Por Luciane Recieri, para Desacato.info.
Não queria falar de lagartas hoje.
Tinha um assunto sério, seríssimo a tratar. Andei cabisbaixa o dia todo, tentando me concentrar ao máximo na coisa grande e séria a falar. Não me ouçam, não olhem muito pra mim. Vão perceber o quanto me esforço em ter 50 anos e não querer falar das doenças e dos descalabros, de toda sorte de injúria e desfaçatez.
Não! Não me julguem fútil ou avoada. Tenho esse defeito de nascença – entendo todos os problemas do mundo – juro! Dos mais sérios aos seríssimos, não a ponto de ser sexy e falar por duas horas sobre o Oriente Médio, mas não gosto de dizer que sei das coisas sérias desse mundo. Na verdade, é um saber que vive dentro de mim, feito as cápsulas de gripe. Quem sabe um dia eclodirão e dispararei a falar de câncer, gota, pneumonia? De falta, de mentira, de miséria?
Hoje não queria falar dessa coisica rosada que trouxe da feira sem perceber. Ela, com sua sabedoria de lagarta, que é coisa curta e defeituosa, queria tentar a sorte e pensou que se entrasse no meio de uma hortaliça, ia virar mariposa num lugar melhor, sem se afogar no vinagre, sem virar guisado ou morrer, indigente, no deserto de mármore que é uma pia de cozinha.
Fiquei pensando, ao olhar pra ela que parecia morta de tudo na gaveta da geladeira, naqueles que tentaram as asas de cera, sem saber como o sol é inclemente, naqueles que tentaram os trens de pouso, sem precisar quão frio é a tantos pés do chão, nos que quiseram voar nos balões de gás hélio, sem lembrar que balão é coisa efêmera.
Quando ia sepultá-la no jardim, a corzinha foi voltando e logo ela, viva de tudo, acordou e soube que seu plano tinha dado certo. Entrar de clandestina na hortaliça, rendeu-lhe uma ilhota ensolarada! Olhou para todos os limites da ilha, fez uma redinha de seda e voltou a dormir.
Não sei quanto tempo dura a reflexão de uma lagarta, tampouco sei quanto se vive tendo asas.
Não queria hoje falar de coisas sérias.
Bonita!