Por Elissandro Santana, para Desacato.info.
Nunca pensei que fosse possível ouvir o silêncio, a não ser aquele que se percebe quando se está distante dos centros urbanos, em algum local em meio à natureza, nas zonas rurais, mas, mesmo nesse caso, ele é sempre quebrado pelo canto dos pássaros, pelo vento ou por algum barulho produzido por qualquer animal na calmaria das matas.
Tergiversações à parte sobre a figura de linguagem “ouvir o silêncio”, trago para o debate mesmo é o calar proposital das vozes e do ruído das panelas dos verde-amarelos – “cidadãos de bem”, defensores da redução da maioridade, apoiadores da liberação do porte de armas, fanáticos da intervenção militar, sacos de manobra da mídia empresarial golpista, fundamentalistas religiosos, ferrenhos combatentes do aborto, adeptos da moral e dos “bons costumes”, idólatras hipócritas da ordem e do progresso nesses quase dois anos do governo temeroso (escancaradamente corrupto) que só sabem vociferar se for contra Lula, Dilma, todo o PT ou contra partidos com um viés, de fato, socialista que possuem projetos de remodelação da pirâmide social com objetivos de justiça social.
Essa hipocrisia que se veste de verde e amarelo se revela de forma muito simples quando, por exemplo, nenhum grito ou manifestação se ouve ou se vê em sinal de rechaça ao STF por ter livrado Aécio Neves, mesmo com todas as materialidades para uma condenação, por haver arquivado inquérito contra Jucá, feito o mesmo por Beto Richa e Serra. A cena muda completamente diante do fato de o Supremo Tribunal Federal aceitar analisar um Habeas Corpus de Lula. No caso em questão, os raivosos alienados entram em ação.
O fato é que o silêncio desses patriotas que se pintam de verde e amarelo e vão às ruas para a espetacularização de um suposto exercício de cidadania em torno de uma hipotética luta contra a corrupção só se rompe quando o embate é contra o PT, como se este partido fosse o inventor da corrupção. Esses idiotizados e, ao mesmo tempo, idiotizadores, mesmo quando a corrupção foi comprovada com fotos de malas de dinheiro, encontros às escondidas entre bandidos políticos e outras materialidades que foram noticiadas até mesmo pela mídia tradicional tendenciosa irresponsável se calaram e esconderam as panelas.
Diante do quadro instaurado, às vezes, a parafernália é tão volumosa e aterradora que se torna difícil compreender o modus operandi e a arquitetura mental dos verde-amarelos com seus discursos de amor à pátria (último reduto dos canalhas, seguindo um raciocínio ao modo Umberto Eco) e aversão a Lula, mas, no fundo, no fundo, a partir de uma observação atenta e competência histórica para analisar a situação, fica fácil entender o que se esconde por trás de todo o silêncio, oportunista por natureza, em alguns momentos após a saída de Dilma, e retorno dos clamores exacerbados nesta data em que o STF julga o Habeas Corpus impetrado pelo ex-presidente Lula.
O retorno dos gritos nas manifestações que começaram a ganhar corpo de ontem para hoje só confirma que a luta dos verde-amarelos (apologistas da dependência e coniventes com a corrupção quando esta se dá no seio dos partidos neoliberais por essência) nunca foi contra a corrupção, pois se assim o fosse, com certeza, após notícias como: 1. Depois de tramitar por 14 anos no Supremo Tribunal Federal (STF), o inquérito aberto contra o presidente do MDB, Romero Jucá, líder do governo de Michel Temer no Senado, investigado por peculato, cuja pena pode variar de dois a 12 anos de prisão, foi arquivado por prescrição (A denúncia do caso remonta a 2002, quando começou a ser apurado pela Justiça Federal de Roraima. Como Romero Jucá tinha foro privilegiado, o caso foi transferido para o STF dois anos depois. As investigações apuravam o envolvimento do senador em um suposto esquema de desvios de recursos oriundos de emendas parlamentares para o município de Cantá, em Roraima, em troca de vantagens indevidas, entre 1999 e 2001)[1], 2. Os ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negaram no dia 26 de setembro de 2017, por 5 votos a 0, pedido da Procuradoria Geral da República (PGR) para prender o senador Aécio Neves (PSDB-MG). Mas, por 3 votos a 2, determinaram o afastamento do parlamentar do mandato[2], 3. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu que o Supremo Tribunal Federal arquive inquérito aberto contra o senador José Serra (PSDB-SP) por caixa dois. Em manifestação enviada à corte no dia 24/1, Dodge disse que a pena aplicável ao caso já prescreveu, e, por isso, o caso não pode mais tramitar[3], 4. Temer é absolvido em julgamento tenso no TSE e mantém mandato presidencial[4], dentre outras informações na mesma linha contra os canalhas de partidos que historicamente só levaram o Brasil à dependência e ao atraso, milhões de verdinhos e de amarelinhos teriam dado o espetáculo nas ruas, mas não, o que se viu ao longo dos quase dois anos do governo temeroso, de escândalos e mais escândalos de corrupção, mesmo diante da divulgação de fatos como os que foram mencionados, foi o silêncio das panelas que durante o governo da Presidenta Dilma, eleita democraticamente e destituída por um golpe, soavam com frequência nas sacadas dos edifícios mais luxuosos do país e até em lares de cidadãos pobres que, infelizmente, foram acometidos pela idiotização fomentada pela grande mídia a serviço dos poderosos.
O terrível de tudo isso, já que não encontro outra categoria adjetival para qualificar o silêncio desses “cidadãos de bem”, é que ainda que esses senhores dos gritos patológicos não se deem conta, eles se beneficiaram nas gestões de Lula e Dilma (seus odiados favoritos) bem mais do que em épocas anteriores, já que o país nunca cresceu tanto economicamente como nessas duas fases, com a entrada do Brasil no posto de uma das maiores potências do Planeta, saída de milhões de brasileiros da pobreza, aumento do poder de compra, lucro dos bancos e ganhos da elite em todos os campos e setores da economia. Nisto se instaura um paradoxo que impede uma análise profunda acerca dos motivos ensejadores do ódio desmedido e doentio contra Lula, Dilma e PT. Tal antítese, com certeza, será objeto de muito estudo em grandes e sérias universidades brasileiras e internacionais, pois, qualquer análise neste momento, diante das histerias que se avolumam, alcançaria um cunho simplista e, portanto, não abarcaria a realidade fatual na qual estamos todos imersos.
À guisa de considerações finais, externo que não sou inocente para não reconhecer os erros de Lula e do PT, principalmente, no tangente às coalizões que estes fizeram com segmentos políticos conservadores em prol de uma governabilidade, mas também é preciso ser honesto intelectualmente para saber reconhecer os acertos e as remodelações, ainda que ínfimas, que foram efetuadas na pirâmide social brasileira nos anos Lula e Dilma. Para a tal governabilidade, houve muito mais uma aproximação de Lula com os setores sociais que mais o odeiam hoje e que, por incrível que pareça mais se beneficiaram do crescimento econômico do que com as camadas mais desfavorecidas economicamente no país, mas toda essa lógica de parceria equivocada com o empresariado controlador da economia e com o joio da política é fruto de nosso sistema político insustentável, resquício latente de uma colonialidade aparentemente inquebrável, invencível, presente em quase todas as mentalidades nacionais. A prova de que o sistema é podre e quase indestrutível (se não for infalível) pode ser corroborada na tentativa parcial de não coalizão que Dilma tentou construir, ao se distanciar, em parte, das parcerias com políticos da direita conservadora e que deu no que deu, tanto que ficou isolada, sendo posteriormente engolida pelo congresso conservador, Senado e Câmara dos Deputados, sofrendo o golpe aos olhos de todos, inclusive do judiciário.
Com relação ao ódio patológico das elites e da maior parte da classe média, a mesma que Lula tirou da pobreza, se ele existe nestes segmentos comprovadamente egoístas quando se trata do quesito distribuição de renda e justiça social, é porque o ex-presidente trabalhou também para os mais pobres, ainda que minimamente, abrindo portas para que estes marginalizados político-historicamente tivessem acesso a direitos constitucionais que não saíam do papel como a abertura mais ampla da educação superior com a política de cotas e aumento do número de vagas com a criação de novas universidades e novos campi nas universidades já existentes, abertura de numerosos postos de trabalho e acesso aos bens de consumo produzidos na nação, além de outras mudanças sociais. Tudo isso foi muito pouco para os pobres, mas representou uma ameaça às elites e à maior parte da classe média, categoria social eternamente atormentada entre o medo de retorno à pobreza e a ânsia sem fim por chegar a ser elite. Agora, imaginem se Lula e Dilma tivessem feito ainda mais pelos pobres. Dá para imaginar o que teria acontecido? Deixo que vocês, caríssimos/as leitores/as, respondam a esta pergunta!
[1] Informação retirada do site https://www.cartacapital.com.br/politica/apos-14-anos-inquerito-contra-romero-juca-no-stf-e-arquivado
[2] Informação no site https://www.cartacapital.com.br/politica/stf-rejeita-a-prisao-de-aecio-neves
[3] Informação presente no site https://www.conjur.com.br/2018-jan-24/pgr-arquivamento-inquerito-serra-prescricao
[4] Informação retirada do site http://www.bbc.com/portuguese/brasil-40208398
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Elissandro Santana é professor da Faculdade Nossa Senhora de Lourdes, membro do Grupo de Estudos da Teoria da Dependência – GETD, coordenado pela Professora Doutora Luisa Maria Nunes de Moura e Silva, revisor da Revista Latinoamérica, membro do Conselho Editorial da Revista Letrando, colunista da área socioambiental, latino-americanicista e tradutor do Portal Desacato.