Corrente exagera ao comparar remunerações de professores e políticos

protesto-professores
Professores protestam contra a reorganização da rede estadual de ensino em São Paulo. Fotos Públicas

Por Patrícia Figueiredo, Agência Pública.

“Deputado – Salário: R$ 33.763, Auxílio:R$ 141.453.
Professor – Salário:R$ 1.856, Auxílio: vale-transporte e vale-alimentação.
Vamos dar um fim nas regalias dos políticos.” – Corrente de WhatsApp criada pela organização Monitora, Brasil.

ExageradoPropagada em mensagens de WhatsApp, a imagem acima compara o salário de professores e deputados e propõe o “fim das regalias dos políticos”. No entanto, dos três valores indicados na imagem, dois estão incorretos. A mensagem exagera o valor dos auxílios recebidos pelos deputados e não explica que boa parte desse montante deve ser empregado no pagamento de funcionários de gabinete. Além disso, o valor indicado como salário do professor está abaixo do piso nacional instituído pelo Ministério da Educação para o ano de 2017. Por isso, o Truco – projeto de checagem de dados da Agência Pública – concede à imagem o selo “Exagerado”.

O ícone no canto da imagem dá uma pista de sua autoria: é o símbolo do Monitora, Brasil. A organização surgiu a partir de um aplicativo homônimo, que se denomina “uma ferramenta que possibilita a qualquer pessoa pesquisar e monitorar o que os deputados federais estão fazendo na Câmara dos Deputados”. O app reúne informações como os gastos com cota parlamentar, o número de faltas em sessões e os projetos de autoria de cada deputado. A página da entidade no Facebook tem mais de 29 mil curtidas e faz postagens diárias sobre o cenário político brasileiro. Na página, são comuns os posts que fazem comparações entre políticos e trabalhadores como policiais e professoresUm dos posts mais curtidos é justamente o que inclui a imagem acima. O Truco entrou em contato com a organização solicitando a fonte dos dados usados por eles na imagem, mas não obteve retorno.

Salário do professor

O valor indicado na imagem como salário do professor está abaixo do piso nacional instituído pelo Ministério da Educação (MEC) para o ano de 2017. O piso salarial dos professores brasileiros sofreu um reajuste de 7,64% em janeiro deste ano. Com isso, o menor salário a ser pago a professores da educação básica da rede pública passou de R$ 2.135,64 para R$ 2.298,80. O número é 23% superior aos R$ 1.856 indicados na imagem.

O piso é a menor remuneração que uma categoria recebe pela sua jornada de trabalho. No caso do piso salarial nacional do magistério, esse valor é correspondente a uma jornada de 40 horas semanais. O reajuste é anual e acontece sempre em janeiro, de acordo com a Lei do Piso, de 2008. Professores da rede pública podem ganhar valores acima do piso de acordo com o tempo de serviço e o nível de formação.

No entanto, o próprio MEC reconhece que, em muitas cidades, parte dos professores da rede municipal recebe valores inferiores ao piso. De acordo com levantamento do ministério, só 45% dos municípios brasileiros pagam a todos os professores um salário igual ou superior ao piso nacional. Não há uma penalidade específica para o não cumprimento da Lei do Piso. A fiscalização fica a cargo dos Ministérios Públicos Estaduais e dos Tribunais de Contas Estaduais.

Após a determinação de reajuste do piso feita pelo MEC em janeiro, alguns estados promoveram reajustes de salário para a parcela de professores que recebe menos. Foi o caso dos governos de São PauloEspírito Santo e Goiás, por exemplo, que destacam o reajuste em notas oficiais.

Além disso, muitos estados que não cumprem rigorosamente a Lei do Piso pagam aos professores um completivo mensal aos educadores que estão nas faixas salariais inferiores ao piso. Assim, ainda que o pagamento do piso não seja cumprido no vencimento-base da categoria, como determina a lei, a remuneração dos professores fica igual ou superior ao mínimo determinado pelo governo federal. É o caso do estado de Minas Gerais, como mostra esta reportagem do jornal O Tempo. O governador do estado, Fernando Pimentel, promete que os abonos serão integralmente incorporados aos salários até julho de 2018. O mesmo ocorre no Rio Grande do Sul, onde os completivos geram um gasto anual de R$ 200 milhões, segundo nota oficial do governo estadual. A situação se repete no Pará, onde o governo alega que o salário médio dos professores é de R$ 4.694,12. Em reportagem feita pelo G1, o sindicato paraense da categoria afirma que os valores citados pelo estado levam em consideração a gratificação de escolaridade.

Apesar dos diversos estados e municípios que não cumprem a Lei do Piso, a média salarial dos professores brasileiros é muito superior ao valor usado na imagem para ilustrar o salário dos professor. Além do piso estabelecido pelo MEC, o Truco verificou também o relatório global “Education at a Glance”, divulgado em setembro de 2016 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O documento atesta que o salário mínimo médio dos professores no Brasil é US$ 12.337 por ano, cerca de US$ 1.028 por mês. O valor, ainda que superior ao indicado na imagem checada, é menos da metade da média salarial dos países membros da OCDE.

Remuneração de parlamentares

O primeiro valor indicado na mensagem é o salário de um deputado federal e ele corresponde exatamente à remuneração mensal bruta de um parlamentar brasileiro. Segundo dados do site da Câmara dos Deputados, o valor corresponde a R$ 33.763. De acordo com a Constituição, o valor do subsídio é o mesmo para deputados federais e senadores.

Ainda que acerte o valor do salário, a imagem exagera o montante recebido pelos deputados a título de auxílio. O valor da verba de gabinete disponível para uso dos deputados federais atualmente é de R$ 97.116, de acordo com o Ato da Mesa 117/2016. No entanto, esta quantia é destinada ao pagamento de salário para os 25 secretários parlamentares aos quais tem direito cada deputado. O valor não pode ser embolsado pelo deputado como auxílio, apenas empregado no pagamento destes funcionários. Portanto, não é possível incluir na rubrica “Auxílio” os R$ 97.116 correspondentes à verba de gabinete.

Além da verba de gabinete, destinada ao pagamento de funcionários, os deputados têm direito ainda a chamada cota parlamentar. A cota pode ser destinada ao pagamento de passagens aéreas, telefonia, serviços postais, manutenção de escritório de apoio, alimentação, hospedagem, locomoção, combustível, segurança privada, consultores e divulgação da atividade parlamentar. Os deputados devem apresentar notas fiscais que comprovem a utilização correta dos recursos. Desde julho de 2014, cópias digitalizadas dos recibos estão disponíveis no portal da Câmara, na área de transparência.

O valor dessa cota é diferente para cada estado porque leva em consideração o preço das passagens aéreas de Brasília até a capital do estado pelo qual o deputado foi eleito. Os valores vão de R$ 30.788, para deputados do Distrito Federal, até R$ 45.612, para aqueles eleitos por Roraima. Os valores para todos os estados também estão disponíveis no site da Câmara.

Além da cota parlamentar, os deputados podem receber ainda um auxílio-moradia de até R$ 4.253 por mês. O benefício é concedido apenas aos parlamentares não contemplados com imóvel funcional. A Câmara possui 432 imóveis funcionais destinados à residência dos deputados. A casa alega que 90% deles estão ocupados atualmente, ou seja, cerca de 388 deles estão sendo utilizados pelos 513 deputados federais em exercício atualmente. Assim, o número de deputados aptos a receber o auxílio-moradia corresponde a cerca de 25% do total.

Somando o valor da maior cota parlamentar possível, a do estado de Roraima, e o montante concedido a título de auxílio-moradia àqueles não contemplados com imóvel funcional, o valor total recebido por um deputado em auxílios pode chegar a R$ 49.865 por mês, valor inferior ao indicado na imagem que circula no WhatsApp.

Conclusão

Como a imagem superestima o valor dos auxílios recebidos pelos parlamentares brasileiros e apresenta um número abaixo do piso para os professores, o Truco concede à frase o selo “Exagerado”, já que a afirmação não usa dados certos, mas aponta um conceito verdadeiro ou uma tendência correta.

Entenda mais sobre a metodologia e sobre os selos de classificação adotados pelo Truco no site do projeto. Sugestões, críticas e observações sobre esta checagem podem ser enviadas para o e-mail [email protected] ou para o nosso WhatsApp: (11) 96488-5119.


Fonte: Agência Pública.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.