Por Douglas Kovaleski, para Desacato.info.
Vivemos um prolongado e direcionado bombardeio midiático, semiótico e mentiroso de informações sobre a reforma da previdência brasileira. Como se não houvesse amanhã, toda a grande mídia junto da classe política, salvo raras e honrosas exceções, trabalha desesperadamente sobre a pauta imposta pelos bancos, representantes do capital financeiro no país.
O governo quer que a imensa maioria dos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil trabalhe mais e se aposente mais tarde. Para isso, parte da premissa de que a população está envelhecendo, o que é uma verdade. No entanto, desconsidera outras verdades sobre a previdência pública brasileira.
O primeiro ponto a ser considerado é que a proposta da Reforma da previdência afeta mais severamente aos grupos mais pobres da população e se exime da responsabilidade com relação à proteção social, pois dificulta o acesso e diminui o valor do benefício de prestação continuada (BPC). Por outro lado, a reforma nega a aposentadoria integral para a maioria da população, pois exige 40 anos de contribuição e 65 anos de idade. Assim, considerando a intermitência no trabalho – comum na atualidade – e a expectativa de vida entre os grupos mais pobres, aposentar-se de maneira digna é bastante improvável para os mais pobres, o que demarca o caráter excludente dessa reforma.
É sabido ainda, segundo a Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada no congresso nacional em 2017, ano em que ela apresentou os resultados dos seus estudos e afirmou, de maneira contundente, que não há déficit na previdência pública no Brasil. A mesma comissão apresentou preocupação com o futuro da previdência pública, e indicou várias ações a serem tomadas.
O relatório aponta erros na proposta de reforma apresentada pelo governo; sugere emendas à Constituição e projetos de lei; além de indicar uma série de providências a serem tomadas para o equilíbrio do sistema previdenciário brasileiro, como mecanismos de combate às fraudes, mais rigor na cobrança dos grandes devedores e o fim do desvio de recursos para outros setores.
O documento elaborado pela CPI alega haver inconsistência de dados e de informações anunciadas pelo Poder Executivo, que “desenham um futuro aterrorizante e totalmente inverossímil”, com o intuito de acabar com a previdência pública e criar um campo para atuação das empresas privadas. Segundo o relatório da CPI, as empresas privadas devem R$ 450 bilhões à previdência e, para piorar a situação, conforme a Procuradoria da Fazenda Nacional, somente R$ 175 bilhões correspondem a débitos recuperáveis.
A CPI mostrou que há fraude e há corrupção e que a Previdência não é deficitária. O relatório final aprovado foi enviado para diversos órgãos “para análise e adoção das providências e iniciativas cabíveis”: Casa Civil; ministérios da Fazenda, do Planejamento, da Justiça e da Transparência; INSS, Secretaria de Previdência, Tesouro Nacional e Receita Federal; Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf); Conselho Nacional de Previdência Social; Polícia Federal, MPF, MPT e TCU. Entretanto, nenhum desses órgão tomou medida alguma com relação à sequência de mentiras que o governo Michel Temer veiculava, mentiras que se perpetuam pela história da ignorância cativada no país agora com o Bolsonaro.
Em meio a essa guerra de desinformação encampada pela mídia e pela classe política brasileira, a população passa a defender causas que desconhece, ou pior, que conhece de maneira distorcida. A reforma da previdência trazida por Bolsonaro e sua equipe, caso seja aprovada, significará mais uma punhalada nas condições de vida e de saúde da população desfavorecida do Brasil. É impossível gozar de boa saúde em meio à insegurança do trabalho, renda e de envelhecer com tranquilidade, ainda mais sabendo que há uma remotíssima chance de se aposentar.
Saúde e previdência sempre caminharam juntas e são partes do tripé da seguridade social. Uma interfere diretamente sobre a outra, afinal saber que o regime previdenciário é pautado pela solidariedade e não pela exclusão faz muita diferença. Por outro lado, como é possível viver bem sem uma renda mínima digna garantida para os idosos e para as pessoas impossibilitadas de trabalhar? Vide o caso chileno onde os suicídios entre idosos aumentaram de maneira exponencial após a reforma da previdência.
A proposta de reforma da previdência defendida agora por Bolsonaro significa um retrocesso em termos de direitos sociais no Brasil e soma-se a outros contextos nacionais, como a violência, a fraca organização social, a competitividade, a solidariedade escassa e os baixos níveis educacionais, para conduzir o país rumo à barbárie. O governo estimula que a população utilize armas, dificulta a divulgação da cultura e dos valores sociais positivos, ou seja, condena pouco a pouco a população aos caos político e social.
Nessa funesta conjuntura, a população encontra um sistema de saúde subfinanciado e em franco desmonte, relegando o acesso à saúde ao mérito individual como possibilidade de vida, condicionada a poder gozar de um plano de saúde privado. A reforma da previdência é a grande batalha que a classe trabalhadora brasileira precisa vencer nesse momento.
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Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos sociais.