Uma pesquisa realizada no Center for Beahvioral Health, da Cleveland Clinic, em Ohio, nos EUA, defende que o sentimento de disforia de gênero de algumas pessoas trans pode ser visto no cérebro. Ela diz ainda que o “tratamento” parte do respeito à identidade de gênero da pessoa trans.
Disforia de gênero é o termo médico que se refere ao desconforto físico e psíquico de uma pessoa com o próprio corpo, como se ele ou parte dele não estaria compatível com a identidade de gênero (o gênero com o qual a pessoa se reconhece, independente do genital), baseado muitas vezes de imposições sociais externas e em padrões binários e cisnormativos.
“Quando o corpo não concorda com a identidade de gênero, claro que ele acaba incomodando. Mas este não é o único problema. Algumas vezes, mesmo após tratamentos específicos ou cirurgias, as pessoas ainda se sentem disfóricas, por isso acreditamos que a disforia de gênero está no cérebro”, afirmou o pesquisador e médico Murat Altinay.
Desta pesquisa, ele afirma que a disforia de gênero é evidenciada no cérebro a partir das atividades que ocorrem na rede de representação corporal, ou seja, no córtex somatosensório primário, lobo parietal superior e ínsula. Ele sugere ainda que algumas áreas do cérebro “acendem” quando há sentimentos de disforia. E que poderia ser um possível biomarcador neurológico para muitas pessoas trans.
Vale destacar que nem toda pessoa trans possui disforia e que a identificação com o gênero e a vivência dentro dele pode ser muito mais tranquilo caso o ambiente seja acolhedor.
RESPEITO A IDENTIDADE DE GÊNERO
De acordo com Dr. Altinay, a pesquisa pode ajudar muitos especialistas a diagnosticar o que seria a disforia de gênero e contribuir com o tratamento para o fim dela. Para isso, pacientes com disforia de gênero devem ser ajudados “a viver seu real gênero, o gênero com o qual se identificam”, defende.
A questão é complexa. Isso porque ela estaria diretamente relacionada com erro de predição (quando a pessoa trans quer que a sociedade a veja em sua verdadeira identidade de gênero, mas a sociedade não vê) e dissonância cognitiva (atitudes e crenças conflitantes que levam ao sentimento de desconforto).
Ele diz que o respeito às pessoas trans e a identidade de gênero dela é importantíssimo, pois caso contrário pode desencadear problemas. “Se a disforia de gênero não for tratada, ela eventualmente levará a um transtorno depressivo”.
Neste sentido, vale refletir: se a disforia de gênero está relacionada com o erro da sociedade em reconhecer o real gênero da pessoa trans e que a própria pesquisa reconhece o respeito à identidade de gênero dela, então quem precisa de tratamento? A pessoa trans, que sabe sua identidade de gênero, ou a sociedade que teima em não aceitá-la? Por qual motivo somente o desvio da norma é o único nomeado via diagnóstico? Qual é o tratamento proposto?
Vale ressaltar que pesquisas sobre pessoas trans devem ser avaliadas e divulgadas com cautela, pois podem desencadear interpretações negativas e desencadear implicações transfóbicas. Como associar equivocadamente o fato de alguém ser trans com ter disforia e transtorno depressivo. Sendo que grande parte do desconforto ocorre do contato com a sociedade que não reconhece a identidade de gênero dela, não da própria autopercepção de sua identidade de gênero. O médico reconhece que é preciso mais pesquisas.
CÉREBROS DE PESSOAS TRANS
Assim como outras pesquisas, o estudo também informou que há especificidades em cérebros de pessoas trans, se comparados aos de homens e mulheres cis. Ela informa que o cérebro de pessoas trans seriam um pouco menor que o de homens cis e um pouco maior que das mulheres cis, em relação ao volume total, massa cinzenta e espessura cortical. Estaria no meio desses dois ou como uma terceira possibilidade.
As diferenças aparecem nos hemisférios direito e esquerdo do cérebro, no complexo parieto-temporal, na ínsula e no córtex occipital medial, sendo que o das mulheres trans é menor que o dos homens cis. Os resultados também mostraram que certas áreas cerebrais, bem como hipotálamo, tálamo, córtex óbito-frontal e ínsula estão mais ativos em mulheres trans que em homens cisgêneros.
De acordo com Altinay, a medicina clássica sempre viu o gênero por meio dos cromossomos, genes e órgãos genitais, mas houve uma mudança na ótica e dos estudos. Ele afirma que estão introduzindo o conceito de “gênero cerebral”, uma vez que o discurso é que o “gênero está no cérebro”.
A Dra. Manpreet K. Singh, professora-assistente do Departamento de Psiquiatria e Ciências do Comportamento, e Diretora do programa de Transtornos do Humor em Pediatria na Stanford University, na Califórnia, declarou ao site médico Medscape que pesquisas anteriores já mostraram que o cérebro em geral não está determinado às características de sexo masculino ou sexo feminino ou genitais. Mas que há comprovadamente graus e variantes de características atribuídas ao sexo masculino e ao sexo feminino em diferentes regiões.