Por Júlia Rohden.
O candidato da extrema-direita Jair Bolsonaro (PSL) tem um histórico recente de insinuações de estupro e discursos agressivos contra mulheres. Não à toa, é o presidenciável que ostenta os maiores índices de rejeição em quase todas as pesquisas de intenção de voto.
Às vésperas da eleição de outubro, essa rejeição motivou a criação de um grupo no Facebook para reunir mulheres indignadas ou que se sentem ameaçadas pelo discurso de ódio manifestado pelo candidato do PSL. Intitulado “Mulheres unidas contra Bolsonaro”, o grupo reúne mais de dois milhões de usuárias.
Depois de sofrer uma série de ataques virtuais, no último final de semana, as mulheres passaram a divulgar mensagens com a hashtag #meubolsominionsecreto, que chegou a ser o termo mais citado nas redes sociais do Brasil. As mensagens denunciam homens que têm discursos moralistas e práticas machistas e fazem alusão ao apelido “Bolsominions”, dado a apoiadores do parlamentar.
Em seu plano de governo, o candidato não especifica nenhuma ação que pretende implementar em relação às mulheres, nem menciona temas relativos à questão de gênero. No entanto, em pronunciamentos públicos, Jair Bolsonaro se manifesta contra o aborto e é solidário aos empresários que pagam menores salários para mulheres do que para homens que exercem a mesma função.
Em entrevista recente ao Jornal Nacional, da TV Globo, a jornalista Renata Vasconcellos mencionou dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que apontam que as mulheres recebem salários em média 25% menores do que os homens. Em seguida, ela lembrou que Bolsonaro defende que o presidente não interfira esse quadro de desigualdade. O candidato do PSL mostrou-se irritado e atribuiu novamente a responsabilidade às mulheres. “Por que o Ministério Público do Trabalho não age? Eu não tenho ingerência sobre isso. É só as mulheres denunciarem”, respondeu.
A polêmica sobre a diferença salarial entre homens e mulheres começou em 2014, em uma entrevista concedida por Bolsonaro ao jornal gaúcho Zero Hora. “Eu sou liberal. Defendo a propriedade privada. Se você tem um comércio que emprega 30 pessoas, eu não posso obrigá-lo a empregar 15 mulheres. A mulher luta muito por direitos iguais, tudo bem. Mas eu tenho pena do empresário no Brasil, porque é uma desgraça você ser patrão no nosso país, com tantos direitos trabalhistas. Entre um homem e uma mulher jovem, o que o empresário pensa? ‘Poxa, essa mulher tá com aliança no dedo, daqui a pouco engravida, seis meses de licença-maternidade…’ Bonito pra c…, pra c…! Quem que vai pagar a conta? O empregador. No final, ele abate no INSS, mas quebrou o ritmo de trabalho. Quando ela voltar, vai ter mais um mês de férias, ou seja, ela trabalhou cinco meses em um ano”, afirmou Bolsonaro.
Para Nalu Faria, que integra a coordenação da Marcha Mundial de Mulheres (MMM), o argumento do presidenciável não se sustenta. “Primeiro que é direito das mulheres terem seu trabalho reconhecido com isonomia, ou seja, para igual trabalho o salário deve ser igual”, afirma. A psicóloga ressalta que a maternidade não é uma questão individual e também tem uma função social. “É obrigação do Estado e das empresas garantir o direito das mulheres quando elas são mães”, avalia.
Desprezo
A trajetória do candidato do PSL é marcada por discursos de ódio contra negros, indígenas, quilombolas, população LGBT e grupos de esquerda. No que diz respeito às mulheres, Bolsonaro é reconhecido por frases como “tenho cinco filhos. Quatro foram homens e na quinta dei uma fraquejada e veio uma mulher”, dita em 2017, e “não te estupro porque você não merece”, esta última direcionada para a deputada Maria do Rosário (PT), em 2014.
Em 2011, o militar da reserva participou do programa CQC, da TV Bandeirantes, e respondeu a uma pergunta da cantora Preta Gil, questionando o que faria se seu filho se apaixonasse por uma negra. “Preta, não vou discutir promiscuidade com quer que seja”, disse. “Eu não corro esse risco, e meus filhos foram muito bem educados e não viveram em um ambiente como, lamentavelmente, é o teu”.
De acordo com o jornal O Estado De S. Paulo, no dia internacional da mulher deste ano, Bolsonaro participou de ato em Minas Gerais e foi questionado se trabalharia para aumentar a participação feminina na política caso fosse eleito. “Respeito as mulheres, mas alguém aqui quer a volta da Dilma por acaso?”, respondeu. “Não é questão de gênero. Tem que botar quem dê conta do recado. Se botar as mulheres vou ter que indicar quantos afrodescendentes?”, afirmou Jair Bolsonaro.
Para Nalu Faria, o discurso de ódio de Bolsonaro e suas atitudes “realmente fascistas de pregar a violência” são incompatíveis com a democracia. “Além de tudo, é reforçado pelo tipo de visão dele como [a defesa] das mulheres receberem menos e o desprezo que têm da participação da política das mulheres”, avalia.
Ataque ao grupo
O grupo do Facebook “Mulheres unidas contra Bolsonaro” foi atacado no último final de semana. O nome chegou a ser alterado para “Mulheres com Bolsonaro” e as administradoras do grupo tiveram seus perfis invadidos.
No sábado, a página oficial de Jair Bolsonaro no Twitter publicou uma imagem do grupo, após ser invadido e ter o nome alterado, com a descrição “Obrigado pela consideração, Mulheres de todo o Brasil!”.
Para Patrícia Cornils, do coletivo Actantes, que defende a privacidade e segurança online, o ataque mostra que os apoiadores do Bolsonaro tentam silenciar o debate público. “Não é fácil fazer isso, as administradoras foram hackeadas por alguém que entende disso. E foi dentro do Facebook, isso é importante ressaltar, porque o que entendo dessa história é que a plataforma não oferece segurança para seus usuários”, afirma.
O grupo já foi recuperado pelas administradoras originais na tarde de ontem e foi transformado em grupo secreto por questão de segurança. “Todo mundo, principalmente as mulheres, precisam tomar cuidados com sua segurança online”, afirma Cornils. Ela recomenda não usar a mesma senha em diferentes redes sociais. “Também é necessário habilitar uma autenticação em duas etapas, e assim, toda vez que entra na rede social recebe um aviso no celular para confirmar se é você que está entrando. É bacana estar atenta a segurança, porque os ladrões que capturaram o grupo de Mulheres contra Bolsonaro invadiram a conta da administradora, o celular dela, enfim, não tem limites e são muito agressivos”, afirma.
Mobilizações em 29 de setembro
As mulheres que iniciaram manifestações nas redes sociais articulam-se para tomar as ruas de várias cidades do país no próximo dia 29. “A mobilização é muito importante não só nas redes, mas também nas ruas. Vamos fazer uma grande mobilização no dia 29 buscando uma conscientização e afirmação geral de que nós não aceitamos alguém como essa pessoa para governar o Brasil, porque nós não aceitamos ser governadas por quem não nos respeita”, afirma Nalu Faria.
Em São Paulo, o ato será no Largo da Batata a partir das 14h. Em Recife, será na Praça do Derby a partir das 14h. No Rio de Janeiro, a mobilização será na Cinelândia a partir das 16h.