CEDAE será privatizada no Rio por 9% de seu valor real, de R$ 36 bilhões, mostra documento

Por Pedro Zambarda e Renato Bazan.

Em meio a uma guerra judicial que pode ir parar no Supremo Tribunal Federal, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE) terá seu primeiro lote de ações leiloado nesta sexta-feira (27). O valor exigido para que a empresa seja privatizada não chega a 9% dos seus ativos reais.

A informação consta nos documentos distribuídos pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Saneamento Básico e Meio Ambiente do Rio de Janeiro (SINTSAMA-RJ) de 12 de junho de 2017. O sindicato lista, de forma detalhada, todo o patrimônio da estatal, e estipula o valor de R$ 36 bilhões, além de R$ 2 bilhões em restituições tributárias devidas pelo governo federal.

O governo Pezão, no entanto, pretende negociar os papéis da estatal por apenas R$ 3,4 bilhões.

O dossiê foi entregue aos deputados estaduais cariocas entre junho e agosto deste ano. Os sindicalistas chamam atenção para o fato de que a cifra exigida é inferior a um único ano de faturamento do sistema de águas do Rio de Janeiro. Em 12 meses, correm pelos cofres da CEDAE ao menos R$ 4 bilhões, majoritariamente provenientes da capital fluminense.

“Essa votação [que permitiu o leilão] foi recheada de irregularidades, pois em nenhum momento houve audiências públicas e debates sobre o tema. Também foi registrado troca-troca de cargos e nomeações para garantir a maioria de votos da Alerj a favor da privatização”, alerta os trabalhadores em carta.

O Sintsama-RJ menciona ainda um problema de longo prazo, que poderia trazer um prejuízo maior do que o preço da venda: o fim do “subsídio cruzado”. O presidente do sindicato, Humberto Lemos, explica que o sistema de águas do Rio de Janeiro se mantém economicamente sustentável porque há uma compensação financeira entre os ramais de maior e menor lucratividade.

“Com a privatização, acaba esse benefício e quem mais vai perder são os municípios menores. Atualmente mais de 85% da arrecadação está na capital, e apenas quatro municípios dão lucro para a empresa”, escreveu. Sem a distribuição dos recursos arrecadados nessas áreas, mais de 60 cidades do Rio de Janeiro perderiam a capacidade de investimento saneamento básico.

Para o dirigente da entidade, no final vai sobrar para o poder público o pagamento pelos investimentos necessários reduzindo o valor de R$ 3,5 bi para cerca de R$ 1 bilhão, enquanto os acionistas ficarão ricos parasitando as regiões superavitárias. “Teremos um sistema permanentemente no vermelho, ou simplesmente deixaremos de servir água de qualidade para a população do interior”.

Os problemas técnicos da CEDAE e o modelo de privatização pouco transparente no setor de saneamento e fornecimento de água têm semelhanças preocupantes com a Sabesp em São Paulo.

“Boi de piranha”

A venda da CEDAE tornou-se uma das prioridades do governo do estado por conta da crise sem precedentes que o Rio de Janeiro atravessa.

Uma reportagem publicada pelo site Intercept Brasil dá uma ideia de como o caso é grave: a privatização estaria sendo tratada como uma contrapartida para o socorro financeiro ao estado, que sucateia universidades públicas e atrasa salário de servidores.

A companhia também foi prejudicada por negócios escusos entre seu ex-presidente Wagner Victer, apadrinhado político de Anthony Garotinho, e a construtora Delta, de Fernando Cavendish. A empreiteira teria conseguido contratos sem licitação, informa o Intercept, no valor de pelo menos R$ 377 milhões durante a gestão de Sérgio Cabral.

Outros membros da cúpula também têm conexões com Eduardo Cunha no escândalo de Furnas, junto com Lúcio Funaro e Lutero de Castro Cardoso. Lutero foi presidente da CEDAE na gestão Rosinha Garotinho e teve os bens bloqueados pela Justiça. Ele foi acusado de participar de acordos extrajudiciais irregulares envolvendo R$ 32 milhões.

Curioso é notar, no entanto, que aqueles que hoje defendem o processo de privatização na Câmara dos Deputados do RJ são os mesmos que dividiam chapas eleitorais com os ilustres que perpetuaram sua má gestão.

Uma ampla rede bilionária

Propostas de privatização da companhia não são novidade, porque elas existem desde 1998 de acordo com o jornal Folha de S.Paulo. Mas somente no dia 20 de fevereiro deste ano os deputados estaduais deram um claro sinal verde para a venda da companhia.

Em campanhas eleitorais, candidatos cariocas tentavam emplacar a ideia de que a CEDAE não seria cedida ao poder privado. Agora brigam entre si para dividir o bolo preparado com o dinheiro dos impostos da população fluminense.

Segundo o Sintsama, 64 dos 92 municípios do estado têm contratos com a empresa. Ou seja, mais da metade do Rio de Janeiro depende da rede de água e esgoto da CEDAE, o que a coloca numa posição de monopólio de mercado.

Os sistemas de água e esgoto, incluindo maquinário, edificações e interceptores oceânicos, somam R$ 15,6 bilhões. As estações de tratamento fazem a empresa valer mais que o dobro de seus sistemas.

Assim como a transformação da Sabesp de estatal para companhia de capital misto provocou a seca da Cantareira por má gestão, o direito de acesso à água no Rio de Janeiro está em risco na sua crise econômica.

Se a CEDAE for vendida, uma de duas coisas vai acontecer: ou o sistema de saneamento básico do RJ sofrerá uma queda de qualidade considerável no interior, ou as tarifas de água e esgoto passarão por aumentos dramáticos. O aumento servirá para compensar o fim do subsídio cruzado.

A única coisa certa é que nenhuma empresa privada vai querer comprar os ramais deficitários, que ainda são a imensa maioria da empresa.

Fonte: Diário do Centro do Mundo

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