Prisão em segunda instância foi para intimidar delatores, diz juiz

Marcelo Semer é juiz de direito e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia (AJD). Em entrevista ao Brasil de Fato, ele fala sobre as controvérsias envolvendo a prisão após condenação em segunda instância e os recentes posicionamentos do Judiciário brasileiro sobre o tema

Foto: Justificando.

Para o juiz, a decisão do Supremo Tribunal Federal que autorizou a prisão automática na segundo instância, antes do trânsito em Julgado da sentença, viola o princípio da presunção da inocência.

“A Constituição é muito clara em afirmar a presunção de inocência até o trânsito em julgado da decisão condenatória’, enfatizou o magistrado, lembrando que essa garantia impedia a prisão antes do trânsito em julgado, exceto quando exista algum fundamento cautelar, como a perturbação da prova ou indício de fuga, por exemplo.

Ele citou ainda que o artigo 283 do Código de Processo Penal, que dispõe sobre a necessidade de um fundamento cautelar para prender antes do trânsito.

“Ocorre que, em 2016, sob pressão da chamada Operação Lava Jato, o Supremo mudou radicalmente seu entendimento. A ideia é de que o novo entendimento do STF facilitasse as prisões antes do trânsito, o que poderia servir para uma intimidação maior sobre os delatores. O STF muda seu posicionamento, então, e nem sequer se dá ao trabalho de discutir as leis que haviam alterado o Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal, que seguiram baseados no entendimento anterior”, salienta o juiz.

Marcelo Semer faz questão de reafirmar na entrevista que, se presentes os motivos, não é contra a prisão em segunda instância. “Temos [no Brasil] quase 300 mil pessoas presas antes do trânsito em julgado. O que a Constituição não admite, e não pode admitir, é a prisão automática. Executar a pena antes que ela se torne definitiva. O que fazer com a pena depois, caso haja absolvição ou redução [da pena]? Não tem como devolver o tempo de vida subtraído do réu. Então, a regra deve ser a liberdade, e a prisão provisória deve funcionar como exceção, ou seja, sempre que houver um motivo que a justifique”, argumentou.

Questionado sobre quais as consequências dessa imprecisão jurídica para o cidadão comum brasileiro, o juiz destacou que o resultado é o aumento do volume das prisões provisórias ou execuções antes do trânsito em julgado. “Hoje beiramos os 40%. Vamos ver em quanto ficaremos um ano depois”.

Em outro trecho da entrevista, o juiz falou sobre a contradição na decisão da presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que se posicionou dizendo que não poderiam ser aplicadas ‘penas restritivas de direitos’ após condenação em segunda instância, mas penas restritivas de liberdade podem.

“Há inúmeras contradições da decisão do STF como nosso ordenamento. A questão das penas restritivas de direito é só uma delas. Mas poderíamos falar em outras: a necessidade de se aguardar o trânsito em julgado para executar precatório por dívidas do Estado, por exemplo. Porque o patrimônio, mesmo que público, deva ser tutelado de forma mais eficaz do que a liberdade?”, indagou Marcelo Semer.

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