Por Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena.
“Tirar a floresta para colocar uma ou duas cabeças de gado por hectare é coisa de uma estupidez e de uma ignorância tão grandes que justifica quando se diz que a barbárie vem aí. É um domínio da ignorância em função de um lucro rápido: desmatar, colocar o boi e tirar aqueles 200 reais 300 reais um boi. É espantoso! Se esse é o futuro que nos reservam, vão se dar mal. Serão corridos pela própria história, que é às vezes lenta, mas implacável”.
Palavras de Ennio Candotti, 76, diretor do Museu da Amazônia, em entrevista ao Tutameia (acompanhe no vídeo). Ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, ele fala da enorme riqueza da região. Cita o caso da bergenina, uma molécula especial existente na casa de uma árvore, que vale 100 dólares a miligrama.
“A Amazônia está sendo ameaçada pela ignorância, pela nossa dificuldade em contar para todos o valor da botânica, das arvores, os insetos, das toxinas, dos venenos, o valor de uma planta que sabe reconhecer o seu invasor e prepara uma molécula ou um produto que possa lhe permitir combate-lo –e ainda comunicar essa solução a uma vizinha. São questões que estão sendo esclarecidas. Há timidez dos cientistas em contar que essas plantas são seres fantásticos e não sabemos a linguagem com que se comunicam”, diz. E segue:
“ O valor da floresta não é reconhecido. Pouco se sabe sobre o fato de que uma árvore regenera seus galhos. Árvores são livros que devemos aprender a ler. A Amazônia é a grande biblioteca da nação. Devemos aprender a ler. E está sendo queimada. Como as bibliotecas famosas foram queimadas no passado, pode acontecer [de ser queimada], pela ignorância de tiranos passageiros que são lembrados hoje pela destruição que fizeram”, diz.
Para Candotti, as ameaças do capitão eleito provocam resistência. “Que venham ameaçar a floresta! Aí vamos contar com as árvores em movimento como naquela história do Tolkien em que as próprias árvore se movem e participam da resistência. Isso passará das páginas de um grande escritor para a realidade. As árvores vão se mover mesmo estando paradas. Vamos ver quem vai mais longe”.
Não é o capitão; são os interesses externos
Candotti diz não acreditar em “vocações autoritárias” para o país. Para ele, a vitória do capitão precisa ser entendida nos seus bastidores. “É alguma coisa que tem por trás disso, interesses, articulações muito mais profundas, que têm razões internacionais. Questões como os BRICS. Essa articulação é um fato político de primeira grandeza que justifica intervenções semelhantes àquelas de justificaram a intervenção norte-americana no golpe no Brasil em 1964. Razões internacionais há de sobra. O petróleo, o pré-sal e a Embraer são hoje determinantes no tabuleiro político internacional. Há grandes interesses em preservar os imensos lucros do capital financeiro. Os bancos ganharam mais do que todo o orçamento de educação do país. Não é o capitão. São interesses de grande porte internacional. Vamos cobrar, vamos resistir”, declara ao Tutaméia.
Para o físico, o que aconteceu na eleição “foi uma vacinação”: “Os que votaram no capitão começarão a criar anticorpos ao ver o que vai acontecer”. E segue: “Quando se começar a ver o sangue correr – no sentido do sangue das veias da nação, espero que não seja o dos militantes –, as pessoas aos poucos se darão conta de que aquilo que tinha sido conquistado com a democracia poderá vir a ser perdido. Não acredito que esteja perdido, que passem. Venham para a universidade! Vamos ver quem vai conseguir continuar a defender uma universidade livre e capaz de pensar!”
Barricadas em construção
Perguntamos a Candotti se ele achava que o capitão seria uma ameaça à Constituição. “A Constituição é uma ameaça a ele. Ele sabe que todos estão atentos às pequenas impropriedades que ele vier a cometer contra a Constituição”.
Candotti fala do futuro da ciência, rememora a luta contra a ditadura e relata intimidações que sofreu, por parte de fiscais do TRE, na semana passada, quando participava de debate sobre democracia na UFAM. Aos que tentaram dispersar a assembleia promovida pelos estudantes apresentou um simples argumento: sem democracia, eles não teriam nem trabalho, pois não haveria eleições. Acabaram indo embora.
“Não precisamos temer. Sabemos sobreviver a pão e água muito mais do que os nossos adversários –que, espero, não virem nossos inimigos. Mas, se forem inimigos, saberemos construir nossas barricadas. Teremos anos em que os jovens poderão saborear o gosto da resistência, afirma. E conclama:
“Permaneçam alertas e permaneçam mobilizados. Não desarmem aquelas barraquinhas que foram montadas com tanta inventividade nessas últimas semanas, onde se convidava indecisos para discutir política. Precisamos explicar a todos o por quê da nossa enorme desconfiança em relação às políticas propostas pelo capitão”.