Quando próximo ao aniversário de uma de minhas mortes
Uma nova pedra estourou minha vidraça
O sol esquentava o necessário e se esforçava para alegrar o dia
O vento não tinha força para fazer pipas tomarem os ares
O azul dava certo tédio visto a ausência das fofuras brancas
Era um tal de setembro estranho
Setembro que pessoas divulgavam campanhas
Recebi um informe
Era o medo de lembrar
Junto aos ferros que me rasgavam quando lembrava
Junto ao aço que furava minha pele
Rasgava minha pessoa
Meu corpo
Neste dia tão estranho
Veja só
Alguns carros passavam pra lá e pra cá
Carros que nem sei se sabem pro lugar que vão
Nem eles
Então afundei em mim
E minhas mãos, antes tão dadas ao exercício de ser, eram suporte pra minha cabeça
Meu corpo era um colchão
De tantos e tantos, o espelho me dizia quem eu era
Numa imagem moldada pelo instante em questão
Vi dentro de mim coisas e coisas espalhadas
Eram cacos que talvez foram uma janela. E poderiam ser um vaso
Eram pedaços de uma estrutura forte desfeita no excessivo bater de folhas da árvore ao lado. Ou pedaços no chão que, em boas mãos, virarão parte de um canteiro
Eram memórias que nem estavam aptas ao meu falar numa história. Mas que gritavam quando eu entrava na caixa do silêncio.
Eram risos de uma criança de barba e preocupação de um boleto muito, muito adulto
Eram gestos que peguei de quem nem sei. Ou sei e finjo que não sei
Eram retalhos que formaram uma colcha, mas que, no fim das contas, cobre e dá calor
Eram versos de um poema construído pela eternidade. Sem fim, sem conclusão
Eram ruas que passei e conheço. E que pelo tanto que conheço, já nem olho direito
Eram guerras de um soldado que acaba de voltar pra casa e já tem que sair de novo para se apresentar
Era uma carta que voltou apesar de tão atenciosamente endereçada
Era um prato após refeição querendo ser limpo para a próxima
Era a poeira que dava nova cor ao armário, mas que seria um armário novo sem a poeira
Era a solidão dos livros, aos montes, em minha estante, mas que serão novos conhecimentos adquiridos quando lidos
Era o desgaste da reforma num desespero de soar novo e ser novo. Valorizar
Eram as fotos que perdi na última formatação junto às imagens em minha cabeça do que acho que foram aqueles dias
Era ela me filmando na praia e triste na partida. Voe!
Era ela em lágrimas diante do trem
Era ela e sua distância física de horas e distância de existir em séculos
Era ela e suas esculturas
Era ela e sua vontade de morder o mundo
Eram letras num caderno velho que escrevi numa praça. E que quase viraram (ou virarão) canções em microfones
Eram as luzes, a marcação, o texto
Era o miúdo que sentia tédio e ia dar uma volta pela tarde
Era o menino que fazia graça dando porrada em outros meninos mais fracos ou mesmo mais fortes
Era o menino que pedia licença ao entrar
Eram lugares que nunca sonhei ir e estou
Eram lugares que sonho em ir e irei
Eram minhas verdades mentirosas e minhas mentiras verdadeiras brincando de esconde-esconde
Era o que insisto em ser brigando bravamente com o que insisto em não ser
Quando próximo ao aniversário de uma de minhas mortes
Eu morri!
E vi de forma tão estranha o eu
Era o eu, os eu’s
Tantos e tantos
Tantos e todos
Juntos
Era o eu, os eu’s
Eram ensaios para uma peça
Eram ensaios sobre o eu
Eram ensaios… ensaio sobre o eu
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