“Conto milhões de furos na alma” de “Canto arena”, Silvio Rodríguez
Num exemplo acabadíssimo de síntese histórica, tal como pedem as academias de jornalismo, a filmagem dura só 39 segundos. O sol parte a terra e sobre ela florescem cadáveres humanos como cardos no deserto. Vamos imaginar que um desses corpos rígidos se chamou em vida Tariq. Tariq teve muitos irmãos que, igual do que ele, cresceram nos subúrbios de Kabul, chutando uma bola de borracha, desviando das poças de água poluída, comendo mal e sorrindo bem. Cresceu ajudando a cuidar dos mais novos e suportando invasões, penúrias e governos. Próprios (é um jeito de falar) e alheios. Agora está caprichosamente morto em círculo junto com os outros Tariq ou Omar ou Abdul. Já sem nomes para a máquina global de fagocitar informações. Mas, eis aqui o explícito jeito de se apresentar que os impérios têm, os restos ao sol destes jovens afegãos recebem a benção civilizatória da chuva ocidental e cristã, amoniacal, fedorenta e letal. Os mijam. Os meninos ianquis mijam os cadáveres e como música de fundo cacarejam seus risos de bazooka, seus infaltáveis cigarros camélidos e seus paus que jorram cultura fast food.
Como também ensinam os senhores da SIP, a imagen passou. Teve seus minutos de fama. E passou. Agora nos preocupa o senhor Cameron e os candidatos do Tea Party. E está bem que nos preocupem. Eles também preparam seus mijos pacíficos, democráticos e civilizatórios. São assim de generosos. O escândalo durou quinze minutos. Se até mister León Panetta, capomafia da CIA, qualificou de “deplorável” a conduta de seus meninos. Eis aqui o núcleo do assunto. Como se ele e o Prêmio Nobel da Paz não tivessem nada a ver. Em casos como este costuma-se argumentar, cinicamente, que são fatos isolados, mas são tantos que um isolado ao lado de outro fazem uma matriz cultural.
Acaso não é o que têm feito durante séculos? Não têm escolas para isso? A Escola das Américas inundou o continente de mijadores locais, infelizes autóctones que recebem instruções precisas e não preciosas, precisamente, para submeter insurrectos, dissidentes e neutrais. Se acaba de saber o que intimamente suspeitávamos. O governo do país considerado o non plus ultra da democracia e a liberdade sabia, sempre soube, que os milicos e seus cúmplices civis e eclesiásticos se apropriavam de crianças nos anos do genocídio argentino.
O acontecido em Kabul faz alguns dias já tinha acontecido em Abu Ghraib, nos primeiros meses de 2003, em My Lai, Vietnam, em 16 de março de 1968, nos acampamentos de Sabra e Chatila em 14 de setembro de 1982, em Margarita Belén, Chaco, na noite de 12 pra 13 de dezembro de 1976, na Base Almirante Zar, Trelew, na madrugada de 22 de agosto de 1972, entre milhares, sim milhares, de casos mais ao longo da História de nossos povos, e continua até hoje, cada vez que algum civilizado cristão assassina um wichi, um qom, um camponês pobre ou um mapuche em qualquer comarca de nossa América. Fatos isolados dizem os fuziladores de turno.
Enquanto isso, voltando pros bravos fuzileiros, não soube de nenhuma reação de Maledicto XVI, segundo a magistral nomenclatura de Elsa Drucaroff. ” O qué dirá o Santo Padre que vive em Roma/que lhe estão degolando sua pomba?”, canta Violeta Parra.
Nos mijam, embora eles dizem que são chuvas isoladas.
Versão em português: Tali Feld Gleiser.
Llueve en Afganistán
Por Julio Rudma.
“Cuento millones de agujeros en el alma”
de “Canto arena”, Silvio Rodríguez
En un ejemplo acabadísimo de síntesis histórica, tal como lo piden las academias de periodismo, la filmación dura sólo 39 segundos. El sol parte la tierra y sobre ella florecen cadáveres humanos como cardos en el desierto. Vamos a imaginar que uno de esos cuerpos yertos se llamó en vida Tariq. Tariq tuvo muchos hermanos que, al igual que él, crecieron en los suburbios de Kabul, pateando una pelota de goma, esquivando los charcos de aguas servidas, comiendo mal y sonriendo bien. Creció ayudando a cuidar a los menores y soportando invasiones, penurias y gobiernos. Propios (es una manera de decir) y ajenos. Ahora está prolijamente muerto en ronda junto a otros Tariq u Omar o Abdul. Ya sin nombres para la máquina global de fagocitar informaciones. Pero, he aquí la explícita manera de presentarse que tienen los imperios, los restos al sol de estos jóvenes afganos reciben la bendición civilizatoria de la lluvia occidental y cristiana, amoniacal, fétida y letal. Los mean. Los muchachos yanquis mean los cadáveres y como música de fondo cacarean sus risas de bazooka, sus infaltables cigarrillos camélidos y sus pijas chorreantes de cultura fast food.
Como también enseñan los señores de la SIP, la imagen pasó. Tuvo sus minutos de fama. Y pasó. Ahora nos preocupa el señor Cameron y los candidatos del Tea Party. Y está bien que nos preocupen. Ellos también preparan sus micciones pacíficas, democráticas y civilizatorias. Son así de generosos. El escándalo duró quince minutos. Si hasta mister León Panetta, capomafia de la CIA, calificó como “deplorable” la conducta de sus chicos. He ahí el núcleo del asunto. Como si él y el Premio Nobel de la Paz no tuvieran nada que ver. En casos como este se suele argumentar, cínicamente, que son hechos aislados, pero son tantos que un aislado al lado de otro hacen una matriz cultural.
¿Acaso no es lo que han hecho por siglos? ¿No tienen escuelas para eso? La Escuela de las Américas ha inundado el continente de meadores locales, infelices autóctonos que reciben instrucciones precisas y no preciosas, precisamente, para someter insurrectos, disidentes y neutrales. Si acaba de saberse lo que íntimamente sospechábamos. El gobierno del país considerado el non plus ultra de la democracia y la libertad sabía, lo supo siempre, que los milicos y sus cómplices civiles y eclesiásticos se apropiaban de niños en los años del genocidio argentino.
Lo sucedido en Kabul hace unos días ya había pasado en Abu Ghraib, en los primeros meses de 2003, en My Lai, Vietnam, el 16 de marzo de 1968, en los campamentos de Sabra y Chatila el 14 de setiembre de 1982, en Margarita Belén, Chaco, en la noche del 12 al 13 de diciembre de 1976, en la Base Almirante Zar, Trelew, en la madrugada del 22 de agosto de 1972, entre miles, sí miles, de casos más a lo ancho y largo de la Historia de nuestros pueblos, y continúa hasta hoy, cada vez que algún civilizado cristiano asesina un wichí, un qom, un campesino pobre o un mapuche en cualquier comarca de nuestra América. Hechos aislados dicen los fusiladores de turno.
Mientras tanto, volviendo a los bravos marines, no supe de ninguna reacción de Maledicto XVI, según la magistral nomenclatura de Elsa Drucaroff. “¿Qué dirá el Santo Padre que vive en Roma/que le están degollando a su paloma?”, canta Violeta Parra.
Nos mean, aunque ellos dicen que son lluvias aisladas.
Este sítio utiliza cookies para melhorar a sua experiência de navegação. Os cookies catalogados como necessários são armazenados em seu navegador porque são essenciais ao trabalho de funcionamento das funcionalidades básicas do sítio.
Também utilizamos cookies indiretos que nos ajudam a analisar e entender como você utiliza esse sítio. Esses cookies só serão armazenados no seu navegador com sua autorização. Você também tem a opção de excluir esses cookies. Mas optar pela exclusão de alguns desses cookies pode ter um efeto na sua experiência de navegação.
Os cookies necessários são absolutamente essenciais para que o sítio funcione adequadamente. Essa categoria só inclui cookies que garantem a funcionalidade básica e características de segurança da nossa página. Esses cookies não armazenam nenhuma informação pessoal.
Qualquer cookie não especialmente necessário para que o sítio funcione e é utilizado para coletar dados pessoais do usuário vía analíticas, anúncios, outros conteúdos incorporados é catalogado como cokie não necessário. A autorização prévia do usuário/a é obrigatória.