Historiadora e militante do MST desde 1993, a cearense Eleneuda Lopes coordena o projeto “Assentamentos Agroecológicos Fidel Castro” e o método cubano de alfabetização “Sim, Eu Posso”, que tem atuado desde 2014 na erradicação do analfabetismo nas áreas de Reforma Agrária no extremo sul da Bahia.
Em entrevista para nossa página, Lopes explica como o “Sim, Eu Posso” tem contribuído no processo de emancipação dos trabalhadores e fala da importância que o método cumpre, não apenas no letramento, mas também no processo de conscientização dos trabalhadores Sem Terra e na luta popular.
Além disso, faz um diagnóstico sobre os avanços e desafios que o método possui na construção de territórios livres do analfabetismo. Confira a entrevista na íntegra.
O que é o método “Sim, Eu Posso”?
O “Sim, Eu Posso” é um método de alfabetização que foi desenvolvido por um grupo de pedagogos cubanos em 1990. Esse método foi inspirado na campanha de erradicação do analfabetismo que aconteceu em Cuba em 1961, onde foi possível erradicar por completo o analfabetismo. A campanha foi massiva e envolveu toda a sociedade cubana. Após levantar a bandeira de territórios livres do analfabetismo, eles acreditaram que era possível acabar com o analfabetismo no restante do mundo, e a partir daí, foi desenvolvido e doado para outros países.
O primeiro país a ser beneficiado foi o Haiti, onde o método foi utilizado pelas ondas do rádio e foram alfabetizadas mais de 600 mil mulheres e homens. Só depois que foi traduzido a outras línguas e adaptado para televisão. Nessa nova experiência televisiva o método foi doado à Venezuela em 2003 e conseguiu alfabetizar cerca de 1,5 milhões de pessoas e em 2005 a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) considerou a Venezuela um território livre do analfabetismo. O Brasil teve sua primeira experiência em 2006, quando o governo cubano, em parceria com o MST, doou o método para erradicação do analfabetismo em áreas de Reforma Agrária.
Por que realizar esse método nas áreas de Reforma Agrária?
Bom, o MST é um movimento social e portanto, tem caráter social. Também percebemos que muitos dos nossos acampados e assentados não sabiam ler e escrever. Sempre nas reuniões onde era preciso assinar algum documento, sempre víamos pessoas que se escondiam, no sentido de se afastarem e, com muita vergonha, pediam alguém para escrever seus nomes.
Mais tarde quando conversávamos com esses companheiros e companheiras descobríamos que não sabiam ler e escrever e que seu maior sonho era “aprender as letras”, como eles diziam. A partir daí surgiu a necessidade de ajudar a todos os trabalhadores Sem Terra a ler e escrever, realizando assim um sonho.
Como foi a aceitação dos acampados e assentados?
Antes de tudo, a gente se deparou com um certo problema, tentamos fazer um levantamento para ver se nas áreas propostas para realizar o método havia quantidade de homens e mulheres que sabiam ler e escrever e os mesmos nos disseram que sabiam e que eram alfabetizados. Em seguida tivemos que levar alguns documentos para as mesmas pessoas que participaram do levantamento e descobrimos que não sabiam ler e escrever. Quando perguntamos o porquê da omissão, eles falaram que tinham muita vergonha por não saber as letras. Depois disso, entendemos a importância desse método, fizemos uma campanha e convidamos a direção do MST. A campanha foi bem aceita porque a comunidade se envolveu e as pessoas que participaram do levantamento se inscreveram e hoje estão alfabetizadas.
O “Sim, Eu Posso” teve resultado nos países onde foi implementado. E nas áreas da Reforma Agrária, tem superado as expectativas?
O método cubano surtiu efeito em outros países e aqui ele está superando nossas expectativas. O método ainda está sendo implementado em outras áreas e em outros estados do Brasil. Alagoas, Maranhão e Ceará são exemplos de estados em que o “Sim, Eu Posso” está sendo implementado e tem mostrado que iremos ocupar o latifúndio do saber também.
Como foi ver jovens e adultos aprendendo a lê e a escrever?
Ter o privilégio de ver jovens e adultos aprendendo a ler e escrever é algo extraordinário, ver o sorriso no rosto de cada companheiro e ver seus familiares vir nos agradecer por estar ensinando é formidável. Com certeza, um dos momentos mais emocionantes foi quando eles vieram e nos disseram que foram trocar a identidade porque agora eles podiam assinar o próprio nome. São esses momentos que revigoram a turma, os educadores e a comunidade.
Quais foram os desafios e como superaram?
Tivemos muitas dificuldades e desafios. A primeira já foi dita, que foi a vergonha de reconhecer que eram analfabetos. Outro desafio foi porque as turmas eram compostas por jovens, adultos e idosos, que tinham uma jornada de trabalho bem intensa e isso de certa forma dificultava na ida dos mesmos às salas de aula.
Nos deparamos com o problema da visão debilitada, já que muitos tinham problema de vista e estudar a noite era um desafio imenso. Foi a partir disso, que disponibilizamos exames de vista e entregamos óculos para quem necessitava. Também tivemos que realizar um esforço maior para encontrar educadores da Reforma Agrária que eram capacitados para exercer a função de educador popular, isso porque precisávamos do trabalho voluntário. Nesse sentido, realizamos vários momentos de formação com os educadores, diversas reuniões, mas que no fim o resultado foi e está sendo maravilhoso.
Fonte: MST.