Por José Antônio Martins.
As diferentes burguesias nacionais sempre tiveram consciência do seu programa nacional e suas tarefas econômicas na ordem imperialista mundial. E sempre mudam de pele de acordo com as necessidades do desenvolvimento das forças produtivas e acumulação da totalidade do capital.
Neste processo elas procuram uma nova definição econômica, uma nova forma material para sua governabilidade política e administração da luta de classes no interior dos respectivos Estados nacionais.
A burguesia brasileira (entendida como franco-maçonaria nativa e imperialista) está, neste exato momento, mergulhada neste processo de mudança de pele. Começando pelas “reformas necessárias” do sistema imperialista aplicadas impiedosamente sobre a população trabalhadora residente no país. Reformas trabalhista, tributária, previdência, orçamento, etc. Um fenômeno econômico do qual derivam todas as turbulências políticas e de ingovernabilidade atuais.
Bye bye “Burguesia Nacional Desenvolvimentista”. O objetivo de todas essas reformas imperialistas atuais é mais do que claro: o antigo regime da produção industrial voltada para o mercado interno e dinamizado pela “substituição de importações” deve ser radicalmente erradicado e substituído pela integração às misteriosas para o grande público “Cadeias Globais de Valor” (CGVs).
Bye bye Getúlio, Juscelino e Golbery. Glauber chamava o general Golbery de “gênio da raça”. É mole? Chora a pátria mãe gentil. Adeus a qualquer veleidade do antigo regime de desenvolvimento nacional de produção de valor e de mais-valia baseado em grandes corporações estatais e paraestatais plenamente integradas: automobilístico, máquinas e equipamentos, infraestrutura, petróleo, petroquímica, eletroeletrônico, têxtil, calçados, etc.
A ordem agora é limpar imediatamente qualquer vestígio do antigo corporativismo verde-amarelo. Até seus sindicatos docilmente colaboracionistas. A coisa é séria mesmo, embora possam parecer meras palavras para os incautos: trata-se de abandonar o vício de manter “o foco excessivo nas atividades de fabricação” e aderir passivamente a alguma “especialização intra-setorial” oferecida gentilmente pelas grandes empresas imperialistas globais.
Vejamos, de passagem, como essa exigência imperial é explicada de maneira bastante didática (apesar do sotaque burocrático) por uma recente cartilha publicada em forma de livro pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) com o título de “Cadeias Globais de Valor, Políticas Públicas e Desenvolvimento”.
“Há um esforço para distinguir políticas setoriais pró Cadeias Globais de Valor (CGVs) daquelas orientadas para objetivos de apenas substituir importações. O crescimento das importações e das exportações de bens não finais é o objetivo primordial de políticas setoriais pró-cadeias; estas devem ser necessariamente dinâmicas e focadas em segmentos específicos. Além disso, o enfoque das cadeias de valor critica, na visão da substituição de importações, o foco excessivo nas atividades de fabricação – e a prioridade a elas concedida. Este foco desvia a atenção de alguns dos segmentos mais dinâmicos e rentáveis das cadeias globais de valor, como as atividades de P&D e de integração de serviços e engenharia. Entretanto, essas definições não parecem bastar para especificar as políticas não horizontais pró-cadeias, especialmente quando se passa para o nível dos instrumentos de política.
A ideia mesmo de políticas industriais pró-cadeias de valor implica, sobretudo para economias que já alcançaram certo nível de industrialização, a aceitação – ou, eventualmente, a promoção – de alguma especialização intra-setorial. Não é apenas que as políticas pró-cadeias de valor não sejam voltadas para “a construção de indústrias nacionais plenamente desenvolvidas e verticalmente integradas”, mas que, também no nível setorial, não parece fazer muito sentido, à luz desse enfoque, promover a montagem de setores inteiros e integrados.”
Talvez o título “Manifesto pró Cadeias Globais” refletisse melhor o conteúdo desta cartilha de receitas especialmente feita para uma economia (e uma burguesia) dominada como a brasileira. Acontece que as necessidades globais do capital são distribuídas de maneira desigual e combinada entre diferentes burguesias e espaços nacionais. Ocorre de maneira altamente antagônica e contraditória entre as nações envolvidas.
E nem todas as burguesias agem ativamente no processo. Só o pequeno grupo de burguesias das economias dominantes tem essa prerrogativa – EUA, Alemanha, Inglaterra, França, Japão e mais duas ou três. No extremo oposto, a grande maioria de burguesias das economias dominadas – China, Brasil, Índia, Rússia, África do Sul, Argentina, México, Turquia, Haiti, etc. – agem passivamente neste processo de globalização produtiva do capital.
Se na cartilha do IPEA acima referida vale o princípio da concorrência capitaneada pela “empresa líder” em um ramo de produção (alguma empresa das economias dominantes, of course) por que não concordar que o mesmo ocorre entre os Estados nacionais? Os Estados dominantes dão a receita do produto e os dominados montam onde antigamente existia uma produção.
A mudança de pele do programa burguês brasileiro é a própria abstração da produção. É a alienação definitiva de uma nação estuprada pela globalização da produção em estágio avançado.
O lema destas prostituídas burguesias é “a economia mundial é o meu País”. Elas não apenas obedecem seus patrões, como sempre fizeram. Agora elas também aprenderam a amar a globalização. O brado trumpeniano “América First” [“A América em primeiro lugar”, “primeiro meu país”] pode parecer uma contradição. E é, mas dentro de uma unidade de contrários perfeitamente definida: dominantes de um lado, dominados de outro. Os primeiros continuam amando seus países, os segundos amam loucamente seus “investidores externos”.
Na nova e definitiva ordem global as burguesias dominantes continuam comandando a produção e as dominadas estarão apenas montando os produtos. O que mudou? Apenas o fato que o conceito se confunde a olho nu com sua forma. Antes as dominadas produziam alguma coisa. Caso do Brasil, Argentina e México, para ficar só na América Latina. Agora, o governo brasileiro (através da cartilha do IPEA, por exemplo) está dizendo que doravante ele deve desistir de qualquer veleidade de manter “o foco excessivo nas atividades de fabricação” e focar apenas na montagem e expedição do produto encomendado pela “empresa líder do ramo”.
É por isso que o sonho vendido de uma integração virtuosa e favorável às CGVs em economias dominadas como a brasileira não passa de mera agitação e propaganda dos agentes e agências globais do imperialismo. Os próprios economistas do IPEA esclarecem em quem eles se inspiram e por ordem de quem eles realizam essa suja atividade de despachantes do imperialismo:
“Mais recentemente, o enfoque das cadeias internacionais de valor ganhou novo fôlego pelas mãos de instituições internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad, do inglês United Nations Conference on Trade and Development) e o Banco Mundial. Estas investiram pesadamente nos embasamentos teórico e empírico do argumento de que as cadeias internacionais de valor constituem, na atualidade – e, presumivelmente, mais ainda no futuro – o modelo dominante de organização da produção industrial e de articulação entre diferentes setores (especialmente entre a indústria e os serviços). As cadeias internacionais de valor teriam se tornado, nessa visão, o principal modelo de organização internacional da produção, e ao seu funcionamento as políticas nacionais deveriam se adaptar, se os países pretendessem se beneficiar da expansão global do fenômeno.” (op.cit. ibidem pg. 25).
Fonte: IELA.