Por Leonardo Fernandes.
O Grupo Abril tem novo dono. O empresário Fábio Carvalho, dono da Calvary Investimentos, concluiu a compra das empresas da família Civita por um valor simbólico de R$ 100 mil. O grupo alega uma dívida de R$ 1,6 bilhão. Desses, mais de R$ 1,1 bilhão tem como credores três bancos: Santander, Itaú e Bradesco. Esse montante já está sendo negociado. A dívida relativa a questões trabalhistas é de aproximadamente R$ 85 milhões.
Com a justificativa do endividamento, o Grupo Abril pediu recuperação judicial em agosto de 2018 e anunciou a demissão de 804 trabalhadores. Segundo ex-funcionários, a empresa vinha fazendo cortes desde 2015, mas a dispensa em massa de jornalistas, gráficos, administrativos e distribuidores pegou os trabalhadores de surpresa.
Paulo Zocchi, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo (SJSP), denuncia que o tempo entre o pedido de recuperação e a demissão dos trabalhadores foi devidamente calculado para evitar o pagamento das multas por rescisão contratual.
“Há um padrão em diversas recuperações judiciais, incluindo o da Abril, na qual se demite uma massa de trabalhadores, e entra em recuperação judicial antes da data prevista para o pagamento das verbas rescisórias”, explica.
Com a palavra, os trabalhadores
O Brasil de Fato tentou contato com diversos trabalhadores demitidos, mas todos manifestaram receio de se expor. No entanto, no dia 6 de janeiro de 2019, as jornalistas demitidas Eliana Sanches e Patrícia Zaidan publicaram artigo no jornal Folha de São Paulo, no qual denunciam que a estratégia da empresa em pedir a recuperação judicial serviu para “solapar” direitos trabalhistas.
“Apesar de os advogados da empresa tratarem a situação como mera normalidade jurídica, nós perdemos aviso prévio, férias, 13º salário, multa sobre o FGTS e multa prevista na CLT por não pagarem em dia. Direitos solapados pela família Civita, uma das mais ricas do país”, escreveram.
Nas redes sociais, os trabalhadores demitidos fazem uma campanha para exigir a devida reparação. Em uma série de vídeos intitulados “Vítimas da Abril”, os ex-funcionários contam suas histórias pessoais e as consequências das demissões, sem garantia de direitos.
O jornalista Bruno Favoretto é cadeirante e gravou um vídeo contando como a demissão afeta seus cuidados com a saúde. “Lógico, para quem é cadeirante, não andar é o menor dos problemas. Eu tenho inúmeras questões de saúde. Um rim já não funciona mais, é osteoporose, artrose, inúmeros movimentos involuntários, enfim. Então quando você é um trabalhador contratado CLT da Editora Abril, repito, CLT, o convênio é importante”.
“Quando demitiram falaram que iam pagar em dez vezes. Como isso já era ilegal, teria um salário a mais no final de tudo, e era mentira. Alguns dias depois, nós descobrimos via imprensa que a Abril estava em recuperação judicial, não ia pagar, não ia fazer nem homologação para a gente ter acesso ao seguro-desemprego”, completa.
Lícia Lima trabalhava na gráfica da editora há dois anos e dependia do plano de saúde oferecido pela empresa, que deixou de existir de uma hora a outra.
“Eu tenho duas filhas: uma especial, que faz tratamento na AACD, e outra que eu havia descoberto quando estava há um ano na Abril, que ela tem escoliose, má formação na coluna. Então por isso que eu estou fazendo esse vídeo, falando um pouco da minha história, da minha dificuldade”.
De acordo com os ex-funcionários, os cortes atingiram ainda cerca de 250 freelancers que prestavam serviços à editora. Zocchi explica que a recuperação judicial do Grupo Abril diz respeito a 23 empresas. Para quitar dívidas, especialmente as trabalhistas, os donos poderiam ter vendido parte dos ativos como forma de capitalizar recursos, o que não foi feito.
“Nesse caso, o que a gente vê é outra coisa. Veio o Flávio de Carvalho junto ao BTG Pactual, fizeram uma operação e compraram o conjunto do Grupo Abril, então passaram a ser os donos do grupo empresarial que está em recuperação judicial. Então, a dinâmica da recuperação judicial.
Uma assembleia de credores que discutirá o plano de recuperação da companhia está prevista para o dia 28 de maio. Segundo Zocchi, a assembleia tem o poder somente de aprovar ou rejeitar o acordo. Caso não aceite, a empresa poderia decretar falência, o que dificultaria ainda mais o pagamento das dívidas. Para o representante sindical que também é funcionário do Grupo Abril, os empresários “jogam” com a falência para negociar descontos astronômicos no valor devido.
“Como a empresa joga com a falência, não precisa nem ser um expert para entender que a lei da recuperação judicial é uma legislação para favorecer o deságio das dívidas. Ou seja, a empresa endividada suspende todos os pagamentos legalmente, e a partir daí começa a negociar desconto, e eventualmente, um desconto gigantesco, do que ela deve a terceiros”.
Zona de conforto
Embora tenha pedido recuperação judicial de uma de suas principais empresas, a família Civita está longe de ter se tornado pobre. Segundo o ranking da revista Forbes de 2014, os Civita tem uma fortuna calculada em US$ 3,3 bilhões ou R$ 13 bilhões, o que os coloca na 11ª posição das famílias mais ricas do Brasil.
O Grupo Abril reúne diversas publicações nacionais: Veja, Veja SP, Exame, Você S/A, Você RH, Quatro Rodas, Placar, Capricho, Cláudia, Portal M de Mulher, Bebe.com, Saúde, Viagem e Turismo, Superinteressante, Guia do Estudante e Vip.
Procurada pelo Brasil de Fato, a assessoria de imprensa do Grupo Abril não respondeu aos questionamentos da reportagem, apenas enviou um release de imprensa contando sobre a venda e exaltando o histórico da empresa.