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Os agrotóxicos e o colonialismo
Por Douglas Kovaleski, para Desacato.info.
Água potável é um direito humano, o que inclui o direito das pessoas saberem o que tem na água que estão bebendo. A legislação brasileira define que os fornecedores de água – sejam eles empresas estatais, privadas ou governos municipais – são responsáveis por testar 27 agrotóxicos específicos cada seis meses, nos sistemas que gerenciam e devem relatar esses resultados ao governo federal.
O Brasil, uma potência em agricultura industrial, é um dos maiores consumidores de agrotóxicos no mundo. Só em 2017, cerca de 540 mil toneladas de ingredientes ativos desses produtos foram consumidas.
Para a professora Gisela de Aragão Umbuzeiro, da UNICAMP, a lista de agrotóxicos testados para a potabilidade da água atualmente é incompatível com o excessivo número de agrotóxicos que circulam livremente nos campos brasileiros. Afinal essa posição de potência mundial do agronegócio cobra um preço bem alto da nossa população e das gerações vindouras. Segundo Gisela, temos 306 princípios ativos com potencial dano à saúde, entretanto, os sistemas de testagem da água brasileira testam apenas 27 analisados princípios ativos e só semestralmente, o que pode tornar o controle vulnerável.
Aproveitando esse alerta, foi publicado no British Medical Journal, dia 21/03/2019 um dos maiores estudos que abordam a relação entre uso de agrotóxicos e prevalência de autismo em crianças de comunidades próximas a áreas agrícolas que usam agrotóxicos e pode-se afirmar, baseado em evidências científicas robustas que: durante a gravidez e primeira infância, a exposição a alguns dos agrotóxicos mais usados no mundo está ligada a um maior risco de as crianças desenvolverem o Transtorno do Espectro Autista.
O estudo envolve a análise 38 mil nascidos entre 1998 e 2010, onde o diagnóstico de autismo e deficiência intelectual foram mais comuns do que na população em geral. Os dados desses pacientes foram cruzados com informações sobre a pulverização perto das casas das mães. Foram escolhidos 11 dos agrotóxicos mais comuns, por já terem sido relacionados em pesquisas anteriores a interferências no neurodesenvolvimento. Entre eles, o famoso glifosato e o malation, inseticida que aqui no Brasil também é usado para controle do Aedes Aegypti em áreas urbanas.
Com esses dados, os pesquisadores investigaram os efeitos da exposição a esses produtos na fase pré-natal e durante o primeiro ano de vida. Quando as gestantes viviam a menos de dois quilômetros de uma área com alto índice de pulverização desses produtos, seus filhos tiveram entre 10% e 16% mais chances de ser diagnosticados com o transtorno. Para diagnósticos de autismo que vinham acompanhados por deficiências intelectuais, o resultado foi ainda mais impressionante: as taxas foram em média 30% mais altas entre as crianças que foram expostas aos químicos no útero. Já crianças expostas a esses mesmos agrotóxicos durante o primeiro ano de vida tiveram até 50% mais diagnósticos de autismo. Vale apenas lembrar que o Brasil já vive uma epidemia de autismo com crescimento acelerado no número de casos na última década.
O estudo relatado deve nos trazer um sinal de alerta, devemos aumentar o controle sobre o uso de agrotóxicos no Brasil, reduzir os danos à saúde da população e ser um celeiro mundial de boa comida, não de lixo, de doenças congênitas e exploração dos trabalhadores do campo.
O agronegócio e sua relação com o poder legislativo, executivo e com as multinacionais, constituem-se em uma situação exemplar de colonialismo. Condição onde um país se submete aos interesses de outro país ou grupo de poder, no caso grupo econômico. Obviamente que os lacaios desse entreguismo devem ganhar seus trocados em troca da traição, mas jamais vão ter a dimensão do sofrimento humano que estão causando para crianças famílias e para toda a comunidade. União Européia e EUA, por exemplo, já baniram a maioria dos agrotóxicos que são usados livremente no Brasil.
O que mais assusta é a direção que a política brasileira vem tomando com relação à saúde humana e os agrotóxicos: desde o início do ano até agora já foram liberados mais de 30 novas marcas de agrotóxicos para serem usadas nos campos do Brasil.
Ou seja, estamos na direção completamente equivocada no que se refere à proteção da saúde da população brasileira e o pior, estamos com um maluco no controle da política. As consequências serão avassaladoras, teremos uma ou algumas gerações de crianças com sérios e irreversíveis problemas de saúde, sem contar com outros agravos à saúde de toda a população.
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Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos sociais.
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