Professor de Alagoas é perseguido por abordar identidade de gênero e diversidade sexual na escola

Por Ingrid Matuoka. 

Combater o preconceito e promover o respeito dentro da escola, debatendo identidade de gênero e diversidade sexual. Foi com esse objetivo que o professor Daniel Macedo, da Escola Estadual Lucilo José Ribeiro, na cidade de São José da Tapera, em Alagoas, dese

Para tanto, elaborou com os alunos uma série de oficinas com estratégias pedagógicas diferenciadas: analisaram textos e reportagens sobre feminicídio, violência contra a mulher e identidade e expressão de gênero. Também assistiram a filmes e palestras, fizeram uma peça de teatro, apresentações de dança e música e uma sessão de fotografia.

Nesta última, o professor e os alunos foram retratados utilizando acessórios, roupas, maquiagens e objetos ditos “do outro gênero”.

“Quando um professor é agredido, a democracia e a liberdade de expressão são agredidas.”

Desde então, o professor tornou-se alvo de perseguição. Na Assembleia Legislativa do Estado, o deputado Bruno Toledo (Pros), defensor do Escola Sem Partido, cobra uma “punição severa” ao professor, com o apoio de outros parlamentares.

Outro deputado, Antonio Albuquerque (PTB), sugeriu ainda encaminhar uma reclamação ao Poder Executivo, solicitar explicações do secretário estadual de Educação, bem como provocar a atuação do Ministério Público (MP) no caso.

Daniel Macedo também tem sofrido ataques pessoais e difamação nas redes sociais principalmente por páginas pró-Escola Sem Partido.

“Quanto um professor é agredido, a democracia e a liberdade de expressão são agredidas. Eu fui posto como criminoso, tenho me sentido violentado, humilhado. Eu sou professor, sou gente, sou psicólogo. Eu não sou de esquerda, de direita, de centro. Não sou comunista, não sou capitalista. Não estou a serviço de nenhuma ideologia, de uma organização religiosa, da militância gay. Eu estou a serviço do respeito, de uma escola que acolhe e respeita a todos e todas em suas várias formas de expressão”, desabafa.

O projeto

A Escola Estadual Lucilo José Ribeiro funciona em tempo integral e atende 1068 alunos do Ensino Médio. A matriz curricular contém as disciplinas obrigatórias, as profissionalizantes, as eletivas e os Projetos Integradores. Estes projetos têm por princípio resolver um problema da turma, da escola ou da comunidade.

Professor de Educação Física na escola, Daniel Macedo, no início do ano, ficou encarregado de orientar a disciplina de Projetos Integradores da turma do 2º ano, de 26 alunos.

Após uma série de dinâmicas de grupo que versavam sobre diferentes aspectos do cotidiano e da comunidade, o professor aplicou um questionário de levantamento de interesses. Em primeiro lugar, surgiu gênero e sexualidade. Em segundo, tecnologia, tema do próximo projeto a ser desenvolvido pela turma.

Portanto, o tema surgiu da demanda dos próprios estudantes que viam a escola ser palco de numerosos atos e discursos de discriminação contra os alunos homossexuais e transexuais.

“Temos estudantes com ideações suicidas e se automutilando por conflitos em relação ao gênero e à sexualidade, sendo xingados e humilhados pelos corredores. A escola ia esperar alguém cometer suicídio?”, questiona Macedo.

A cada 25 horas, uma pessoa LGBT é morta no Brasil devido à discriminação; mais da metade das vítimas têm menos de 30 anos. O País também é responsável pela maior taxa de homicídios de pessoas trans do mundo. O requinte de crueldade nestes casos é evidenciado pelo fato de que 27% das mortes são causadas por enforcamento, pauladas, apedrejamento, tortura e queima do corpo. Os dados são do relatório do Grupo Gay da Bahia de janeiro de 2017.
Ele e outro psicólogo voluntário também realizam plantões de escuta na escola para acolher estes alunos e a questão aparecia recorrentemente.

“Sou professor de Educação Física, mas também sou formado em Psicologia, e meus alunos me procuram para conversar. Mas não adianta tratar só estes alunos individualmente, não são eles o problema. Era preciso uma ação coletiva para combater o preconceito em todas as suas formas de expressão, e não só tratar os efeitos em quem sofre”, explica.

As oficinas

Juntos, professor e alunos decidiram então os objetivos do projeto Diário de Gente — Sexualidade e Gênero: conhecer os conceitos relacionados a sexo, orientação sexual, identidade e expressão de gênero, assim como sensibilizar a comunidade escolar e a família para coibir comportamentos de preconceito e discriminação.

Ao longo do primeiro semestre, realizaram as 13 oficinas. A última delas foi a mostra fotográfica que gerou a polêmica. Os jovens puderam optar se queriam participar ou não da sessão, sem qualquer prejuízo.

O docente também conta que teve cuidado especial em garantir a autorização de todas as instâncias para realizar o projeto. A Secretaria Estadual de Educação e o Conselho Escolar, órgão máximo do colégio, formado por familiares, funcionários, professores e alunos, aprovaram o projeto.

Para realizar e divulgar as fotos, os familiares também assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido sobre as imagens. Dizia-se literalmente que os meninos iriam, por exemplo, usar batom, maquiagem e esmalte, e que isso seria divulgado nas redes sociais. Todos os pais ou responsáveis autorizaram. O professor também fez devolutivas constantes aos alunos de modo que deixassem suas famílias esclarecidas sobre todas as etapas da ação.

“Esse projeto veio para dizer aos nossos alunos que eles não precisam recorrer à automutilação, ao suicídio. A escola não pode ser omissa quando isso emerge dentro de seus muros. Um colégio de mil alunos significa um colégio com mil modelos de educação familiar, e todas essas demandas interferem na relação professor-aluno e na de ensino-aprendizagem. A escola virou refém de uma sociedade que não consegue lidar com as demandas que ela mesma criou”, analisa o professor alagoano.

O projeto vai ao encontro do Pacto Alagoano das Diversidades, um programa de formação de professores da Secretaria Estadual de Educação, que prepara os docentes para lidar com questões de diversidade. A rede estadual de Educação também já publicou uma portaria para as escolas utilizarem o nome social de alunos nos documentos oficiais da instituição e nos diários de classe.

Conheça algumas das oficinas realizadas

  • Sessões cinematográficas: o professor exibiu os filmes Minha vida em cor de rosae Orações para Bob. Ao final, os alunos preencheram uma ficha e, na última questão, tinham a possibilidade de dar um novo fim ao enredo do filme. Depois, debateram em grupo.
  • Mapa conceitual: expuseram na escola um mural explicando os conceitos sobre feminicídio, a lei Maria da Penha, homofobia, transfobia, transexualidade, orientação sexual e identidade de gênero.
  • Experimento social: os alunos circularam pela escola com placas dizendo “o que é orientação sexual? O que é identidade de gênero? Eu sou gay. Eu sou travesti”, e outros termos. O alunos foram orientados a registrar todas as expressões, comportamentos e falas que outros alunos emitiram dentro da escola. Na aula seguinte, discutiram se as reações eram de preconceito e discriminação.
  • Intervenção artística: construíram e expuseram um globo terrestre em luto, em que marcaram os registros estatísticos de violência contra a mulher e a população LGBT no Brasil até o ano de 2016.

Fonte: Educação Integral.

 

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