Por Marcelo Auler.
A unanimidade em torno do nome do novo diretor-geral do Departamento de Polícia Federal (DPF), delegado Fernando Querióz Segóvia Oliveira, reside em um ponto. Todos que o Blog ouviu e o conheceram o consideram um “homem de bem”. Verdade que o conceito em torno do termo pode variar de acordo com o interlocutor.
A troca, porém, desperta preocupações. Primeiro por ser de um governo ilegítimo e ocupado por políticos envolvidos em escândalos de corrupção. Isso, como lembrou uma das fontes ouvidas, já faz desacreditar ou gerar preocupação por si só. “Não há o que celebrar. Nada que surja desse governo pode nos gerar boas expectativas“, expôs.
Notadamente, as possíveis comemorações por parte de políticos envolvidos em operações que investigam a corrupção que há décadas movimenta o mundo político, gera preocupação.
Os críticos, porém, esquecem um detalhe: o diretor-geral que sai, Leandro Daiello, mesmo tendo sido sustentado no cargo pelo apoio que deu e recebeu da Força Tarefas da Lava Jato, foi o responsável pelo início do sufocamento da mesma. Na sua gestão, já no governo do acusado Michel Temer, deu-se os cortes de verbas e as remoções de policiais lotados ou cedidos à Superintendência do DPF no Paraná.
Antes, no governo de Dilma Rousseff, acusavam-na e seus ministros da Justiça de terem esse objetivo. Mas, ao contrário, o que se viu foi em 2016 o ministro Eugênio Aragão (março a maio) garantir antecipadamente todo o orçamento do DPF para aquele exercício.
Aparentemente, porém, erram os que indicam os políticos como os principais padrinhos do novo DG (maneira como é tratado o diretor-geral na instituição). Estes podem até ter torcido por ele. Mas, quem atuou nos bastidores, armou essa troca e se viu contemplado com a mudança foi o ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o General de Exército Sergio Westphalen Etchegoyen. Um dos defensores da ditadura civil-militar (1964/85), considerado linha dura, em especial junto a movimentos sociais.
Prova clara disso foi a nota publicada na quarta-feira (08/11/17), no Painel da Folha de S.Paulo. Embora feita para negar o envolvimento do GSI nesta troca, ela demonstra justamente o contrário. Não é algo corriqueiro e normal o GSI (entenda-se a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN) vir a público desmentir este ou aquele fato. Ao fazê-lo com relação a um suposto dossiê contrário a Segóvia, sinaliza o seu envolvimento na substituição.
A nota Nada consta reitera que “a suposta troca no comando é de competência exclusiva do Ministério da Justiça.” Não foi suposta, já que horas depois foi confirmada. Tampouco foi da exclusividade da Justiça. Afinal, não era o que defendia o ministro da pasta.
A depender de Torquato Jardim, não haveria mudanças. Entre seus assessores muito se falou que ele preferia “permanecer com Daiello a perder mais uma para o general“. Perdeu.
Digital da ABIN – Em 24 de junho passado, Torquato Jardim criticou a imprensa dizendo que a notícia da troca do diretor da PF era uma “pós verdade“. Na coletiva que convocou, porém, não garantiu a permanência do diretor-geral. Calou-se e não respondeu a perguntas, como noticiaram os jornais, entre eles a Folha (25/06/17): Torquato critica ‘pós-verdade’, mas não garante chefe da PF no cargo.
O ministro, aos poucos sentiu que não tinha condições de permanecer com Daiello. Afinal, na avaliação geral, o DG não tinha domínio da instituição, estava preso a grupos (em especial, à Força Tarefa da Lava Jato) e manteve a polícia inerte.
Mesmo o esvaziamento da Força Tarefa da chamada República de Curitiba ocorrido nesse final de gestão foi algo imposto, em especial pelo corte orçamentário que o governo enfiou goela abaixo de todos.
Na busca por um nome que não fosse ligado ao general, Torquato Jardim quedou-se por uma indicação do próprio Daiello: o diretor-executivo da instituição, Rogério Viana Galloro.
Chegou a ser flagrado em um almoço no qual dividiu a mesa com os dois delegados. A foto, sem origem aparente, saiu na Coluna do Estadão (1/09/17), da jornalista Andreza Matais. Há quem aposte que o registro tem digitais da ABIN.
Na Enciclopédia do Golpe – Ao que parece, chegou ao conhecimento de assessores do ministro que jornalistas já teriam levantado informações sobre Galloro a serem tornadas públicas diante de sua indicação para o cargo. Não se sabe se isto influenciou Torquato Jardim a mudar de posição e desistir das suas indicações. Ele teve, ainda que contrariado, que engolir Segóvia também goela abaixo. Manter Daiello, seria a continuação de um erro.
Como escrevemos no verbete Polícia Federal da Enciclopédia do Golpe Vol. 1 (projeto Editorial PRAXIS, do Instituto Defesa Classe Trabalhadora) a ser lançada no próximo dia 30 de novembro, em Curitiba, o erro de Dilma Rousseff e seu ministro da Justiça Eduardo Cardozo, foi não substituir Daiello que completou seis anos e dez meses no cargo. Na enciclopédia avaliamos:
“(…) No governo Dilma, a manutenção do delegado Leandro Daiello Coimbra como diretor-geral do DPF foi um erro. Aliás, Daiello jamais teve voz junto à equipe da Lava Jato. Foi levado a reboque. Com medo da repercussão negativa de qualquer gesto que tomasse, silenciou-se e omitiu-se, como de resto o próprio ministro da Justiça, Cardozo.
Com tal comportamento – de omisso e permissivo – Daiello passou a ser sustentado pela própria Força Tarefa. Removê-lo passou a significar ser contra as investigações e, consequentemente, “estar defendendo corruptos”.
Comportamento que se repetiu com ministros dos tribunais superiores – STJ e STF. Uns por receio de serem mal interpretados, outros em omissões por conivência.
Não se trata, reprise-se, de impedir a Operação, cujo objetivo final – combater a corrupção – é justificável e meritório. Mas mantê-la dentro da lei, e das regras do Estado Democrático de Direito. O que significa, respeito à Constituição.
Se isto acontecesse, por exemplo, jamais o agente de Polícia Federal Newton Hidenori Ishii, o famoso Japonês da Federal, se transformaria em símbolo da Lava Jato. Afinal, Ishii era um condenado por corrupção que nem sequer tinha cumprido sua pena. Ainda assim, ganhou notoriedade com a visibilidade que lhe permitiram ter a cada nova fase da operação“.
Limitações no cargo – Engana-se quem comemora a mudança do diretor-geral como se ele – seja Segóvia ou qualquer outro – possa paralisar investigações em curso. É possível sim, limitá-las, jamais paralisá-las. Primeiro por que hoje há uma forte vigilância por parte da sociedade. Não bastasse, a PF é uma polícia judiciária e como tal está subordinada ao Judiciário. Constitucionalmente, se submete ao Controle Externo do Ministério Público Federal (MPF).
É verdade que na Lava Jato este controle externo, por conveniência e compadrio, nem sempre foi exercido. Assim como nem sempre funcionou a Corregedoria Geral do DPF nas irregularidades e até crimes (como escuta ilegal na cela, ou Busca e Apreensão de documentos que já estavam em poder dos investigadores) cometidas pelos operadores da Força Tarefa da Lava Jato. Ali prevaleceu o vale tudo.
Já contra aqueles que se opuseram às ilegalidades/irregularidades cometidas na Operação a reação foi imediata. E desmedida. Tornou-se perseguição pessoal, como o caso do delegado Mario Renato Castanheira Fanton. Ele e o agente de polícia federal Dalmey Werlang. Ambos foram responsáveis por revelarem, em 2015, ilegalidades como a instalação de grampo na cela. Desde então, não têm sossego. Atualmente (11/2017) estão indiciados em Inquérito, acusados de vazarem informações para a CPI da Petrobras.
Antes tentaram punir o delegado Paulo Renato Herrera e o ex-agente Rodrigo Gnazzo, mas depois de dois anos investigando-os, nada encontraram para incriminá-los.
Já os responsáveis pela ordem para Dalmey instalar o grampo ilegal na cela, jamais foram identificados oficialmente, apesar de o agente, ao confessar seu ato, indicar nominalmente os mandantes: o delegado Igor Romário de Paulo (Coordenador da Delegacia de Combate ao Crime Organizado), o superintendente do DPF/PR, Rosalvo Ferreira Franco e o delegado Márcio Adriano Anselmo.
Este último também teria mandado fazer buscas no escritório de Meire Poza, a ex-contadora do doleiro Alberto Youssef, em junho de 2014, meses depois de ela ter repassado, informalmente e sem auto de apreensão ou algo parecido, os documentos à Força Tarefa. Foi a forma encontrada de “esquentar” as provas que já estavam em poder do delegado.
Surgem as mudanças – Como o novo diretor-geral lidará com tais fatos é uma dúvida. Ele teve passagem pela Corregedoria do DPF. Também deve ter conhecido Fanton, quando foi superintendente da instituição no Maranhão. Nada disso, porém, sinaliza a forma como atuará. É a incógnita que só o tempo responderá.
Na quinta passada, o Blog de Elimar Cortes anunciou três novos nomes na administração de Segóvia. O delegado Eugênio Ricas, atual secretário de Estado de Controle e Transparência do Espírito Santo, ficará à frente da Diretoria de Combate ao Crime Organizado.
Os delegados Sandro Torres Avelar, para a Diretoria Executiva, e Cláudio Ferreira Gomes, para a Diretoria de Inteligência. Mas, a profundidade das mudanças – atingirão as superintendências? – ainda é desconhecida.
Muitos apostam que sim.
Uma das definições que fazem amigos e inimigos de Segóvia é que ele evita brigas políticas e sempre busca manter boas relações. Foi o que fez quando superintendente do Maranhão junto ao clã Sarney. Motivo que seus adversários apontam como sendo uma submissão política ao mesmo. Mas, ninguém aponta claramente onde e em que momento tal submissão ficou demonstrada. Fala-se, por exemplo, da Operação Boi Barrica/Faktor, iniciada antes de sua chegada.
A Boi Barrica, depois rebatizada como Faktor, deflagrada em 2009, investigou Fernando Sarney, filho do ex-presidente e então senador José Sarney. Ele era suspeito de usar caixa dois na campanha de sua irmã, Roseana, na disputa pelo governo do Maranhão, em 2006.
Antes das eleições, ele teria sacado 2 milhões de reais em dinheiro vivo. Porém, como noticiou o Estado de S.Paulo – Julgamento da Boi Barrica ocorre em tempo recorde – 21/09/2011 – o enterro da operação foi provocado pelo STJ:
“O julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que anulou as provas da Operação Boi Barrica tramitou em alta velocidade, driblando a complexidade do caso, sem um pedido de vista e aproveitando a ausência de dois ministros titulares da 6.ª turma. O percurso e o desfecho do julgamento provocam hoje desconforto e desconfiança entre ministros do STJ“.
Fonte: DCM.