosos! Pra este problema no pensamento contemporâneo… posso fumar aqui?
Todos disseram sim.
– Pra este problema atual, retornar à essência, ao que é lindo. Pro trabalho braçal, pra quem ganha a vida pegando peso, que se entenda de uma vez. Um trabalhador mete o saco nas costas. Então rasgue o saco, pegue umas boas laranjas e faça um suco. Portanto…as relações de poder são suco de laranja. Beba, se acalme e durma bem. No caso, durmam bem. Alguma dúvida?
Todos tinham muitas. Mas lembraram do que Olavoh ordenou no começo. Silêncio.
– Enfim… encerro esse penúltimo dia agradecendo e fazendo uma sugestão. Bebam suco de laranja. Aliás, conheço 5 passos ótimos pra viver bem. Estes são: vejam meus trabalhos, me sigam nas redes, me contratem, falem bem de mim e bebam suco de laranja. Fácil?
Todos disseram que sim.
– Boa noite. – sendo calorosamente aplaudido.
Rumou ao quarto e acendeu um cigarro na varanda. Estava péssimo. Sem dormir, a vida era inútil. Deitou na cama e rolou pra lá e pra cá sem o tal do sono. Levantou de súbito e discou:
– Oh… amigo! Traz um suco de laranja pra mim.
Guigo Ribeiro é ator, músico e escritor, autor do livro “O Dia e o Dia Que o Mundo Acabou”, disponível em Edfross.