‘Agroecologia é a esperança plantada na ciência, movimento e prática’

Por Cida de Oliveira.
Para a professora da UFV Irene Maria Cardoso, que preside a Associação Brasileira de Agroecologia, setor vai além da denúncia das mazelas: “anunciamos a esperança com base em 30 anos de experiência”

A agroecologia trabalha com a esperança. “Não trabalha só com a denúncia, embora a gente denuncie a perda de direitos, a invasão de territórios de povos tradicionais, os projetos de mineração que estão em andamento. Mas a gente também anuncia a esperança. E nossos anúncios não são feitos apenas a partir dos nossos sonhos, e sim a partir das nossas experiências de mais de 30 anos”.

A síntese é da professora da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e atual presidenta da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Irene Maria Cardoso. Para ele, esta é a principal razão que desperta cada vez mais o interesse da sociedade pela agroecologia e um dos principais motivos do sucesso do congresso brasileiro e latino-americano que a entidade realizou em parceria com a Embrapa, além de outros apoiadores, ao longo da última semana, em Brasília.

A esperança semeada pela agroecologia a partir da articulação de movimento social, ciência e prática, de acordo com Irene, aponta o melhor caminho não só para a produção limpa de alimentos saudáveis para todos, sem o uso de agrotóxicos e transgênicos, mas também para a transformação da sociedade.

Esse aspecto, segundo ela acredita, ficou muito evidente para os mais de 4.200 participantes, entre representantes de 25 países latino-americanos e europeus, principalmente. “Muita gente com quem conversei, como estudantes, que estavam pela primeira vez em um congresso, e até mesmo quem já tinha experiência de outros, se dizia reenergizada”, afirmou.

“Enquanto movimento, a agroecologia desagrada muita gente porque quer uma transformação mais profunda da sociedade”

Para ela, a possibilidade de participação de crianças, adultos e idosos nas diversas atividades que permitem o diálogo entre a diversidade de raça, gênero, gerações e de conhecimento, refletem o espírito da agroecologia.

“É assim porque a gente entende a agroecologia enquanto movimento, ciência e prática. A gente faz do congresso um palco para que essas três dimensões estejam presentes. Porque se a gente faz somente na dimensão da ciência ou da prática, ou só do movimento, não há diversidade. Então é preciso trazer essa diversidade e complexidade para o entendimento do que é agroecologia.”

De acordo com Irene,  a programação, que teve 2.500 trabalhos apresentados por pesquisadores e estudantes de 20 países, entre eles Alemanha, Espanha, França, Holanda e Argentina, entre outros, dos quais 1.500 eram trabalhos científicos e 900 experiências relatadas sobre agrossistemas, agricultura orgânica e construção do conhecimento agroecológico, por meio de dezenas de palestras, rodas de conversa e exibição de documentários, foi organizada de modo a estreitar o diálogo entre a diversidade das gerações, de raça, gênero e de todos os povos ali representados.

As matérias da RBA produzidas durante os eventos de agroecologia em Brasília foram:

Agroecologia contraria modelo de ‘agricultura do pobre para o rico’

Agroecologia ainda é ignorada pela ‘monocultura’ da mídia

Sistemas agroecológicos produzem mais até durante a seca

Agroecologia deu voz ao nosso saber’, diz Dona Dijé

‘Pacote do Veneno’ é denunciado por militantes da agroecologia

Indústria omite presença de transgênicos em carnes e derivados

 

Solo fértil

Para a professora, o espírito de comunhão entre saberes e povos é justamente o que traz a boa nova da esperança. “Pode estar tudo muito ruim, mas nós estamos no caminho certo, estamos construindo o rumo para o bem viver para todos os seres dessa terra. E a gente tem força, história, memória, muitas coisas, mesmo em cenário de adversidade. Então essa mensagem de esperança está presente em todos os congressos que acolhem tão bem as pessoas.”

Longe de ter “enrolado a bandeira”, Irene já trabalha agenda com a direção da entidade para uma reflexão aprofundada sobre as lições do congresso com vistas ao próximo e, principalmente, à realização do Encontro Nacional de Agroecologia, em 2018.

O processo de popularização da agroecologia é outro aspecto refletido no congresso. No entanto, se por um lado esse crescimento se reflete em um número cada vez maior de pessoas se interessando pelo tema em vários países, há preocupação com a apropriação da agroecologia por setores que têm no lucro a única razão de existir.

“A agricultura está em uma encruzilhada. Tem essa história de que não dá mais para comer alimentos com venenos, que não dá mais para a agricultura sair matando tudo quanto é seres. É por isso que está crescendo cada vez mais”.

Mas conforme alertou, há o perigo da apropriação da agroecologia por setores que não têm outro objetivo senão a exploração pelo lucro. “A cooptação vem por aqueles que começam a entender a agroecologia. Primeiro, enquanto prática, em que se pode fazer uma agricultura sem venenos, que cuida bem dos seres, mas para alimentar somente o rico. O pobre não importa, mas eu estou fazendo uma agricultura limpa”, destacou.

“Há aqueles que vem pela ciência. Enquanto cientista eu vou fazer isso, fazer aquilo, minhas pesquisas no laboratório e ponto.”

A controvérsia, no entanto, está na agroecologia enquanto movimento – que é a busca pela transformação da sociedade, do sistema agroalimentar e também do sistema capitalista.

“Enquanto movimento, a agroecologia desagrada muita gente porque quer uma transformação mais profunda da sociedade. E esse é o risco de cooptação porque a gente sabe que as pessoas que estão envolvidas, que podem se envolver com as práticas e com o mundo cientifico, são organizações de muito dinheiro e com muito poder, enquanto os movimentos sociais constituem a parte mais frágil da questão.”

Essa cooptação, para ela, é o maior temor porque um dos objetivos da agroecologia é a inclusão. “Não é só rico tendo acesso a alimento mais saudável, mas alimento saudável para todos; é o agricultor pobre trabalhando com dignidade para produzir alimentos saudáveis para todos, com igualdade, autonomia. Não queremos apenas uma agricultura limpa, mas com empresas vendendo insumos e explorando os agricultores a produzir para os ricos. Mas uma produção libertadora, como os agricultores entendem e querem que seja”.

Milenar

“A agroecologia começou há 10 mil anos, com a prática dos agricultores, dos povos tradicionais, como Dona Dijé, que disse na abertura do congresso que a agroecologia deu voz aos conhecimentos do seu povo, porque eles já faziam assim, mas não canalizavam essas vozes – que foi canalizada pela agroecologia. São os agrossistemas sustentáveis feitos, desenhados e manejados pelos povos e comunidades tradicionais, pelos agricultores e camponeses desse país e do mundo todo que trazem os princípios da agroecologia enquanto ciência”, destaca a professora Irene Maria Cardoso.

Fonte: Rede Brasil Atual.

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