O que explica o crescimento da direita? Reflexões de pé de página

Por Douglas Rodrigues Barros.

Semana passada um instigante e detalhado artigo publicado no The intercept Brazil[1] trouxe à tona aquilo que intuíamos, mas que, não obstante, carecia de um estudo mínimo que desse nome aos bois. O bom trabalho jornalístico de Lee Fang cumpre uma lacuna existente entre a forma aparente da atuação da direita – os meios de divulgação, a violência implicitamente contida nas suas mensagens, o trabalho de distorcer conceitos e fatos históricos, etc. – e sua estruturação material fornecida por grandes grupos empresariais, por meio dos think tanks financiados pelo Departamento de Estado e o National Endowment for Democracy (Fundação Nacional para a Democracia – NED), braço crucial do soft power norte-americano.


Todos aqueles que se preocupam com o caráter de desagregação social levado adiante por essas organizações, que atuam na tentativa de pulverização das forças políticas instituídas para engendrar uma abertura ao capital financeiro, deveriam ler este artigo que desnuda a atuação e financiamento de várias forças da direita – de conservadores à extrema direita – além do próprio MBL, Instituto Millenium et. caterva.

Com essa matéria, portanto, fica evidente que as formas de atuação da burguesia para deter avanços contrários aos seus interesses permanecem seguindo a fórmula de financiar sabujos que rezam seu credo, como as palavras de Schüler[2] deixam transluzir:  “O sistema previdenciário é absurdo, e eu privatizaria toda a educação”. Vale ressaltar ainda que a matéria surgiu coincidentemente na mesma semana em que a extrema direita estadunidense fez uma vítima fatal e, numa demonstração horrenda, acenderam tochas aquecendo todos os velhos fantasmas que o multiculturalismo identitário não conseguiu exorcizar.

Apesar dos elogios que faço ao artigo, entretanto, há duas coisas que se distinguem nele que gostaria de trazer para discussão com os leitores. A meu ver, duas ocorrências incômodas, que fazem parte do modo como se configurou a disputa política e o debate no interior dos pressupostos da sociabilidade “neoliberal”.

Em primeiro lugar, o uso da palavra “política socialista” – socialismo como algo correspondente às políticas aplicadas pelo governo do PT e pelos governos dito de esquerda na América Latina – juntamente com a alcunha de “libertários” dada aqueles que creem na utopia de mercado. Em segundo lugar, a redução conceitual perpetrada pela direita por meio das excepcionais alterações semânticas que limitam a prática política. Falarei desses limites não necessariamente na ordem acima exposta.

A respeito do termo “libertário” é preciso salientar que a disputa por esse conceito – originário da esquerda radical – visa incutir a ideia de que liberdade só é possível no interior das relações de mercado. Essa prática de redobrar os conceitos e distorcê-los à sombra de políticas pintadas de escolhas subjetivas – tão denunciado pelo socialista George Orwell – é historicamente conhecida. Da mesma forma, tomar para si formas de ação que eram da esquerda – como sair as ruas, fazer ocupações de espaços, etc. – é uma prática que remete aos anos 1920-30. O leitor atento já deve reconhecer os protagonistas dessas ações, oculto o adjetivo para não gastar. A crença no mercado também não é coisa nova.

Desde que o capitalismo grassou no mundo, a utopia de mercado acompanhou seu desenvolvimento. A mão invisível de Adam Smith não seria aquela força utópica capaz de regular sob condições ideais uma alocação eficiente de recursos escassos? Já em 1848 quando as ruas de Paris ardiam pela revolução que entronou a burguesia bancária surgiriam os primeiros embates entre socialistas e liberais. Estes últimos, que tinha no Journal des Économistes sua expressão, condenavam os socialistas como aqueles que “empurram os poderes públicos a adotarem medidas artificiais incoerentes, prejudiciais e ruinosas” (Journal des Économistes, 1848, p. 2). Nada tão diferente de hoje.

Nesse sentido, deve-se ter claro que aqueles que adotam o mercado como um deus a ser seguido, a despeito da tragédia diária que esta forma de sociabilidade proporciona, não devem ser entendidos como sujeitos egoístas, senão como indivíduos que acreditam que o mercado é o melhor para a sociedade. Parece, assim, ser mais interessante buscar os fundamentos dessa fé para depois no interior de suas “teses” desmontá-las.

Mesmo com o reforço dessa crença algo, não obstante, fugiu do controle da cúpula burguesa. Vimos que a crise iniciada em 2008 implodiu por dentro a teologia, mas quanto mais se desnuda o deus, mais desesperador para seus fiéis é a falta de sentido que daí advém e mais se agarram ao cadáver. Como um jogo de cartas assistiu-se no outono de 2008 a queda sequencial dos grandes bancos de investimento em Wall Street. Quando o Lehman Brothers ruiu sob a ficção solenemente produzida e vivida por seus investidores, apresentou-se, finalmente, uma nova esquina da história. Toda essa implosão tem, todavia, precedentes anteriores:

Na lengalenga do mercado como o melhor para a sociedade ninguém pôde garantir que os reinvestimentos feitos pelos capitalistas retornassem à expansão da produção. Como isso não era mais interessante dado o baixo retorno imediato que os investimentos teriam sobretudo depois dos anos 1970, o capital deixou de “gerar e internalizar a sua própria demanda efetiva”. O resultado dessa lógica foi o crescimento do famoso exército de reserva, horda de desempregados que no início do século XXI impôs a muitos trabalhadores as áreas precarizadas, o constante crescimento e expansão do processo de terceirização no Brasil.

O fenômeno da globalização trouxe um limite geográfico a expansão e manutenção da taxa de crescimento de capitais, a tecnologia por sua vez, colocou um limite social ao trabalho como fonte de manutenção do consumo e processo de circulação de mercadorias. Com todas as suas contradições, a centralização de capital e seu progresso se autonomizaram “do incremento positivo de capital social”.

A teologia do mercado, porém, financiada pela alta burguesia, sobrevivente a despeito de seu cataclismo, passou a fornecer ainda mais cultos, palestras e dinheiro para convencer das benesses e perenidade do capital. Destacado da produção real, porém, a acumulação de capital tornou-se fictícia e o seu caráter abstrato se sobressaiu sobre seu caráter concreto de geração e produção de riquezas.

Além dos aspectos materialmente traumáticos da crise – como a expulsão de famílias inteiras de seus lares que não podiam pagar suas hipotecas – ela poderia ser vista também como a quebra da ideologia dominante. Nos EUA o processo de favelização e a ruína de grandes cidades levaram os trabalhadores, diante do vazio de uma esquerda radical, para os braços neofascista. Não havia qualquer organização revolucionária a altura do processo revolucionário, o que abriu caminho para a extrema-direita e sua retórica belicosa.

Isso desnuda a utopia de mercado propagada como ferramenta da burguesia no tabuleiro da luta de classes. Nós, não obstante, assistimos indefesos os Estados salvarem os grandes capitalistas, isso a despeito da crença de seus fiéis que o Estado não deve intervir na Economia. Desse modo, um novo processo cujo impacto social é ainda mais grave começou a ser produzido ao redor do globo: o inchaço nas dívidas públicas.

Tal processo, já conhecido e visto até mesmo pelo bom burguês Thomas Piketty levou a resultados desastrosos: a taxa de rendimento do capital passou a ser por um longo período muito mais alta que o crescimento da economia, levando ao forte crescimento da desigualdade[3] e a oligarquização da economia. A crise tornou-se afinal um bom negócio tanto como forma de governo quanto para os negócios

Ademais, ainda sob influxo do vácuo gerado pela aniquilação do “socialismo realmente existente”, o imaginário político se prendeu cada vez mais as formas de gestão imposta pela “vitória” do capital.

No Brasil, como mostra Christian Gilioti, estávamos numa encruzilhada entre “a construção de uma Nova República, de tipo burguês, no entanto, comprometida com os direitos sociais e impulsionada democraticamente pelas massas operárias e pelos movimentos populares do campo e da cidade que se reorganizavam durante a “transição”, ou a absoluta sujeição ao regime neoliberal, inteiramente alinhado ao imperialismo dos EUA, cujas diretrizes gerais foram implementadas na Inglaterra por Margareth Tatcher, na década de 70, renovadas e consagradas em 1989, pelo Consenso de Washington[4]. Não se pode dizer que a nova república já nasceu com esses dispositivos latentes? Os anos 90 não foram marca distintiva de um processo cuja ausência de alternativa trouxe, em especial para América Latina, formas neoliberais de organização e estruturação produtiva algumas trajadas de políticas progressistas?

Vale ressaltar que as formulações do Consenso foram aquelas que impulsionaram as think tanks financiadas pela grande burguesia ao redor do globo. As organizações de direita passaram a atuar como braços propedêuticos da tentativa de um consenso social pró-mercado. Enquanto isso, a luta entre Capital/ trabalho encontrava aqui sua resolução na redemocratização que culminaria nos anos FHC e posteriormente no lulopetismo.

Como disse noutro lugar[5]: fora erguido um projeto determinante para a ofensiva do capital, qual seja: em primeiro lugar, a imposição de austeridade monetária com intuito de integrá-las às políticas de ajustes macroeconômicos. Em segundo, políticas que envolviam o sucateamento de serviços públicos para a construção de consenso sobre a eficiência da privatização. E acima de tudo um projeto nacional de conciliação de classes que imprimiria um retrocesso nas agendas das esquerdas institucionais.

Em suma, para essa esquerda não havia mais horizontes para além do Capital, ao mesmo tempo que, sua gerência dos recursos públicos esbarraria nos limites da crise facilitando os ataques da direita organizada. Anestesiados pelas formas de gestão política a distância das bases marcou o apogeu do maior partido de esquerda do mundo, abrindo caminho para as reacionárias igrejas neopentecostais, a ilusão com o consumo e a raiva contra qualquer posicionamento de esquerda.

Para esquerda que fora hegemonizada pelo PT – contrariamente a afirmação de Lee Fang não desenvolveu politicas socialistas senão algumas benesses que melhoravam a circulação e os investimento no capital nacional – perdia-se de vista qualquer possibilidade de uma transformação realmente emancipatória e efetiva, ou era cinicamente deixada para “a melhor hora”. Ao mesmo tempo distante da realidade efetiva, o pós-modernismo entrava em cena contra a totalidade “homogeneizadora e totalitária” do processo revolucionário e do conceito de classes.

Já estávamos jogando na casa do inimigo, agora, jogávamos com as regras do inimigo. Nossa própria gramática tornou-se a gramática do império e nossos limites estavam determinados pelo mercado. O apego a esses limites foi determinante para aquilo que Paulo Arantes sabiamente chamou de contrarrevolução sem revolução.

Nesse sentido, é preciso ter algo claro: 1) O PT e os governos de esquerda da América Latina não eram socialistas apesar de algumas medidas que realmente contribuíam para diminuição da desigualdade cujo caráter era francamente voltado para dinamizar a economia; 2) os libertários de mercado acreditam num deus que deixou claro que o laissez-faire leva a desagregação social. Ambos se tocam em sua crendice de se respeitar os limites do jogo. É preciso, pois, implodir esses limites baseado no formato imposto pelo inimigo histórico da classe, tarefa de uma organização revolucionária.

A falta de alternativas e adoções de uma postura realmente emancipatória por parte da esquerda, que amedrontada se refugia na negação de seus próprios fantasmas, está levando o mundo inteiro ao abismo.

Há ainda outro instigante texto intitulado Sobre a necessidade de se rebelar: apologia ao motim, crítica à revolução[6] de meu camarada Ramon Brandão que teço doravante algumas críticas por entender que nas entrelinhas desse artigo se oculta outro elemento de nossa fraqueza. O artigo em questão traduz uma postura sintomática que grassou e foi o paradoxo de grande parte da esquerda: a afirmação de microestruturas que pelo seu caráter “guerrilheiro” não são absorvidas.

Em todo texto, por mais original que soe ser, fantasmas circundam suas entrelinhas, vozes orquestram sua composição e teses de gente morta dão acabamento a sua forma. Nada diferente com o texto de Ramon, implicitamente a voz do conceito de história nietzsche-deleuziano se distende em suas linhas. Voz mais ou menos bronzeada pelo cientista político brasileiro que compreende a história no círculo mítico de um eterno retorno, “cada vez mais aprimorado, cada vez mais preciso, cada vez mais invisível e, por isso mesmo, cada vez mais presente”. Não obstante a teleologia que se encontra nessa percepção para não cairmos na crítica materialista vulgar tentemos ver aí o que tais pressupostos figuram.

Aos dezessetes anos influenciado pela filosofia “quase-hegeliana”[7], Nietzsche escrevia: “na medida que o homem é arrastado nos círculos da história universal, surge essa luta da vontade individual com a vontade geral; aqui se insinua este problema infinitamente importante, a questão do direito do indivíduo ao povo, do povo à humanidade, da humanidade ao mundo; aqui se acha também a relação fundamental entre fado e história”[8]. Tal relação permeia cem anos depois as linhas de Ramon; as agruras entre indivíduo e sociedade, entre sociedade e Estado, entre possibilidade de revolta e absorção se colocam entre o fado e a história.

É então que a suspensão, aquilo que chama de motim, é o único momento ambicionado por uma individualidade que necessita interromper a “maquinaria violenta” que congela qualquer potência de transformação. Nesse caso, anêmico, o motim seria a bebedeira e a revolução a ressaca.  Ao abordar a história e o Estado, porém, abstratamente, o argumento perde-se numa ótima retórica, de fato, bem construída e sensual. Mas, poderíamos igualmente cometer uma diabrura: e se invertêssemos a temática e apostássemos que o motim é aquilo que realmente é absorvido? Sabemos que o motim realizado numa prisão não constitui nenhuma emancipação senão melhores condições para continuar prisioneiro.

E, se talvez essa concepção fosse só um lampejo anêmico de alguma mudança que ao invés de barrar as estruturas do poder, dinamizam-na? Tal conclusão não corrobora com a ideia do próprio autor ao dizer que: “Ademais, em seus relâmpagos, tais experiências proporcionam vitalidade, intensidade e potência de maneira a transformar toda uma vida individualmente […] É aí, então, que aquela maquinaria com suas botas bem lustradas retorna – afinal, o eterno retorno é implacável – e percebem que algo mudou, que trocas e interações ocorreram nas experiências cotidianas e que isso, efetivamente, constituiu alguma diferença”. Alguma diferença em qual sentido? O eterno retorno é realmente um retorno?

Tais pressupostos não lembram o escarnio de Hegel ao avaliar as figuras do ativismo romântico chamado de lei do coração[9]? De um lado, a efetividade do Estado forja suas leis e costumes pela qual a individualidade é oprimida: uma ordem violenta no mundo. Por outro lado, existe uma humanidade que padece sob essa lei que não consegue seguir a lei do coração e está submetida a uma ordem estranha. Para a individualidade que busca no motim sua realização, essa efetividade aparece como uma lacuna entre sua individualidade e a verdade “de microcosmo ativo dos antigos sonhos de liberdade”.

Essa individualidade quer superar a necessidade que vai contra sua lei do coração. É a seriedade de um alto desígnio que procura seu prazer na produção do bem da humanidade e acredita que seu prazer é universal e está em todos os corações. A lei do Estado se opõe aos altos desígnios e, claramente, a humanidade não vive na unidade bem-aventurada, mas no sofrimento. Ora como o Estado está separado dessa individualidade é para ela somente uma aparência que deve perder o poder e a efetividade. O indivíduo amotinado busca então criar novos espaços e dispositivos para que “as transformações ganhem vida nos momentos de motim”.

Nessa efetivação, porém, aquilo que o motim buscou se realiza, ou seja, a lei do coração torna-se a própria relação que deveria ser superada, tal como presos que queriam colchões novos e o obtém para bom andamento do presídio. Por isso, deixa de ser lei do coração, pois, é absorvido em seus pressupostos pela universalidade do Estado, a qual esse coração é indiferente. Conclui Hegel: e o indivíduo ao estabelecer sua própria ordem não a enxerga como sua, a lei que o motim acabou de conquistar, o direito que acabou de legitimar aparece ao indivíduo amotinado como algo estranho.

E aqui a argumentação do Ramon Brandão exibe seu calcanhar de Aquiles: “nosso grande trunfo estará em nossa invisibilidade. Ocultação que não se fará ver pelo Estado exatamente por não se permitir definir pela História”. A invisibilidade é conquistada no mesmo instante em que o motim se concretiza, o indivíduo é absorvido pela maquinaria que se dinamizou pelo resultado de seu agir e a história continua agindo por trás das costas dos indivíduos. Por meio do motim sabemos como se volta contra o indivíduo a universalidade efetiva. Sua ação pertence ao universal, porém seu conteúdo é a própria singularidade que quer se manter enquanto tal, mas já perdeu-se.

Não podemos apontar diversos exemplos concretos em que essa definição hegeliana se tornou força material: 1968, ou mais recentemente, junho de 2013, ou ainda o Occupy? Não podemos devolver a pergunta ao autor? O motim tão propalado ao redor do mundo, da Grécia à Istambul, passando pelo Rio de Janeiro e Brasília, tem nos levado a algum lugar?

As mesmas provocações de Ramon, no entanto, aparecem nos belos livretos do Comitê Invisível[10] que não tenho como abordar em suas especificidades senão tirar das sombras essa característica singular ao texto. Sei que tal pressuposto se baseia numa tática e aqui exprime-se a verdade de sua posição: uma tentativa de resposta que se afaste das carcomidas formas de organização imperante na esquerda.

“Assumamos que a equação homem deu errado”, diz Ramon “ou transformemos de uma vez por todas, o mundo”. Aqui podemos cometer outra diabrura, tais posições não são excludentes, pelo contrário, é exatamente porque a equação do homem deu errado que se necessita transformar o mundo. O homem como um sujeito fantasmático e incompleto, um não-idêntico perpétuo que movimenta-se, é um desvio da natureza que nega a própria natureza.

E aqui o elemento do trágico nietzschiano tem sua razão de ser, o aspecto contingencial da história é o que fundamenta a liberdade humana na construção do seu destino e não a essencialização que o autor comete quando declara que “as revoluções, por mais – ou menos – virtuosas que sejam suas ideias, não passam de uma armadilha do destino, de um pesadelo no qual, não importa o quanto lutemos, sempre seremos capturados e submetidos ao infinito ciclo da roda cármica de um eterno retorno que incuba Estados e governos”.

Tudo bem, mas a roda cármica de um eterno retorno é bem melhor que a roda da tortura da idade média. Esse olhar retroativo que reconfigura o passado não implica numa teleologia, mas, é a compreensão, óbvia em todo caso, de que de fato avanços foram obtidos com a instauração da Revolução Francesa, do Estado Burguês e com a moderna divisão do trabalho por meio da Revolução Industrial. A negação abstrata do Estado sem sua complementaridade no capital leva a indícios de obscurantismo romântico na própria crítica e, por sua vez, o motim como fim em si mesmo permanece no registro do capital e é muito bem-vindo.

Disso chegamos à conclusão que a crítica da economia política continua sendo o pressuposto de toda crítica.  O Estado, ao contrário do que implicitamente diz Ramon, nem sempre existiu e pode desaparecer. Aliás no atual estágio ele cumpre a função mínima de desviar a riqueza produzida socialmente para os bolsos da elite e socializar os prejuízos, o que indica que a morfologia de seu funcionamento está se esgotando e isso desnuda um problema interessante: se, capital e estado se complementam, o esgotamento de um, ao mesmo tempo, pode ser o de outro, implicando uma emergência revolucionária. Muito embora, no atual cenário se o Estado ruir – coisa que os neoliberais definitivamente não desejam – restariam feudos e corporações.

Nesse ponto é preciso que a esquerda esquerdize-se e assuma seus fantasmas. É preciso que novamente a tradição de todas as gerações mortas oprimam como um pesadelo nossos cérebros, que conjuremos ansiosamente em nosso auxilio os espíritos do passado. Sem a atávica abstração nem romantismo que inevitavelmente jogam lenha na fogueira da direita, mas partindo do reconhecimento das necessidades político-econômicas e de organização revolucionária, algo que sabemos não estar alicerçada em formas individualistas de ação ou na utopia de inclusão pelo mercado. Algo sem o qual a direita continuará a crescer… Talvez, tudo isso ou nada disso explique o crescimento da direita.


[1] Esse artigo é imprescindível para aqueles que desejam compreender o fenômeno da direita atual, seus grupos de financiamento, sua estrutura e forma de militância https://theintercept.com/2017/08/11/esfera-de-influencia-como-os-libertarios-americanos-estao-reinventando-a-politica-latino-americana/?comments=1#comments

[2] Fernando Schüler, acadêmico e colunista associado ao Instituto Millenium.

[3] Conferir em: PIKETTY, T. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014 p. 368.

[4] Conferir em http://www.revistacampoaberto.com.br/2017/08/16/guerra-declarada-ii/

[5] http://passapalavra.info/2017/08/114769

[6] https://www.pragmatismopolitico.com.br/2017/05/necessidade-rebelar-apologia-revolucao.html

[7] Entendemos que depois da morte de Hegel houve uma pacificação de sua filosofia que fora desvirtuada de seu princípio francamente subversivo a partir de Schelling, por isso o quase-hegeliana. Tal modo de concepção da filosofia de Hegel, no entanto, como sabemos influenciou uma gama enorme de pensadores e só muito recentemente, o núcleo subversivo fora recuperado.

[8] NIETZSCHE, F. Fado e história p. 165 (in: ______________. Genealogia da moral; uma polêmica. São Paulo: Companhia das Letras, 1998

[9] Noutra parte, no tom bem humorado e suábio Hegel despenca: “esses rapazes, brigam, lutam e se amotinam para logo depois se casarem!”­­

[10] http://dazibao.cc/wp-content/uploads/2015/11/A-insurreic%CC%A7a%CC%83o-que-vem-CI.pdf

https://we.riseup.net/assets/262783/AosNossosAmigos2014.pdf


*O autor acabou de publicar o livro Cartas Estudantis, é doutorando em filosofia política pela Unifesp e membro do CEII.

Fonte de texto e foto:Lavra Palavra.

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