Por Luciane Recieri, para Desacato.info.
Hoje, passando em frente ao prédio em que morei, encontrei um vizinho, o único que vi durante minha acidentada vida apartada do mundo terreno e fértil. Nunca soube seu nome. Não havia disposição em lhe perguntar, apenas sorria e dizia “bom dia!”.
Incomoda-me ver idoso morando em prédio, é como passarinho em gaiola. Velhos têm que viver em casas térreas, geminadas e de porta e janela. Digo isso, porque pelo menos uma coisa deve ser generosa na casa de um velho: o quintal, entenda – “espaço em que o sol atinge e fica por quase todo o dia”. Velhos merecem luz e canto de passarinho.
Bom… Ele acenou do outro lado da rua e dublava qualquer coisa. Nem eu nem ele entendíamos. Fui sincera, muitas vezes não entendo nada, mas concordo e fecho com um até mais, mas não, parecia feliz em me ver. Gesticulava e sorria, de modo que me fez atravessar a rua. Perguntei por não ter o quê perguntar – o senhor lembra de mim? – ele me disse que estava preocupado, não mais me vira e perguntou à esposa se havia visto “a moça do pato”, (Amélie, nossa pata, passava férias comigo, tudo isso decidido em carta entregue em mão ao senhor juiz).
Não, nunca mais vira a moça do pato. Esperava até a uma da manhã pra ver se chegava, como de costume, embrulhada num meio cobertorzinho Parahyba de xadrezes vermelhos. Não. E também não saía mais às 7, tampouco voltava no oco da noite. Nos apresentamos então, já que me tinha em alta conta – ele José; eu, Luciane, como vocês já sabem. Apostavam que eu era aeromoça, o que me fez rir muito. Não, José. E ele: – Mas sempre saía de mala e cuia? – Sou contrabandista, Zé. Ele deu um pulo e riu largado. Despedimo-nos. E andei satisfeita com a lembrança por alguns anos. Preciso me dar mais atenção. As pessoas me enxergam.