O segundo dia de julgamento sobre ensino religioso nas escolas públicas mostrou ministros do Supremo Tribunal Federal divididos sobre promoção de crenças em sala de aula. Com 3 votos a 2, o caso foi suspenso e só voltará a pauta do plenário no dia 20 de setembro. Ainda restam os votos de seis ministros. O consenso até agora é que a matrícula tem que ser facultativa. A principal divergência, no entanto, é se o ensino deve ou não ser de natureza confessional, ou seja, vinculado a religiões específicas e lecionado por representantes.
Relator do caso, o ministro Luís Roberto Barroso (leia a íntegra do voto) defende que o ensino deve ser amplo, desvinculado de crenças e não deve ser lecionado por representantes de religiões, como padres e pastores. Essa tese entende que deve ocorrer exposição das doutrinas, história, práticas e dimensões sociais das diferentes crenças, assim como do ateísmo e do agnosticismo. Barroso foi seguido na sessão desta quinta-feira (31/8) pelos colegas Rosa Weber e Luiz Fux.
Os ministros Alexandre de Moraes (leia a íntegra do voto) e Edson Fachin seguiram outro caminho e votaram pela improcedência da ação. Os dois entendem que deve haver previsão para que o ensino seja confessional e lecionado por representante de religião para não representar uma censura aos dogmas religiosos e nem ferir a liberdade de expressão.
Os ministros discutem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439, na qual a Procuradoria Geral da República discute artigo 210 da Constituição e dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação que tratam do ensino religioso. De acordo com o IBGE, existem no Brasil 140 religiões diferentes e alternativas.
Na ação, o procurador-geral da República pede, com fundamento no princípio da laicidade do Estado, que o STF assente que o ensino religioso em escolas públicas deve ter natureza não confessional, com a proibição de admissão de professores na qualidade de representantes das confissões religiosas.
O MPF ainda requer interpretação conforme a Constituição do artigo 11, parágrafo 1º, do acordo firmado entre o Brasil e a Santa Sé sobre o Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, para assentar que o ensino religioso em escolas públicas só pode ser de natureza não-confessional ou, caso incabível, que seja declarada a inconstitucionalidade do trecho “católico e de outras confissões religiosas”, constantes no artigo 11, parágrafo 1º, do acordo.
A tese lançada por Barroso é a seguinte: “o ensino religioso ministrado em escolas públicas deve ser de matricula efetivamente facultativa e ter caráter não confessional, sendo vedada a admissão de professores na qualidade de representantes das religiões para ministrá-lo.”
O artigo 210 da Constituição fixa que serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. Sendo que: o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental e que o curso será “ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.”
Para Alexandre de Moraes, o Estado não pode impor miscelânea, obrigando que pessoas que professam fé diferentes sejam obrigadas a assistir. “O ministro da Educação baixaria uma portaria com os dogmas a serem ensinados, em total desrespeito à liberdade religiosa. O Estado deve ser neutro, não pode escolher da religião A, B ou C, o que achar melhor, e dar sua posição, oferecendo ensino religioso estatal, com uma nova religião estatal confessional. Não é essa a ideia da Constituição”, afirmou.
Depois de um longo voto do colega, Barroso pediu a palavra e rebateu. “Religião é da vida privada. O que o Estado fará é que na aula de religião se ensinará os fundamentos. Não é montar religião. É ser fiel aos princípios de cada religião e expor. A ideia não é doutrinação”, afirmou.
O ministro Edson Fachin disse que a liberdade religiosa implica também na liberdade de manifestar a sua religião. “É incorreto afirmar que a dimensão religiosa tem a ver apenas com o espaço privado. O que não significa que o espaço público possa ser fundado em razões religiosas. Não se pode esquecer do Pacto de San José. A barreira não é do espaço público, mas do institucional. A separação entre Igreja e Estado não pode implicar o isolamento dos que guardam a sua religião. Laicidade não se confunde com laicismo”, afirmou.
Seguindo a posição de Barroso, a ministra Rosa Weber afirmou que religião e fé dizem respeito ao domínio privado, e não público. “Neutro há de ser o Estado.”
Luiz Fux afirmou que a religião não confessional é a única apta a promover gerações tolerantes que possam promover harmonia. “É absolutamente inverossímil a possibilidade de os colégios oferecerem professores para 140 religiões. O direito vive para o homem, para a realidade. São 140 religiões. Evidentemente que o Estado não tem condições de contratar professores para lecionarem 140 religiões”.
Fonte: https://jota.info/justica/ministros-do-stf-divergem-sobre-ensino-ligado-a-religioes-31082017