Por Claudia Weinman, para Desacato. info.
“O sangue caboclo nas veias
Enfrentou a forte ganância
Eram os homens do governo
O exército da arrogância“.
– Pedro Alves Pinheiro.
Hoje é mais um dia de “inquietação”. Esse é o título, é o que me veio na cabeça quando reparei imagens de comemoração nas praças, escolas, comércio, etc, sobre o dia do gaúcho.
Temos uma responsabilidade com a informação e com a história. Como não falar que a “revolução” farroupilha envolveu uma disputa de ricos contra ricos onde o peão era peça, um elemento de uso para se estabelecer uma ordem e o poder para quem seria o vencedor.
Cabem tantos outros elementos nessa reflexão, mas quero recorrer ao estudo do que foi o genocídio do Contestado quando em Santa Catarina se menciona uma comemoração farroupilha e se omite que o Contestado de fato resultou em uma guerra do estado contra os pobres, de armas de fogo contra foice e facão.
É sobre o Contestado que desejo falar hoje. É com a preocupação de compreender que territórios inteiros foram invadidos, saqueados, manchados de sangue pelo “fantasma” do estado. Essa história deveria ser estudada em todos os espaços.
Recordei-me dessa imagem que vocês podem ver na capa dessa Outra Reflexão. Remete ao ano de 2015, Timbó Grande/SC.
Fotografei esta paisagem só depois que o senhor, que ali estava sentado na simplicidade, desocupou o local e desapareceu por alguns instantes. Antes disso, percebíamos que algo lhe incomodava naquele domingo em que o relógio já batia passadas doze horas, após a caminhada da Romaria da Terra e da Água.
Ele xingava aos cantos, como se tivessem invadido seu espaço. Falava alto, mas a linguagem não se podia compreender. Talvez falasse em Guarani. Mesmo sem entender os dizeres, a mensagem estava clara. Perturbaram-no, quando até então o som dos bichos, o cantar das cigarras e o sacolejar do vento eram sua companhia. E nós, ali, parados observando, com a prosa afinada, chamávamos a sua atenção.
Uma casa pequena, humilde. Fiquei pensando por alguns instantes como poderia ele viver ali, ‘desajudado’ no seu pensar e ‘bestemar’ de palavras que me chegavam tão estranhas e sem entender o que dizia, me sentia a pessoa mais incomodativa do mundo, em estar ocupando o espaço do seu silêncio.
Em minutos, ele levantou-se sem que percebêssemos. Foi quando tirei a câmera da sacola e não me contive em flagrar sua moradia. Alguns pedaços de lenha ocupavam quase que toda área de madeira. Não havia espaço para muitos enfeites ou coisas assim, que a gente tem costume de replicar. Um cenário de solidão para nós, mas para ele, o seu baú de vida, dos embriões da história que um dia, foi contestada a fogo e bala.
O seu incômodo com a nossa presença, falas incansáveis, nada mais eram do que um pedido de silêncio, para aquele que dia e noite se resguarda a ouvir os gritos infinitos dos que tombaram naquele chão. Como pode alguém viver assim, tão sozinho? Na verdade, a companhia da história, do cenário, dos grilos cantantes, do rio de imagem profunda, se torna vida, sensatez, companhia fiel em noites escuras e claras de Timbó.
Hoje quero falar sobre o Contestado.
Hoje quero apresentar essa canção do trovador Pedro Alves Pinheiro.
Hoje quero falar disso, pois amanhã… Amanhã nem sabemos como as palavras poderão ser colocadas. Vamos fazendo o nosso papel.
Música: Uma estrada de ferro – um grito de resistência.
Composição: Pedro Alves Pinheiro.
“Sopraram ventos do Norte
Fizeram do ferro um caminho
Expulsaram os caboclos da terra
Ficaram lembranças e espinhos
Rasgaram o mato ao meio
Mãe terra ficou quase nua
Roubaram suas riquezas
Minha mãe: Espelho da luta
A estrada cortou o chão
Ferro e Brasa marcaram a terra
Com gritos de resistência
Catarina vê a guerra
Os caboclos não se calaram
Com briga fizeram história
De bandeiras e armas na mão
Construíram a sua memória
Lutaram contra o burguês
Contra “gringos” vindos do Norte
A coragem viu-se nascer
E o rumo era própria sorte
Sem terra mas com esperança
Resistindo ao longo processo
Muitos morreram na luta
No que se dizia progresso
O sangue caboclo nas veias
Enfrentou a forte ganância
Eram os homens do governo
O exército da arrogância
A santa assistiu a batalha
Pelados, Peludos na guerra
Eram apenas caboclos Lutando
Por seu pedaço de terra
Agora acabo cantando
Um pedaço da santa história
De burgueses contra caboclos
Que lutaram sem obter glória
Foi assim que procedeu
A luta do Contestado
Da exploração de riquezas
Da morte cabocla neste chão amado”.
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Claudia Weinman é jornalista, diretora regional da Cooperativa Comunicacional Sul no Extremo Oeste de Santa Catarina. Militante do coletivo da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e Pastoral da Juventude Rural (PJR).