A exploração indiscriminada nesse território tem causado inúmeros impactos a todo esse patrimônio social, ambiental e cultural. A região vem sendo ameaçada por uma diversidade de práticas econômicas predatórias como mineração, extração de madeira em larga escala, latifúndios de criação de gado e plantação de soja, e projetos de infraestrutura como hidrovias, ferrovias, portos e hidrelétricas. Esses projetos têm por consequência a destruição da fauna e da flora, contaminação dos solos e das águas, perda da biodiversidade, expulsão de populações tradicionais, extinção de grandes reservas de recursos naturais.
De acordo com pesquisa publicada pela revista Nature, há mais de 500 barragens previstas para a bacia Amazônica. O efeito dessas obras, das quais 140 já estão construídas, tem potencial desastroso ao ecossistema, ao alterar o regime de sedimentação do rio Amazonas.
Na última década, a Amazônia brasileira voltou a ser cenário da construção de grandes hidrelétricas, a exemplo do que aconteceu na época da ditadura. As novas barragens da Amazônia – Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, Belo Monte, no Pará, Teles Pires e São Manuel, no Mato Grosso – repetem o mesmo modo autoritário de construção de suas predecessoras Tucuruí (PA), Balbina (AM) e Samuel (RO). Todas elas são exemplos de destruição ambiental e violação aos direitos humanos.
Xingu
O exemplo de quão desastrosa pode ser a construção de uma barragem é a hidrelétrica de Belo Monte, construída no rio Xingu. Após décadas de resistência, a hidrelétrica foi construída e está em operação, deixando um rastro de violações de direitos humanos, reconhecidas pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos, que esteve em missão duas vezes na região. As condicionantes para o funcionamento da barragem não acompanharam o ritmo da obra. O saneamento, previsto para ser concluído em 2011, até hoje está sendo implementado. Daqueles que foram atingidos, mais de 50 mil pessoas, os processos acumulados pela defensoria pública da união ultrapassaram 2 mil. Ainda há cerca de 500 famílias atingidas não reconhecidas como tal, vivendo em situação precária. Além disso, Belo Monte transformou a pequena cidade de Altamira no município mais violento do Brasil.
A mesma região é foco de cobiça da empresa canadense Belo Sun Mining. A empresa quer retirar 108 toneladas do minério e lucrar R$ 3,3 bilhões em 17 anos, no maior projeto de extração de ouro a céu aberto do Brasil. A obra impactará a Volta Grande do Xingu, 100 km de rio do qual até 80% da água foi desviada para alimentar as turbinas da hidrelétrica de Belo Monte. A empresa obteve a licença de instalação neste ano e já comete irregularidades: proibiu os garimpeiros tradicionais, presentes na região há mais de 40 anos, de exercer sua atividade, e, segundo denúncias do próprio Incra, está comprando terras destinadas à reforma agrária no local. A Belo Sun também não considerou em seu estudo o impacto sobre os povos indígenas vizinhos à obra, das etnias Arara e Juruna.
Tapajós
A próxima fronteira desses grandes projetos é a região do Tapajós, uma das mais preservadas da Amazônia, para onde estão previstas 40 hidrelétricas. No ano passado, a maior delas, São Luiz do Tapajós, com 8.040 MW de potência, teve seu licenciamento cancelado. No entanto, os demais projetos para o rio não estão descartados.
Foto: Guilherme Lima
Além disso, há uma série de projetos de infraestrutura previstos para a região do Tapajós, vista como um corredor para o escoamento de soja do Mato Grosso para a exportação por um caminho mais curto do que pelos portos do sudeste. A principal é a hidrovia Teles Pires-Tapajós, que o setor do agronegócio pressionou para que fosse construída sem o processo de licenciamento ambiental completo. A obra deve trazer uma série de impactos ao rio, como destruição de rochas e cachoeiras, desvios e dragagens, impactando profundamente a vida aquática, a sobrevivência dos ribeirinhos e destruindo locais sagrados para os indígenas.
Com o governo golpista de Michel Temer (PMDB), este cenário de destruição se agrava. Ainda na região do Tapajós, o governo pretende reduzir em 350 mil hectares a Floresta Nacional do Jamanxim, perdoando grileiros que ocuparam a região e abrindo precedentes para mais invasões.
RENCA
Mais uma área estratégica em outra região da Amazônia deve ser entregue. No dia 7 de abril o governo federal autorizou a entrega da Reserva Nacional de Cobre e Associados (RENCA), na divisa do Amapá com o Pará, para fins de extração mineral. A área pode conter uma das maiores reservas de ouro do mundo. Ela abriga parte de duas Terras Indígenas (a TI Paru e a TI Waiãpy), duas Unidades de Conservação (o PARNA Montanhas do Tumucumaqui e a ESEC do Jari) além de abrigar quatro projetos de assentamentos do INCRA (PA Maraca, PA Munguba, PA Pedra Branca e PA Perimetral).
Repressão
Com projetos com esse potencial de destruição, além da extração predatória de madeira, da grilagem de terra e da pecuária de larga escala, não surpreende que a Amazônia seja palco de inúmeros conflitos. Nessa luta desigual, fazendeiros, grileiros e empresários muitas vezes contam com a impunidade e o apoio do aparelho repressivo do Estado. Segundo a ONG Global Witness, em 2016 o Brasil foi o país com o maior numero de assassinatos de defensores do meio ambiente (foram 49 assassinatos de 200 notificados em todo o mundo). Na Amazônia está a maioria das vítimas.
Nicinha
Chamamos a atenção para o caso de Nilce de Souza Magalhães, a Nicinha, militante do MAB que denunciava a violência praticada na construção da hidrelétrica de Jirau (RO), e que foi assassinada em janeiro de 2016, em circunstâncias ainda não plenamente esclarecidas.
O estado de Rondônia, aliás, é o campeão de assassinatos de defensores de direitos humanos, segundo levantamento do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos. Em 2016, de 66 assassinatos no país, 19 ocorreram no estado. O estado também é o primeiro no ranking de mortes em conflitos agrários, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Em meio a essa situação, duas militantes do Movimento, lideranças da luta pelo direito dos atingidos por barragens, tiveram que fugir de casa e se esconder diante de ameaças.
Duas visões sobre a Amazônia
Consideramos que há dois modos antagônicos de olhar para a Amazônia. O primeiro é o das grandes empresas e governos alinhados com a ideologia do neoliberalismo, que enxergam a região como fronteira para expansão do capital transnacional e aumento dos lucros, sem se importar com a preservação de recursos estratégicos para a vida no planeta. Entendemos que esse modelo não afeta somente as populações e o meio ambiente local, mas o conjunto da sociedade, seja pela perda de um patrimônio que é do povo, seja pelos impactos sociais e ambientais que afetam o conjunto da sociedade.
O outro olhar, oposto a esse, é o olhar dos ribeirinhos, indígenas, quilombolas, pequenos agricultores, operários, nativos e migrantes que vieram a essa região de todos os cantos do país em busca de uma vida melhor. Esse olhar vê o ser humano em convivência com a floresta. Esse é o olhar dos saberes tradicionais, que cultiva as sementes, promove alternativas agroecológicas, conhece os rios e os peixes, que tem uma cultura riquíssima expressa na música, na alimentação, no artesanato, nos costumes.
MAB na Amazônia
Os atingidos por barragens na Amazônia organizados no MAB partilham desse mesmo ponto de vista. Por isso, lutamos e nos organizamos nas regiões onde as barragens deixaram o rastro de destruição e também onde há ameaças desses projetos.
Foto: Joka Madruga
A diversidade de impactos na região Amazônica, bem como as distâncias entre as regiões, colocam diversos desafios à articulação e à organização dos sujeitos para a defesa e promoção dos direitos humanos. Dessa forma, o MAB tem atuado junto com outras organizações da região de forma a se contrapor a esse modelo implementado, na denúncia da violação de direitos humanos, dos impactos sociais e ambientais, na organização das famílias na defesa de seus territórios, na implementação de práticas sustentáveis no uso dos recursos naturais, na formação e informação com a sociedade, a fim de construirmos coletivamente, mecanismos de ação e defesa dessa grande riqueza natural.
Defendemos que esse patrimônio seja do e para o povo, sob a lógica do uso sustentável e a serviço das reais demandas de toda a sociedade. Por isso, a nossa luta em defesa desse território e desse patrimônio deve ser de todos e todas que estão preocupados com o futuro do planeta e das gerações.
Ajude a população atingida por barragem na Amazônia. Você pode doar por cartão de crédito acessando o link abaixo:
Fonte: MAB.
Fonte Foto de Capa: Joka Madruga.