Mano Brown deu entrevista ao site da GaúchaZH em que falou sobre o show de seu disco Boogie Naipe em Porto Alegre. “Se vejo como a periferia pensa hoje, como o brasileiro pensa… estou de luto. Hoje é sexo, drogas e vida dos outros. Não há mais nem rock’n’roll, porque até a música hoje é dispensável”, diz.
Você recebeu muitas críticas com o Boogie Naipe?
O momento é de radicalismo político. Na internet, você pode ser um assassino com as palavras sem ser penalizado por nada. Você pode destilar o seu ódio. Essas músicas novas, antes do lançamento do disco, estavam sofrendo ataques, como se nada mais que eu fizesse fosse relevante, por causa dos Racionais. Mas, depois que o disco saiu, as pessoas ligadas à música, não só à política, foram muito maiores, mais numerosas do que os críticos. Então, posso dizer que o disco foi um sucesso.
Como será tocar no mesmo festival de artistas pop como Anitta e Pabllo Vittar?
São grandes nomes. Eu as reverencio, são gente que trabalha muito, que luta para estar onde está. São artistas verdadeiros. A Anitta, a Ludmilla e a Iza são mulheres guerreiras. Pabllo Vittar está defendendo a bandeira dela, que não sei qual é, mas, se tem, está aí, representando. A gente tem que entender que essa é a nova era. Há várias lutas aí, postas. A do negro, a da mulher, a do índio, a luta contra a homofobia. Respeito todas, e estou aí para aprender. Estamos em nova fase. O que passou, passou. E tem de provar em campo. Sou um cara que ainda tenho valor na música, não só no discurso social.
Os Racionais completam 30 anos em 2018. Como é olhar para trás e pensar na história do grupo?
Racionais MC’s não é mais algo meu. Vejo a banda como uma coisa que ajudei a criar, mas que bateu asas e voou. É como um filho que você cria para o mundo: não é mais seu. A gente não tem mais direito de escolher a roupa que quer, a batida que quer, não pode mais falar o que quer. Quando os Racionais surgiram, lutávamos para ter liberdade para falar, para ter espaços que não tínhamos. Passaram-se 30 anos. E alguns fãs da banda se tornaram conservadores. Muitos, hoje, são de direita. Nossos pensamentos já não batem mais. Não sou contra gay, contra punk, contra candomblé, como pessoas que eram fãs da banda demonstram ser. Os Racionais foram criados por quatro garotos que tentavam sobreviver, que não tinham ideia de como era o mundo.
Só sabíamos o que era a favela. Muita coisa mudou, e hoje eu questiono a importância dos Racionais num mundo desses. Aqueles ideais que o povo defendia, o povo esqueceu. Com aquele discurso que tínhamos em 1990, hoje, os Racionais seriam engolidos pela periferia. Seriam rejeitados. Porque, depois de dois governos Lula e de um governo Dilma, mudou a mentalidade da periferia. Não tem como desvincular os Racionais da política, a banda sempre foi atrelada ao momento político do país. E qual é o momento político do país agora? A periferia passou a ser de direita. O rap virou algo de direita, conservador. Aquele rap da época dos Racionais, hoje, é um rap religioso, moralista, que não conversa com a revolução que precisa ser feita atualmente.
E como sensibilizar as pessoas nesse contexto? Com a música que você está fazendo agora?
Não sei se minha música é um caminho. As músicas novas, sim. As dos Racionais talvez tenham servido em algum momento. Hoje, a maioria está reclamando porque não tem iPhone. Você tem realidades distintas. Hoje, a luta que as pessoas dizem ter é individual. Não vejo mais luta de classes. A luta é por conforto. A periferia está pedindo segurança, votando em polícia, se escondendo dentro de igreja e atrás de pastor, não assumindo a parte que lhe cabe. Então, qual seria a importância dos Racionais hoje? Falar de Deus, de família? Não. Isso é o que fala o discurso da direita no Congresso. Que é homofóbica, racista, um monte de coisas. Os discursos se misturaram.
A extrema-esquerda, hoje, virou direita, de tão à esquerda que está. A gente vai ter de rever os conceitos. Você pega os pensadores do movimento (hip hop): eles estão neutros. Porque, hoje, você é apedrejado por falar de Lula. É linchado na internet, junto à opinião pública. Então está todo mundo com medo. A gente sabe o que é bom para o povo, a gente sabe em que momento o povo esteve melhor ou pior. Eu tenho idade suficiente para dizer: vivi vários momentos e vi o Brasil muito mal. Já vi o negro neste país mal a ponto de alisar o cabelo, de clarear a pele, afinar o nariz. Mal a ponto de esconder onde morava, ter vergonha da mãe. A gente não vive mais isso. Hoje, o negro vive o orgulho, e o branco vive a vergonha do que fez. E muitas vezes as pessoas se confundem por isso.
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