Por Fernanda Canofre.
Com 44,5 mil habitantes, a cidade de São Lourenço do Sul, na região sudeste do Rio Grande do Sul, se tornou a primeira do Estado a aprovar uma lei municipal sobre o Escola Sem Partido. A votação do projeto de lei aconteceu na segunda-feira (16), com um público dividido entre pessoas de costas para o plenário e um grupo com cartazes “não à doutrinação nas escolas” e “sim ao Escola Sem Partido”.
Segundo o vereador Adrean Peglow (PSDB), um dos proponentes do projeto, a ideia foi encaminhada pelos representantes do Movimento Brasil Livre (MBL) da cidade. Cinco vereadores – três do PSDB, um do PP e um do PDT – assinaram então a proposta na Câmara. Depois de receber parecer desfavorável na Comissão de Constituição, Justiça, Ética, Redação e Bem Estar Social (CCJERBS), esta semana, ela foi aprovada em Plenário por 6 votos a 4.
Peglow explica que, na prática, a proposta não traria nenhuma sanção aos professores municipais, nem prevê penalidades. A única previsão da lei seria a fixação de um cartaz com orientações aos professores a ser colocado em salas utilizadas exclusivamente por eles.
“[O PL] só frisa artigos da Constituição Federal. A única coisa que ele pede é que seja fixado o cartaz na sala dos professores orientando a não usar metodologia de educação com base em uma ideologia só, mas que seja sempre plural”, afirma o parlamentar.
O vereador relata casos de professores que teriam falado sobre o processo de derrubada da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), se referindo a ele como golpe, como motivação para o projeto. “Tem professores que ficam tentando falar em disciplinas de golpe, quando o que aconteceu é um impeachment. Queremos que os professores se mantenham mais isentos possível”, diz ele.
Apesar de não ter participado da votação, a presidente da Câmara, vereadora Carmem Rosane Roveré (PSB), se manifestou contrária à proposta dos colegas. O projeto, de acordo com nota publicada pelo site da Câmara, “ofende os princípios de liberdade de ensino, pluralismo de ideias e concepções pedagógicas da gestão democrática de ensino”.
O assunto de São Lourenço também foi abordado pela presidente do Cpers – sindicato dos professores da rede estadual do Rio Grande do Sul – Helenir Aguiar Schuerer, em um artigo publicado no Sul21.
“A pretensão de ensinar aos professores o que pode ser dito em sala de aula abre precedentes perigosos. O MBL, que faz campanha em defesa dos benefícios do agrotóxico à saúde dos brasileiros(as), vai denunciar educadores(as) de São Lourenço do Sul quando estes abordarem os fatos científicos sobre os males do veneno servido à mesa? Se o movimento endossar a opinião do Instituto Mises, seu parceiro ideológico, sobre a ‘fraude’ do aquecimento global, nossos estudantes serão forçados a aprender mentiras? Não são poucas as contradições do projeto”, escreve Helenir.
Nesta sexta-feira, um grupo de professores e entidades da região irá tentar uma reunião com o prefeito da cidade, Rudinei Harter (PDT), para apresentar moções de repúdio ao projeto e um parecer jurídico que aponta a inconstitucionalidade do mesmo. Para vigorar, a proposta ainda depende da sanção do prefeito.
Para Carla Cassais, conselheira do núcleo do Cpers de Pelotas, que atende a região, ainda que o projeto não se proponha a apresentar penalidades aos professores, ele abre precedentes para isso.
“A gente sabe que, na verdade, ele pode afetar a conversa de aula dos professores com alunos nas questões mais simples. Se um pai sente que uma conversa sobre homofobia, racismo, enfim, qualquer tipo de preconceito não deve ser começada, isso pode se tornar uma perseguição ao professor. Já temos o caso de uma professora de Rio Grande que está sendo processada por uma mãe”, relata ela.
De acordo com um mapa interativo criado pelo Movimento de Professores Contra o Escola Sem Partido, no RS, há registro de oito propostas municipais e uma estadual do tipo em tramitação. Entre as cidades estão: Uruguaiana, Cruz Alta, Bagé, Rio Grande, Pelotas (retirado), Viamão (rejeitado), Porto Alegre e São Leopoldo. O mapa, porém, não aponta o caso de São Lourenço, que começou a tramitar há três meses.
Nesta quinta-feira (19), a Associação dos Professores da Universidade de Rio Grande (Aprofurg) lançou uma moção de repúdio ao projeto que chamam de “Escola com Mordaça”.
“Destacamos que o referido projeto é inconstitucional e fere outras legislações vigentes. Por exemplo, o projeto apresenta vício de competência, logo que é competência da União dispor sobre diretrizes gerais da educação e sobre direito civil”, diz o texto.
O Escola Sem Partido
Segundo seu site oficial, o Escola Sem Partido é uma proposta “contra o abuso da liberdade de ensinar”. O movimento, criado em 2004, é coordenado pelo advogado Miguel Nagib. Em um texto de 2013, publicado no site Consultor Jurídico, Nagib reforça a ideia de que “o professor que usa suas aulas ‘para fazer a cabeça’ dos alunos (…) está desrespeitando, ao mesmo tempo, a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente”.
No Brasil, segundo outro texto assinado por Nagib, o movimento se divide em duas vertentes: “uma que trabalha à luz do projeto”, outra “uma associação informal de pais, alunos e conselheiros preocupados com o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras, em todos os níveis: do ensino básico ao superior”.
O site oficial do movimento político disponibiliza ainda modelos para leis municipais, estaduais, federais, além de decretos municipais e estaduais, com a finalidade de colocar a ideia como em vigor em diferentes instâncias.