Por Leonardo Fernandes.
Uma verdadeira queda de braço está instalada no Supremo Tribunal Federal (STF) desde a semana passada, em torno do direito do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de conceder entrevistas à imprensa na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde está detido há mais de 170 dias.
O conflito começou após o ministro Ricardo Lewandowski aceitar, na sexta-feira (28), uma reclamação da defesa de Lula sobre as reiteradas negativas feitas pela 12ª Vara de Execuções Penais a solicitações de entrevistas com Lula. O magistrado autorizou que Lula fosse entrevistado pelos jornalistas Mônica Bergamo, da Folha de São Paulo, e Florestan Fernandes Júnior, da Rede Minas de Televisão.
A decisão, porém, foi suspensa por determinação de outro ministro, o vice-presidente do STF, Luiz Fux, que exercia a presidência da Corte interinamente. Nesta segunda (1º), Lewandowski voltou a deferir a solicitação feita pelos veículos de imprensa, e afirmou, em sua nova decisão, que Fux “incorreu em vícios gravíssimos”; entre eles, o de haver desrespeitado a “inexistência de hierarquia entre ministros da Suprema Corte” e aceitado uma reclamação feita por partido político, que “não é parte legítima para ajuizar a Suspensão de Liminar”. No mesmo dia, o presidente do Supremo, Dia Toffoli, intercedeu para anular novamente a decisão de Lewandowski.
Segundo a jurista e membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, Tânia Oliveira, são irregularidades que jamais poderiam ter sido praticadas pelo STF, sob o risco de colocar em cheque a segurança jurídica e a jurisprudência da Corte.
“Há várias irregularidades. A primeira é o fato de ele [Fux] ter suspendido uma liminar de um colega, o que burla completamente a jurisprudência do Supremo. O outro fator ainda mais grave é que só quem pode pedir suspensão de liminar, e nisso a lei é muito clara, é o Ministério Público ou pessoas jurídicas de direito público. Um partido político é uma pessoa jurídica de direito privado. E isso é muito grave, pois diz respeito à legitimidade das partes, ou seja, esse pedido sequer poderia ter apreciado. Mas o Fux não só aprecia, como defere”.
Deflagrada a crise no STF, o presidente recém-empossado do tribunal resolveu intervir e, na opinião de Oliveira, só agravou o conflito interno. “O presidente, quando assume a questão para si, o Toffoli respalda a decisão do Fux, sem muito dizer, meramente por questão política. Está muito óbvio que nenhuma das ilegalidades foi superada com a decisão dele”.
Oliveira lembra ainda que ao assumir a presidência do STF no dia 13 de setembro, Toffoli prometeu pacificar a corte diante de temas polêmicos. “A pessoa que disse ter a incumbência de pacificar está sendo o causador da crise, que é o presidente que acabou de assumir [Dias Toffoli]. Então é muito difícil vislumbrar como eles vão resolver essa crise interna criada pelo Fux e respaldada por ele [Toffoli] que acaba sendo o grande motivador dessa crise. Por uma questão de coerência e segurança jurídica, ele teria que ter dito: ‘o relator é esse, não há como um outro ministro desfazer uma decisão do outro, o que é algo a-histórico’ e acabava com essa história”.
Segundo o advogado e doutor em Direito Leonardo Yarochewsky, não é de hoje que o STF tem se dividido em matérias constitucionais, a exemplo da prisão após condenação em segunda instância, aprovada por uma maioria apertada de seis a cinco. “O Supremo caminha já há algum tempo dividido em matérias polêmicas, matérias constitucionais, e nós temos de um lado alguns ministros mais garantistas, comprometidos com os valores constitucionais, e do outro lado, ministros que atuam alimentados pela mídia punitivista que também existe”.
Espera-se que o ministro Dias Toffoli leve ao plenário a questão para ser debatida entre os 11 ministros, o que não deve ocorrer antes das eleições.