Por Leonardo Sakamoto.
Gilmar Mendes mandou soltar Anthony Garotinho.
Ele, como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, decidiu que o ex-governador do Rio de Janeiro não representa perigo à sociedade e não estava atrapalhando as investigações. Também afirmou que não há provas de que ele continue cometendo os crimes dos quais foi acusado – corrupção, extorsão, organização criminosa e fraude na prestação de contas eleitorais.
Até aí, nada de novo. Gilmar tem sido questionado publicamente por soltar presos relacionados à operação Lava Jato.
O que deprime nessa história é que Garotinho, branco e rico, consiga responder ao processo em liberdade. Mas, como tenho escrito repetidas vezes por aqui, que negros e pobres, detidos provisoriamente, não tenham o mesmo tratamento.
Que a Justiça conta com pesos diferentes a depender da classe social, tamanho da conta bancária, cor de pele, origem étnica, idade, gênero, ideologia e orientação sexual dos envolvidos todos sabemos. Mesmo assim o contraste continua chocando a cada decisão como essa, na qual o interesse de quem tem poder passa na frente de uma fila com milhares que aguardam seus pedidos serem avaliados.
Qualquer pessoa, rica ou pobre, deveria ter o direito de responder a seu processo em liberdade se não representar um risco para os outros e para a Justiça. Mas tiramos de circulação homens e mulheres pobres suspeitos de cometerem crimes, sem pensar duas vezes. Seja por preconceito ou para aumentar nossa falsa sensação de segurança.
No último balanço do próprio governo federal, o país contava com 250 mil presos sem condenação em qualquer instância em 2014. Levantamento, deste ano, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que os presos provisórios representam, ao menos, 34% da população carcerária. Do total, 29% dos provisórios são acusados de tráfico de drogas, 7% de furto e 4% de receptação. Homicídios respondem por apenas 13% do total.
Quase 40% são absolvidos logo na primeira instância de julgamento. Ou estamos punindo injustamente inocentes ou colocando pessoas que cometeram delitos mais leves para ”estudar” em cadeias superlotadas.
Um levantamento da Defensoria Pública do Estado de São Paulo apontou que, do total de homens que deram entrada em centros de detenção provisória e responderam ao questionário, 62% tinham até 29 anos, 65% se declararam negros e 81% não tinham advogado. Entre as mulheres, 64,5% se declararam pretas ou pardas, 60,7% até 29 anos e 80% não contava com advogado.
O indicador de que o Brasil estaria se tornando um lugar mais justo não é o aumento no número de políticos e empresários indo em cana por conta de corrupção. Mas a diminuição na quantidade de pobres presos sem julgamento, muitos dos quais tendo sido acusados de crimes ridículos. Portanto, evitar que o poder público exista para servir às necessidades dos mais abonados e controlar os mais pobres (ou seja, proteger os privilégios do primeiro grupo, usando de violência contra o segundo, se necessário for) é tarefa fundamental.
O Gilmar Mendes tem sido conselheiro de Michel Temer, a qualquer hora do dia e da noite. Sugere formas de aprovação de reformas no Congresso Nacional, pratica política a céu aberto, assume o papel de advogado de defesa, promotor, júri e magistrado dependendo da situação e consegue até ser sorteado para cuidar de casos envolvendo pessoas próximas a ele.
Diante disso, qual conselho ele daria para a massa de esfarrapados apodrecendo na cadeia que não têm um Gilmar Mendes para chamar de seu?
Fonte: Blog do Sakamoto.