Por José Álvaro de Lima Cardoso*.
O governo elevou a alíquota do PIS/Cofins, que incide sobre o preço dos combustíveis, o que provocará um aumento de 41 centavos por litro de gasolina, de 21 centavos por litro de diesel e 21 centavos no etanol. Com base no preço médio nacional da gasolina, de R$ 3,485, o aumento é de 11,76%, o maior pelo menos na última década. No óleo diesel, o aumento, sobre um preço médio de R$ 2,939, representa 7,1%. Elevação de preços de combustíveis numa matriz de transportes como a brasileira, provoca um rápido efeito multiplicador sobre preços da maioria dos bens e
serviços, o que gera uma pressão adicional de custos em alimentos, serviços em geral, transporte privado e público, e assim por diante.
Com a medida, que tem efeito fortemente recessivo, o governo calcula arrecadar adicionalmente em 2017, R$ 10,4 bilhões. Curiosamente, ao mesmo tempo o governo torra bilhões de reais para se manter a qualquer custo no poder. Segundo o que foi divulgado na imprensa, só com emendas para comprar votos na Câmara dos Deputados, foram gastos R$ 2 bilhões em dinheiro público. Segundo alguns cálculos, o conjunto de medidas do governo para impedir o impeachment de Temer e se manter no poder, representa gastos na casa das dezenas de bilhões. Neste montante está incluído o perdão de algo em torno de R$ 30 bilhões em dívidas de bancos privados, sendo que só para o Itaú, o valor chegou a R$ 25 bilhões, próximo do orçamento do bolsa família para 2017.
Ao reduzir a massa salarial e margens de lucros, o aumento de impostos agravará a depressão econômica, que corre solta pelo terceiro ano seguido. Será aumentada a transferência de riqueza da sociedade para o Estado, como ocorre em toda a elevação de tributos. O problema é que tal transferência não objetiva realizar investimentos em benefício da sociedade, visto que, com a aprovação da Emenda da Morte (EC 95) os gastos públicos estão congelados por 20 anos, em termos reais. Os montantes arrecadados com o aumento da alíquota de PIS/Cofins, serão, provavelmente, tragados pela ciranda financeira, que consome todo ano, mais de R$ 500 bilhões em juros e serviços da dívida pública. Inclusive porque, aumentar o montante de pagamentos da dívida foi uma das alegações do governo para a aprovação da Emenda Constitucional 95.
O duro é que o setor que, de fato, orienta medidas desse tipo, o sistema financeiro, tem noção de que elas não irão resolver nenhum dos problemas fundamentais do Brasil. Irão inclusive agravá-los, na medida em que os efeitos da depressão são distribuídos desigualmente para a população, fazendo com que os trabalhadores, e o setores produtivos, paguem o pato da crise econômica. Não é por acaso, aliás, que o imposto escolhido para aumentar a arrecadação poupa o setor financeiro, o que representa mais um assalto do setor financeiro aos setores produtivos
da sociedade.
Em boa parte, trata-se daquilo que o conjunto de medidas encaminhado tinha evidenciado desde o início do governo: nas medidas econômicas do governo não há só muita crueldade contra a população, especialmente contra o povo pobre do Brasil. Há também uma profunda ignorância sobre os fundamentos da economia e do
desenvolvimento, especialmente os relativos ao debate econômico recente no mundo. A ideia de que equilíbrio orçamentário deve ser um objetivo perseguido como um fim em si mesmo, que está por detrás das medidas do governo, demonstra uma pobreza abissal sobre a compreensão da economia brasileira. A economia passa a ser vista como simples contabilidade, ou seja, temas como melhoria de vida do povo, e desenvolvimento, ao invés de essenciais a qualquer projeto econômico do país, passam a ser encarados como secundários e sinônimos de gastos, apenas. A obsessão é o equilíbrio das contas, ignorando-se todo o mais, como se o pais fosse uma empresa.
Para essa concepção, o bem-estar da população, segurança alimentar, emprego, seguridade social, expansão dos índices de educação, tudo isso são aspectos secundários em relação ao equilíbrio das contas públicas. Há uma ausência total de pluralidade nos debates, e uma predominância da visão única, disseminada, na realidade, a partir dos interesses do capital financeiro. Esta hegemonia de uma única visão sobre economia, amplamente ideológica, tem levado a um rebaixamento no nível de debate econômico. Exemplo concreto: durante a articulação do golpe no Brasil, setores dominantes alegavam que a inflação estava muito elevada e seria importante acelerar o processo de
elevação da taxa Selic. Quando a inflação cedesse, seria então a hora de reduzir a taxa de juros. Essa tem sido uma história da carochinha repetida até a exaustão na mídia e que, pelo cansaço, acaba iludindo a maioria da população.
A prova de que essa é uma narrativa que visa enganar a população é que estamos com as menores taxas de inflação dos últimos anos, decorrência da maior recessão da história do Brasil. Segundo o raciocínio ortodoxo, num quadro de queda da inflação seria também a hora de reduzir taxas de juros. O problema é que taxas de juros reais atuais (isto é, taxa nominal menos inflação), são muito superiores às taxas vigentes em 2015 e 2016. Agora que a inflação está na casa dos 2,5%, por que a taxa de juros não é rapidamente reduzida? Qual o argumento para o Brasil praticar os juros reais mais elevados do mundo, cinco vezes superior à média praticada no mundo, em meio a maior depressão econômica da história?
O fato é que não há economia real que consiga se erguer num quadro contra o crescimento como o atual. Esse tipo de política, num contexto de queda da arrecadação e congelamento dos gastos – e aqui independe da escola de economia a que se pertença – é a fórmula mais rápida para o fracasso. São princípios elementares largamente conhecidos pelos economistas de uma forma geral, inclusive os do governo. Há muito de desconhecimento em várias das medidas adotadas pelo governo. Porém, neste caso não se trata disso, e sim de uma política deliberada de extorsão de riqueza da sociedade em benefício dos chamados rentistas, ínfimas 10.000 famílias, num país com 208 milhões de habitantes.
*Economista.