Por Leonardo Isaac Yarochewsky.
1 – O fato:
A Polícia Civil realizou, ontem (10), uma busca na casa de Marcos Lula da Silva, filho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após receber “denúncia anônima” que indicava a presença de drogas no local. O denunciante “anônimo” dizia, segundo a polícia informou à “justiça”, que uma grande quantidade de drogas poderia ser encontrada na residência. Assim, a “justiça” autorizou a busca na residência. Sendo certo que a polícia não encontrou qualquer substância ilícita durante a busca na residência, que fica em Paulínia, no interior do estado de São Paulo. Contudo, a polícia acabou – arbitrariamente – apreendendo dois notebooks, CDs, DVDs e disquetes, além de vários documentos de Marcos Lula.
Cristiano Zanin Martins, advogado do ex-presidente classificou a ação como abusiva. “A busca e apreensão, feita a partir de denúncia anônima e sem base não encontrou no local o porte de qualquer bem ou substância ilícita, o que é suficiente para revelar o caráter abusivo da medida“.
De igual modo, o Partido dos Trabalhadores (PT), através de sua presidenta Gleisi Hoffmann, emitiu nota exigindo explicação pela violência e pelos “repetidos abusos de autoridade” que vem sendo perpetrados contra Lula e sua família.
2 – Da denúncia anônima:
Há muita controvérsia sobre a validade de investigações que decorre da chamada “denúncia anônima”.
O procurador da República e professor Paulo Queiroz explica que:
O problema da assim chamada denúncia anônima não está no próprio anonimato, mas na eventual ausência de indícios de prova que a amparem (ausência de justa causa). Noutras palavras: ao menos para efeitos penais, o anonimato é, por si só, irrelevante (…)
O que a autoridade policial não poderá fazer é dar início a um inquérito policial a partir de delação de crime manifestamente infundada (anônima ou não). Mas isso, obviamente, nada tem a ver com o anonimato, e sim com o fato de uma investigação policial implicar, ordinariamente, constrangimentos graves à liberdade do investigado, razão pela qual não pode resultar de puro capricho ou arbítrio de quem a preside, devendo, por isso, fundar-se em indícios de verossimilhança.
Ao final, Queiroz conclui que:
O problema da delação anônima de crime não é o anonimato, mas a sua possível inverossimilhança e a possibilidade de deflagrar investigações e constrangimentos (ilegais) manifestamente infundados.[2]
3 – Da casa como asilo inviolável:
Lado outro, não se pode olvidar que de acordo com a Constituição da República “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial” (art. 5º, XI da CR).
Embora tenha havido uma decisão judicial determinando a busca e apreensão, ela se baseou em fatos inverossímeis e que por si só deveriam ser desprezados. A casa como asilo inviolável não pode está à mercê de suspeitas infundadas que levam os seus moradores a grave constrangimento. Necessário resaltar, também, que a invasão de domicilio é crime previsto no Código Penal (art. 150).
As exceções previstas no próprio texto constitucional devem ser claramente, demonstrada, fundamentada e justificada para além de qualquer dúvida razoável. Não é sem razão que a inviolabilidade da casa e do domicílio integra o artigo 5º da Constituição da República, justamente o que trata dos direitos e garantias fundamentais.
Sobre a casa como asilo inviolável o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu:
De que vale declarar a Constituição que ‘a casa é asilo inviolável do indivíduo’ (art. 5º, XI) se moradias são invadidas por policiais munidos de mandados que consubstanciem verdadeiras cartas brancas, mandados com poderes de a tudo devassar, só porque o habitante é suspeito de um crime? Mandados expedidos sem justa causa, isto é, sem especificar o que se deve buscar e sem que a decisão que determina sua expedição seja precedida de perquirição quanto à possibilidade de adoção de meio menos gravoso para chegar-se ao mesmo fim. A polícia é autorizada, largamente, a apreender tudo quanto possa vir a consubstanciar prova de qualquer crime, objeto ou não da investigação. Eis aí o que se pode chamar de autêntica ‘devassa’. Esses mandados ordinariamente autorizam a apreensão de computadores, nos quais fica indelevelmente gravado tudo quanto respeite à intimidade das pessoas e possa vir a ser, quando e se oportuno, no futuro, usado contra quem se pretenda atingir. (HC 95.009, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 6-11-2008, Plenário, DJE de 19-12-2008).
Rubens Casara, referindo-se ao Estado Pós-democrático, observa que “no momento em que direitos e garantias individuais são afastados com naturalidade por serem percebidos como empecilhos ao livre desenvolvimento do mercado e à eficiência punitiva do Estado, lamenta-se a ausência de debates sobre o agigantamento do Estado Penal. Lamenta-se a ausência de debates que tratem da amplitude e importância do valor liberdade”.
Ou seja, a mera suspeita motivada por “denúncia anônima” não pode justificar a quebra de garantia fundamental.
Cópia do mandado de busca e apreensão, onde consta que a polícia deveria somente apreender “entorpecentes, armas e outros objetos ligados ao crime”. Contudo, a polícia acabou – arbitrariamente – apreendendo dois notebooks, CDs, DVDs e disquetes, além de vários documentos de Marcos Lula, sem qualquer justificativa para tanto.
4 – Do evidente abuso de autoridade:
Do jornaleiro ao jornalista e até as pedras sabem que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus familiares vêm sofrendo um processo de perseguição política em que vem sendo utilizado – nos dizeres sempre lúcidos dos advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Zanin Martins – como “armas de guerra” contra Lula. É o que se entende por “lawfare”.
A estratégia, segundo os advogados do ex-presidente, prevê, entre outras práticas, a “manipulação do sistema legal“, a “promoção da desilusão popular” e a “acusação das ações dos inimigos como imorais e ilegais“- técnicas que, de acordo com os combativos advogados, estariam sendo empregada contra o Lula e, também, contra sua família.
Como se não bastasse atacar, constranger, humilhar e condenar o ex-presidente Lula, sem qualquer prova, os verdugos de plantão buscam, também, destruir sua família. Não se pode aqui deixar de lembrar a morte da ex-primeira-dama D. Marisa Letícia.
Para aniquilar aquele que foi eleito inimigo a realidade é mascarada e o sistema jurídico manipulado como tática de “lawfare” visando a deslegitimação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a desmoralização de toda sua família.
Lula e sua família foram eleitos à condição de “inimigo” e como tal são tratados pelo Estado Penal e pela grande mídia.
Referindo-se ao inimigo no direito penal, Raúl Zaffaroni assevera que:
O poder punitivo sempre discriminou os seres humanos e lhes conferiu um tratamento punitivo que não correspondia à condição de pessoas, dado que os considerava apenas como entes perigosos ou daninhos. Esses seres humanos são assinalados como inimigos da sociedade e, por conseguinte, a eles é negado o direito de terem suas infrações sancionadas dentro dos limites do direito penal liberal, isto é, das garantias que hoje o direito internacional dos direitos humanos estabelece universal e regionalmente.
Assim, o Estado Penal, como sói acontecer, vem agindo de forma déspota contra Lula e sua família. Tudo com o apoio da grande mídia que vê no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma ameaça ao seu projeto de poder e hegemonia.
5 – Conclusão:
A “invasão” da casa de Marcos Lula da Silva, filho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é mais um capítulo de abusos e de arbitrariedades perpetrados contra Lula e sua família.
Abusos que necessitam serem contidos. Arbitrariedades que se somam: i) a gravação e divulgação da conversa do ex-presidente Lula com a Presidenta Dilma Rousseff; ii) a condução coercitiva do ex-presidente Lula; iii) a suspensão – liminarmente – da posse do ex-presidente como ministro Chefe da Casa Civil; iv) a condenação do ex-presidente Lula sem qualquer prova, etc.
Por fim, como dizia o poeta:
“Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?”
Fonte: Diário do Centro do Mundo