Por Luís Eduardo Gomes.
Depois de nove dias de ocupação da reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), representantes da direção da instituição e do coletivo negro que coordena a ação participaram, nesta sexta-feira (16), de uma audiência de conciliação na Justiça Federal. Após uma rodada de negociações, sob a mediação da juíza Ana Inés Algorta Latorre, os estudantes decidiram encerrar a ocupação até as 18h, após a reitoria assumir o compromisso de fazer modificações nas comissões de verificação de fraudes a cotas raciais.
A ocupação da reitoria iniciada no último dia 7 de março foi motivada pela revolta dos estudantes com a portaria 937 da UFRGS, que estabeleceu os procedimentos para regulamentar as comissões de verificação e recursal responsáveis por deferir ou indeferir as matrículas de candidatos que prestaram vestibular para ingressar na universidade via cotas raciais. Para os estudantes, a portaria desvirtuou a resolução 212 do Conselho Universitário (Consun), de 2017, ao determinar que a comissão responsável por julgar os recursos de alunos que inicialmente tiverem a matrícula indeferida possam apresentar documentos comprovando a ascendência de pais, mãe e avós para provar que são negros. O movimento negro argumentava que essa determinação abria brecha para que pessoas brancas burlassem a política e defendiam que o único critério a ser estabelecido fosse o fenotípico, isto é, a avaliação da cor da pele e características como tipo de cabelo, formato do nariz e dos lábios. Além disso, reclamavam que a comissão recursal era composta apenas por membros indicados pela reitoria e exigiam que pessoas indicados pelo movimento negro também participassem dessa instância.
A audiência começou por volta das 10h da manhã, com ambos os lados expondo posicionamentos a respeito da questão. Do lado da reitoria, representantes jurídicos e o reitor Rui Vicente Oppermann tentaram argumentar que não havia uma grande divergência de mérito com os estudantes, que a portaria já delimitava que as vagas eram reservadas para quem apresentasse o fenótipo negro, mas reconhecendo que a linguagem da portaria apresentava problemas. Estudantes que representavam o coletivo Balanta, contudo, argumentaram que a portaria, além de abrir brecha para que pessoas não negras ocupassem as vagas, abria a possibilidade de judicialização da questão.
Oppermann também tentou demonstrar que sempre esteve aberto ao diálogo e que a ocupação do dia 7 ocorreu no momento em que ele participava de uma reunião justamente para tratar do assunto e que estavam sendo discutidas alterações na portaria. Ele lamentou a ação dos estudantes e explicou que a direção da UFRGS ingressou com uma ação de reintegração de posse para garantir o acesso dos servidores ao prédio para que pudessem realizar serviços essenciais, negando que tinha por objetivo acionar a Brigada Militar para tirá-los do local à força. Ele destacou que a ocupação, entre outras coisas, impediu a efetivação do pagamento de trabalhadores terceirizados e de bolsistas.
Os estudantes, por sua vez, apontaram que, apesar de estarem ocorrendo reuniões com a reitoria, não teria havido um diálogo verdadeiro, pois em nenhum momento houve a formalização de que mudanças na portaria seriam feitas no sentido de coibir a ocorrência de fraudes ou de eliminar a possibilidade de que alunos fossem aceitos se comprovassem que tinham pais ou avós negros.
Nas negociações realizadas na audiência de conciliação, a reitoria se comprometeu a emitir uma nota técnica promovendo alterações na portaria 937 para explicitar que as vagas serão reservadas para estudantes que apresentarem o fenótipo negro e expandindo de cinco para dez o número de membros da comissão responsável por avaliar os recursos, que agora passará a ter a presença de estudantes indicados pelo movimento negro. Além disso, se comprometeu a não punir os estudantes que participaram da ocupação e a apoiar a formação de um grupo de trabalho que permanentemente avaliará a política de cotas e fará sugestões para as portarias que regulamentarão a reserva de vagas nos próximos vestibulares.
Ao fim de cinco horas de negociações, em que os destalhes da nota técnica foram minuciosamente debatidos, o reitor aceitou o acordo e os estudantes se comprometeram a desocupar a reitoria até as 18h desta sexta-feira.
Um oficial de justiça deverá comparecer ao local nesse horário para verificar se o prédio está em ordem ou se algum tipo de dano foi causado ao patrimônio da universidade.