Por Joaquim de Carvalho.
As saúvas do Brasil
Uma ínfima parcela da população brasileira, formada pelos banqueiros e mandachuvas do sistema financeiro, se mantém impermeável às oscilações da economia real. Tanto faz se o PIB está no fundo do poço como agora ou vive período de crescimento.
Vale destacar um trecho da matéria publicada com destaque pela edição da revista CartaCapital desta semana, assinada pelo jornalista Carlos Drummond: “Entre janeiro de 1997 e junho deste ano, o conjunto da sociedade transferiu para pagamento dos juros da dívida pública 4,4 trilhões de reais em valores correntes.” Os dados são do relatório mensal da responsabilidade fiscal do Tesouro Nacional.
Imagina se essa montanha de dinheiro fosse aplicada em escolas, hospitais, estradas, habitação, saneamento básico, ciência e tecnologia, programas de geração de emprego e renda, cultura, esportes, promoção de direitos humanos, combate ao trabalho escravo, portos, aeroportos, universalização da banda larga, reforma agrária, valorização dos servidores, etc?
Certamente estaríamos situados em outro patamar de desenvolvimento social, econômico e científico. Teríamos logrado também a redução drástica da vergonhosa desigualdade social que nos assola. A propósito, no início da semana, a imprensa publicou estudo da Oxfam sobre desigualdade que revela um dado estarrecedor: a concentração de renda no Brasil atingiu níveis tão absurdos que os seis homens mais ricos do país (Jorge Paulo Lemann, Joseph Safra, Marcel Hermmann Telles, Carlos Alberto Sicupira, Eduardo Saverin e Ermírio Pereira de Moraes) detêm uma riqueza equivalente aos 100 milhões de brasileiros e brasileiras mais pobres.
Não é de hoje que as políticas de juros estratosféricos inibem investimentos produtivos, atraindo recursos para os papéis da dívida pública, cujo valor é corrigido pela Selic, a taxa de juros básicos da economia situada entre as três mais altas do planeta. E sempre que se vislumbra uma crise fiscal, os barões do mercado financeiro, temerosos de que o governo não honre o pagamento desses títulos, lançam mão de todo seu poder de fogo junto ao governo e ao Congresso para viabilizar projetos de lei ou emendas constitucionais que lhes devolvam o sono.
Muita gente não entende porque o sistema financeiro defende ardorosamente a diminuição dos gastos previdenciários, o amento da idade mínima para aposentadoria e do tempo de contribuição. A chave para entender a questão está ao alcance da mão: na visão dos parasitas do mercado, quanto menos dinheiro o governo gastar com a previdência, mais sobrará para pagar a quantidade incalculável de títulos da dívida pública em seu poder.
As taxas de juros exorbitantes combinadas com a sobrevalorização do real têm um efeito devastador sobre a indústria e o setor de exportação. João Carlos Marchesan, presidente da Abimaq, lembra à CartaCapital que em 1947 a indústria respondia por 12% do PIB, e hoje, 70 anos depois, patina nos 10%. O resultado é a queda vertiginosa do emprego e do desenvolvimento tecnológico, enquanto nos firmamos no comércio internacional como meros vendedores de commodities.
O personagem Policarpo Quaresma, do grande Lima Barreto, proclamava no romance mais importante do escritor carioca que “ou o Brasil acaba com as saúvas, ou as saúvas acabam com o Brasil.” No caso do poder corrosivo do capital financeiro, cabe o ultimato: ou o Brasil acaba com a farra dos banqueiros, ou os banqueiros acabam com o Brasil.
Fonte: Diário do Centro do Mundo