Por Nicolas Autherman.
Os desastres humanitários não são catastróficos para todos. Escritórios de auditoria, vendedores de cartões de débito ou grandes fabricantes de móveis: assim que um campo é aberto, empresas correm em direção a uma “indústria da ajuda”, cujo volume anual ultrapassa 25 bilhões de euros
Como em todos os salões internacionais, os estandes estão cobertos de cartazes com cores vivas, fotografias atraentes e recepcionistas bem vestidas. Homens elegantes de terno trocam ostensivamente seus cartões de visita. Entre os displays, grandes maquetes de contêineres com design impecável; cidades em miniatura nas quais reinam a ordem e a limpeza. “Posso lhe enviar todas as informações a respeito de nossos campos. Mineiros, petrolíferos, militares ou de refugiados: como quiser”, anuncia orgulhosamente Clara Labarta, representante da empresa de logística espanhola Arpa, a um homem que se diz simplesmente enviado de um “governo africano”. Atrás de seu estande, uma grande fotografia de um campo de base que reúne diversos tipos de barracas e helicópteros. “Trabalhamos sobretudo como fornecedores de equipamentos militares para o Ministério da Defesa espanhol, mas estamos aqui para entender o mercado humanitário. É um mercado muito complexo, com todo tipo de agência”, prossegue.
A feira organizada em paralelo à primeira Cúpula Humanitária Mundial da ONU, em maio de 2016, em Istambul, reuniu com forte publicidade mais de seiscentos expositores vindos do mundo inteiro. Ela testemunha uma evolução assumida pelas organizações internacionais encarregadas de campos de refugiados: a associação cada vez mais estreita do setor privado com a ação humanitária. Várias vezes por ano, em Dubai ou Bruxelas, gigantescos salões comerciais reúnem grandes agências da ONU, ONGs tradicionais e empresas privadas, da jovem empresa local às grandes multinacionais. Em Istambul, displays de vendedores de drones, lâmpadas fotovoltaicas e outros kits alimentares disputam espaço com os estandes das companhias de serviços financeiros MasterCard ou dos grandes escritórios de auditoria e de redução de custos de empresas, Accenture e Deloitte Consulting. Passamos por um representante da empresa de classificação on-line de serviços hoteleiros TripAdvisor ao longo de mesas-redondas consagradas aos deslocamentos de populações refugiadas.
“Esse é hoje um enorme setor. Alguns o chamam de ‘indústria da ajuda’. Sabemos que isso representa pelo menos 25 bilhões de euros por ano. Evidentemente, do ponto de vista comercial, há dinheiro a ganhar e, para essa indústria, uma nova eficácia a provar”, constata Ben Parker, que foi diretor até 2013 do Escritório para a Coordenação dos Assuntos Humanitários das Nações Unidas (Unocha) na Síria e no leste da África.
Bem visível entre as centenas de expositores, um estande particularmente cheio de empreendedores permite compreender melhor a lógica do trabalho. Ali se descobre uma barraca para refugiados contendo um falso equipamento para fazer chá e a reprodução fotográfica em tamanho natural de uma família síria particularmente graciosa. O estande é gerenciado pelo organizador principal dos campos no mundo, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Já a barraca é financiada pela célebre marca de móveis sueca Ikea. Per Heggenes, presidente da fundação do grupo encarregado pelo programa, mostra-se fascinado com seu novo produto, que evoca os kits de móveis vendidos habitualmente a particulares. “Ela não é transparente como as outras barracas e, portanto, preserva melhor a dignidade dos refugiados. Podem-se fechar as portas, há janelas, isolamento. Isso oferece uma qualidade de vida muito diferente a pessoas que estão deslocadas há muito tempo. […] O modelo é mais sólido; a longo prazo, acaba se tornando mais barato para o Acnur investir em nossas barracas.”
Desde 2010, a Fundação Ikea, localizada na Holanda, financia integralmente uma empresa de responsabilidade social: a Better Shelter (“melhor abrigo”). Com sede na Suécia, essa sociedade assinou com o Acnur um contrato para 30 mil barracas por um montante de cerca de 35 milhões de euros. O produto na forma de kit foi enviado aos campos de refugiados do Acnur na Etiópia, no Iraque, no Sudão do Sul e no Quênia. Para Heggenes, essa parceria comercial em nada se opõe ao espírito humanitário: “Para mim, não se trata de ‘obter lucro’ ou ‘fazer trabalho humanitário’, mas sobretudo de conseguir lucro por um lado e, ao mesmo tempo, alcançar desenvolvimento […]. De qualquer maneira, os benefícios que a Better Shelter gera devem ser reaplicados na empresa social ou em nossa fundação”.
Se a gigante sueca divulga hoje amplamente o sucesso de sua parceria em seus catálogos de móveis, Parker se mostra um pouco reticente quanto ao lugar que é atribuído a ela nos campos: “Quando eu trabalhava no Quênia, em 2011, houve uma grande seca na parte do país onde se encontra esse imenso campo de refugiados para somalianos, o campo de Dadaab. Eles nos disseram na época que a Ikea ia doar US$ 60 milhões apenas para Dadaab. E estava ligado com esse conceito de barracas, de abrigos mágicos que seriam construídos para fornecer aos refugiados condições de vida formidáveis. Será que na época o campo de Dadaab precisava realmente de novos designs de interior? Francamente, não acho isso. Às vezes, hoje, o setor privado tenta explorar novos mercados por meio do setor de caridade; é provavelmente isso que está acontecendo com a Ikea. Isso é bom em relação aos acionistas; já para os refugiados, não tenho tanta certeza”. Em 2016, a Ikea não era apenas fornecedora de barracas, mas também a primeira doadora do Acnur, num patamar de 32 milhões de euros.
Em Genebra, a imponente sede de vidro da agência da ONU abriga cerca de mil empregados, encarregados principalmente da gestão dos campos de refugiados para os países que não podem manter sua própria logística na área. Com uma particularidade importante: dependente oficialmente da ONU, a agência é na realidade financiada por algumas grandes potências que ditam sua política e prioridades. Em 2016, os Estados Unidos forneciam mais de 40% de um orçamento que beirava os 7 bilhões de euros. Tradicionalmente, a Alemanha, o Reino Unido, o Japão e a Suécia completam a cada ano o orçamento. “Colocamos em prática agora parcerias com o setor privado para termos mais eficácia”, explica Melissa Fleming, porta-voz da organização em Genebra. “Em certa medida, isso significa profissionalizar nosso trabalho. O sistema humanitário cresceu; tornou-se uma profissão trabalhar com isso.”
É uma profissão, porém, à qual faltam recursos. Para fazer economias, a agência criou em 2012 um ramo intitulado “Laboratório Inovação”, destinado a elaborar novas parcerias: a Ikea para o local de moradia, a empresa de entregas norte-americana UPS para a logística de urgência, e em breve o Google para a aprendizagem escolar. Questionado sobre o risco de ver essas empresas assumirem um lugar crescente nos processos de decisão, o Acnur responde invariavelmente que a participação financeira delas ainda permanece marginal se comparada à dos países. No entanto, as parcerias concebidas na origem como simples doações assumem novas formas. Segundo Parker, a agência se envolveu numa engrenagem da qual se torna difícil sair: “A Fundação Ikea prometeu dezenas de milhões de dólares para o Acnur. E agora ela enviou uma pessoa à Suíça para ver o que foi feito com seu dinheiro. No início, acredito que o Acnur imaginava poder simplesmente receber pessoal gratuito e doações. Ele está aprendendo que não é realmente assim que funciona o setor privado. […] As empresas não virão sem contrapartidas. O que dizer caso a Ikea, por exemplo, decida testar material nos campos de refugiados?”. E como reagir quando parlamentares europeus revelam, como ocorreu em fevereiro de 2016, que a Ikea está implicada num grande escândalo de evasão fiscal, escapando do imposto justamente nos países que permitem ao Acnur financiar seu orçamento (La Tribune, 13 fev. 2016)? A agência da ONU nunca ouviu falar disso…
Para além da utilidade mais ou menos real das barracas da Ikea, coloca-se a questão do modelo econômico e das forças políticas às quais se submete hoje a agência encarregada do destino de milhões de pessoas deslocadas interna ou externamente. No círculo fechado e quase sempre confidencial do trabalho humanitário, os Médicos sem Fronteiras, esses arautos de causas ignoradas que, nos anos 1970, partiam em grupos pequenos para montar centros de atendimento na África, se veem a partir de agora substituídos por gestores diplomados das escolas de comércio ou das faculdades de direito do sistema universitário globalizado. “Você não imagina quantos currículos recebo a cada dia. Um número incrível de pessoas quer fazer esse trabalho, sobretudo jovens que procuram um sentido para a vida e me dizem: ‘Não quero trabalhar mais em Wall Street’”, confirma Fleming. Para esses novos quadros do setor humanitário, com frequência alimentados pelas teorias econômicas neoclássicas, a substituição de velhas ONGs por empresas privadas, consideradas mais competentes, é óbvia.
No entanto, a renovação geral não saberia explicar por si esse avanço do mercado no âmbito de uma agência com responsabilidades cada vez mais extensas. A influência permanente do grande país doador que são os Estados Unidos pouco a pouco leva a agência a se conformar com o modelo gerencial dominante, que valoriza ao extremo a noção de eficácia e as matrizes de rentabilidade. Historiador dos campos de refugiados da Universidade de Glasgow, Benjamin White observa há alguns anos essa transformação: “Ao criarem uma lógica de financiamento por propostas, por definições e quantificações permanentes das necessidades, os países, principalmente os Estados Unidos, obrigaram a organização a funcionar como uma empresa, com seus serviços de marketing, ‘prestação de contas’ e avaliação, com um orçamento perene. As grandes ONGs, como a Care e o Norwegian Refugee Council, funcionam seguindo o mesmo modelo. Nesses casos, seria possível falar de empresas humanitárias”. Se a agência se recusa a admitir oficialmente essa influência norte-americana direta sobre seu modelo de gestão, sua porta-voz confessa, no entanto, que seu primeiro investidor realiza uma triagem entre as crises: “Não somos nós que escolhemos; são os nossos doadores que, por vezes, tomam essa decisão. Existem situações tão trágicas quanto as da Síria, por exemplo, no Sudão do Sul e na República Centro-Africana, mas os financiamentos só serão concedidos aos sírios”.
Na luz ocre da manhã, a terra empoeirada se ergue em gigantescas nuvens e faz balançar as roupas lavadas presas aos contêineres amarelados pelo tempo. Envolvidas por um deserto hostil, crianças brincam num balanço improvisado feito com pneus velhos. Longe da imagem suave e cintilante das maquetes do salão humanitário, o campo de Zaatari, aberto na Jordânia em 2012 pelo Acnur a menos de 15 quilômetros da fronteira com a Síria, abriga hoje mais de 80 mil refugiados desse país. Três anos após sua abertura, o Programa Alimentar Mundial (PAM), organismo da ONU encarregado da distribuição de alimentos, decidiu introduzir ali pela primeira vez em sua história a economia de mercado. Os pacotes alimentares foram substituídos por dois supermercados concorrentes: o Safeway – homônimo do gigante norte-americano – e o Tazweed, filial do grupo alimentar kuwaitiano que se dedica especificamente aos campos de refugiados. “O fato de haver dois supermercados com lógicas comerciais declaradas, nos quais se pode, com um dólar por dia, gastar o que se tem e o que se quer, transformou as pessoas em consumidoras felizes”, proclama Kilian Kleinschmidt, que dirigiu o campo por conta do Acnur entre 2013 e 2016 e defende ardorosamente esse novo sistema, segundo ele muito menos oneroso.
A economia informal que se desenvolvia aos poucos graças aos próprios refugiados dentro do souk de Zaatari teve de enfrentar a chegada desses novos atores com lógicas agressivas. Um cartão bancário virtual, provisionado pelo Acnur e pelo PAM até o valor de US$ 50 por mês para cada refugiado sírio, mas que só funciona nos dois supermercados concorrentes de Zaatari, permite aos novos “clientes” reencontrar as alegrias do consumo nesse tipo de estabelecimento. “Somos especializados nos campos. Já trabalhamos no Iraque e no Iêmen para o Acnur”, declara Laith Al-Jazi, chefe de desenvolvimento do grupo Tazweed, em meio às amplas prateleiras repletas de produtos importados do Kuwait. “Penso que a concorrência é de alguma forma salutar. Isso garante os melhores serviços, os melhores preços para os refugiados, ou ainda – me permita usar esse termo – para os beneficiários.”
Nesse mercado cativo, o PAM garante limitar os lucros dos dois supermercados a 5% de seu volume de negócios. Mas Kleinschmidt, hoje consultor independente e muito influente no setor, desejaria levar ainda mais longe esse sistema de terceirização privada e acabar com o modelo ultrapassado de serviço humanitário-providência. Por que não cobrar diretamente dos refugiados que abrem lojas nos campos os serviços humanitários que eles recebem? “E então? Você retorna em seguida a seu país de origem e pergunta a seu governo: ‘O que posso ter de graça?’. Aceitemos o fato de que qualquer coisa tem um preço e que o sistema econômico atual é baseado no fato de que qualquer serviço que você receba deve ser cobrado.” No início dos anos 1980, numa intervenção militante a propósito dos boat people do Vietnã, o filósofo Michel Foucault declarou: “Os refugiados são os primeiros presos do lado de fora!”. Seria ele capaz de imaginar que um dia eles iriam pagar por isso?
*Nicolas Autheman é jornalista, documentarista e codiretor de Réfugiés, un marché sous influence [Refugiados, um mercado sob influência], Compagnie des Phares et Balises, France 5, 2017.