Vamos falar sobre drogas?

Por Adriana Marino.

O tema das drogas é um assunto complexo, permeado por tabus, mitos e pelo preconceito contra o usuário. Como profissionais de saúde, nesses casos, ocupamos um lugar que é o de oferecer-se a uma terapêutica que respeite o usuário, seja de álcool, tabaco, crack, benzodiazepínico ou café. A questão do uso, abuso e da dependência de drogas é um tabu, especialmente quando pensamos que a pessoa está atentando contra a própria vida. No entanto, atentar contra a própria vida não é crime e, enfim, a lei penal entende que esses “casos” são da área da saúde pública e coletiva, que recebe a incumbência de articular uma rede de cuidados intersetoriais: saúde, educação, habitação, cultura entre outros setores no contexto de um trabalho psicossocial.

Isso não quer dizer que, diante de um caso considerado grave, como risco de suicídio, o profissional da saúde possa ser negligente, empregando o argumento do sigilo profissional ou distorcendo o que se entende genericamente por “respeito”. É parte de sua corresponsabilidade contatar e buscar estabelecer laços sociais (muitas vezes difíceis) com a família e demais pessoas de referência significativa, para que se possa criar uma rede de cuidados, especialmente em situações emergenciais, de crise.

Este profissional da saúde, conforme os princípios que regem especificamente a sua profissão e no âmbito da saúde, priorizam sempre o respeito ao ser humano. Isso está presente desde a nossa Constituição Federal que afirma, inclusive, o direito à liberdade individual. Trabalhadores da saúde devem suspender (levantar, colocar numa parte superior, numa gaveta ou noutro lugar) os próprios preconceitos. Isso inclui nossos juízos de valor, como, por exemplo, aqueles que são oriundos das mais diversas crenças (religiosas ou não), ao que se considera ser “bom” ou “mau”, um “bem” e um “mal”. Desse modo, eu posso, como pessoa, ser contrária ao aborto, ao uso de drogas ou ao suicídio por questões, as mais diversas, porém, pessoais. No entanto, quando estou diante de um outro, um paciente, estes meus pré-conceitos são suspensos para que eu possa escutar o que vem desse outro, seus valores e, inclusive, seus próprios preconceitos.

No Código de Ética Profissional da Psicologia, por exemplo, reitera-se esse mesmo princípio, atentando igualmente contra qualquer forma de descriminação. As leis que vigoram no Brasil no que tange à saúde e saúde mental adotam princípios internacionais que priorizam os meios abertos de tratamento, a importância de que o tratamento leve em consideração o território onde a pessoa está inserida, suas redes formais (instituições que frequenta e confia) e informais (demais pessoas significativas para alguém) e, especialmente, a própria pessoa (seus valores, seu modo de pensar e de viver). Trazem também uma série de observações com relação ao cuidado quando se trata de uso de substâncias, ponderando como se deve conceber o emprego de internações (voluntárias, involuntárias e compulsórias). Pesquisa do Dartiu Xavier, psiquiatra da UNIFESP, que trabalha com o tema há mais de 20 anos, ressalta que 75% dos usuários de crack não são dependentes (do ponto de vista psicopatológico, técnico), sendo que somente 1% encontra-se como psicóticos – que é quando se recomenda a internação compulsória. Segundo reportagem concedida à Folha de São Paulo (maio/2017), a dependência não condiz com a indicação compulsória de uma internação, que “é uma ação excepcional, nunca uma política de saúde”.

No que se refere à Psicologia e, especialmente, às leis de saúde mental no país (como a da Reforma Psiquiátrica, a lei de drogas, do SUS entre outras) todas reconhecem a importância de estratégias redutoras de danos (RD). A RD não exclui a internação nem a abstinência! Ao contrário, entende-se que a internação pode ser um recurso importante e a abstinência um dos objetivos do tratamento. No entanto, a partir de pesquisas nacionais e internacionais sobre o tema, reconhece-se que internações e o objetivo exclusivo pela abstinência têm menos chances de sucesso terapêutico (percentualmente) que outras tantas possíveis estratégias. Inclusive, por meio da RD há mais chances de alguém se tornar abstinente. Seja qual for a estratégia a ser elaborada entre profissionais, familiares, a comunidade de forma mais ampla e o usuário (horizontalidade), o mais importante é ter opções em um tratamento.

Sabemos que a droga não é a causa dos problemas da vida de alguém. Ao contrário, como um sintoma, a droga é consequência de uma série de problemas, no sentido de “dificuldades” e “impasses” em uma vida. É uma questão de saúde pública e coletiva altamente complexa, onde não existem soluções simples e rápidas. Envolve educação, saúde (de maneira mais ampla), habitação, renda, cultura entre outros. Conforme a experiência do Parque dos Ratos, publicada nos anos 1970, descobriu-se que não é a droga que causa dependência, mas o ambiente. Num ambiente socialmente e materialmente rico têm-se muito menos chances de uma pessoa se tornar dependente de uma droga. Sabemos também, não só do ponto de vista histórico, mas de relatórios frequentemente publicados, como o último do CFP, que as clínicas para dependentes são novos manicômios. A lógica manicomial está presente na maioria das Comunidades Terapêuticas existentes atualmente no Brasil, com altos índices de denúncias de maus-tratos, tortura, além da frequente imposição de preceitos religiosos no âmbito de um tratamento que seria de saúde (é preciso respeitar as diferentes formas de religiosidade e, inclusive, a ausência dela).

sucesso terapêutico de uma internação, quando se considera a abstinência exclusivamente, é muito inferior que estratégias redutoras de danos. No geral, internações não voluntárias têm menos de 10% de alcançar a abstinência (mais de 90% recaem, geralmente agravando a forma de consumo de drogas e gerando sequelas psicológicas, familiares e comunitárias) o que, do ponto de vista da eficácia e da eficiência (inclusive, portanto, como política de Estado) é completamente insatisfatória. Sabemos o quanto temos de ter cuidado para realizarmos, juntamente com outros profissionais, com a família e o usuário, internações (quando elas são necessárias). Precisamos, igualmente, acompanhar esses processos (desde o começo ao fim e, na maioria das vezes, de novos começos e outros fins).

Precisamos diferenciar também, como profissional da saúde, os efeitos das drogas dos efeitos da proibição das drogasNão somos agentes repressores do Estado nem agentes morais de uma crença qualquer ou da opinião públicaUsuário (recreativo, abusivo ou dependente) não equivale à traficante (que, em nosso país, ainda é crime, levando-se em consideração que a lei de drogas de 2006 não estabeleceu quantidade específica para determinar tráfico, geralmente prendendo pequenos traficantes, a maioria pobre, negra, ré primária e com uma quantidade de droga equivalente a um pacote de queijo ralado). A consequência da proibição é o tráfico que engendra, como sabemos e por meio de pesquisas, uma série de consequências e entraves sociais, como a violência urbana e a impureza dessas substâncias (nunca se sabe, exatamente, o que se está consumindo e, dessa forma, seus efeitos). É preciso rever a lei de drogas no país e conhecer mais a fundo práticas e pesquisas que tratam do proibicionismo (sua história é muito importante), conhecer experiências que revelam conquistas com relação à descriminalização e regulamentação do uso de substâncias. A guerra às drogas é uma guerra que atinge somente pessoas, usuárias ou não, e foi reconhecida como fracasso desde os anos 1950. Vale a pena também conhecer práticas e pesquisas internacionais e nacionais no âmbito da RD (Portugal, por exemplo, as salas de uso, as práticas de substituição de drogas e o tratamento dado à desintoxicação). Nesse sentido, é muito importante atentarmos que as Comunidades Terapêuticas, as clínicas para dependentes, não são hospitais e não são equipadas do material necessário para desintoxicação. A desintoxicação deve ser feita em hospitais gerais, em leitos destinados à saúde mental, como já é previsto por lei.

Atualmente, critica-se muito o programa De Braços Abertos (DBA, criado na gestão Haddad), mas ninguém parece se lembrar que o programa Recomeço (criado pelo governo Alckmin) sempre esteve ali, lado a lado, com o DBA (além das inúmeras ONGs, associações religiosas entre outras). O Redenção, pelo que foi sumariamente divulgado, encontra-se na esteira do Recomeço, cujo enfoque é a da internação. No entanto, nem os profissionais do Recomeço recomendam a internação compulsória da forma como a gestão Dória pretende realizar. Se falhamos, falhamos todos nós. Mas não penso dessa forma. Pude acompanhar um tanto os sucessos e fracassos desses trabalhos na região da Luz (só posso chamar de “cracolândia” se o usuário com quem converso e escuto chama aquele espaço dessa forma, ele escolhe como quer nomear). Como toda política pública, o DBA e o Recomeço precisam ser avaliados (e foram!). O DBA apresentou resultados eficazes do ponto de vista da saúde pública e coletiva, expressivo em termos de redução de danos causados pelo consumo de drogas, além de ter sido pensado intersetorialmente e reconhecido internacionalmente (a inserção no mercado de trabalho não era apenas na varreção de rua, como foi mostrado pela mídia, mas, de qualquer modo, não há qualquer desvalorização nesse tipo de trabalho). Quanto às pesquisas do programa Recomeço, foram 13 mil internações (desde o início do projeto), somente 28 compulsórias, com laudo médico-psiquiátrico, aval do Ministério Público e Defensoria Pública. Inclusive o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CREMESP) já se posicionou com relação ao tema, dizendo que a prática desse tipo de internação compulsória generalizada, sem atender aos devidos critérios técnicos e artigos previstos pelo Código de Ética Médica, resultará em procedimentos no órgão do CREMESP.

maioria das pessoas da região da Luz mora em pensões, trabalha e nem todos são usuários de drogas (simplesmente moram lá e são todos pobres). A maioria dos usuários tem problemas com o álcool, a segunda droga mais consumida é o crack (que é uma parte bem impura da cocaína, mas esta é consumida majoritariamente pela classe média). A maioria vem do sistema prisional, de outras regiões de São Paulo e do Brasil, por isso crescia muito a população do local (ali era um espaço de acolhimento e reconhecimento social). Não encontraram oportunidades e tiveram seus laços familiares e sociais muito comprometidos (geralmente, antes de se iniciar o quadro de dependência). Sentem-se seguros ali. A rua é um lugar que algumas pessoas vivem, querem viver ou onde não encontraram outras alternativas para viver (mesmo que eu não considere bom para mim ou pra você). A maioria traz histórias de vida muito difíceis, muita pobreza, muita violência e falta de oportunidades. Dentre os usuários, a maioria encontra na droga prazer e alívio. Dos traficantes que conheci e conforme apontam pesquisas na área, todos relataram encontrar no tráfico uma forma de ganhar dinheiro, enriquecer e ter status social (não é muito diferente do que encontramos como valores em nossa sociedade e cultura, trata-se de um mercado, uma forma de inserção social).

As drogas sempre existiram, foram e são consumidas e têm relação com a busca pelo prazer e a diminuição do desprazer. Elas são usadas em contextos diversos, como em rituais, para estabilizar o humor, como formas de se divertir, aumentar o desempenho acadêmico, diminuir a tristeza entre outras circunstâncias. A maior parte do consumo de drogas se dá em termos de uso (desde experimentação ao uso recreativo) e menos em termos de abuso e, por fim, menos ainda, de dependência (que é quando a pessoa não consegue ficar sem esse objeto). Isso para qualquer droga. Ainda temos de refletir (e haja reflexão!) que vivemos em uma sociedade que valoriza o prazer, a felicidade e desvaloriza a tristeza e o “mau” desempenho.

Sal, açúcar, café, guaraná, chocolate, comida, benzodiazepínico, ritalina, cocaína, maconha, cigarro, carro, tênis, celular, sexo entre outros tantos “objetos” podem ser, subjetivamente e de maneira singular, uma “droga” para alguém em uma sociedade. Somos, desde que nascemos tão prematuramente, dependentes. O fenômeno da dependência está entranhado em nós. Abordar esse fenômeno requer o reconhecimento desses temas que trago muito rapidamente aqui e outros tantos. Além de um sintoma no sentido individual, a dependência é um sintoma social, assim como a violência urbana. Soluções aparentemente simples, como expulsar pessoas de um determinado lugar, internar compulsoriamente (desconsiderando a singularidade de cada um) é enjeitar aqueles que são considerados a ralé da sociedade.

grande mídia tem mostrado apenas uma parte do que está acontecendo na região da Luz, na cracolândia, na craco. Pessoas estão desalojadas, sem pertences pessoais (documentos, cobertores, roupas), passando frio, fome ou comendo comida estragada cedida pela prefeitura (em parceria com empresa privada). Como o DBA acabou repentinamente e todos os outros projetos e programas foram desarticulados, sem qualquer transição de projeto, as pessoas estão passando fome! Imagina só: a pessoa consome droga, passa fome e fio. Trata-se da possibilidade de um extermínio, no caso, desponta-se um genocídio. Mesmo que o argumento seja o da internação compulsória, nada justifica o emprego do terror, da violência, para essa finalidade. Afinal, trata-se de acabar com a cracolândia ou com as pessoas? É preciso tomar uma posição e conscientizar-se efetivamente dela, responsabilizar-se pelas consequências dos métodos empregados. Montaram uma tenda de guerra, algo que parece um Lego ou Food Truck, denominando-a de “CAPS”, o que demonstra o total desconhecimento da gestão Dória do que seja, sequer, um equipamento como um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).

Não é porque a opinião pública e muitos especialistas da saúde acham que o melhor seja internar as pessoas que se deve reiterar, na forma de marketing, por exemplo, essa opinião e afirmar categoricamente essa solução como única. Na Alemanha nazista, a opinião pública e parte da ciência também considerava bom e justificável o que se fazia com judeus, homossexuais, deficientes e doentes mentais. O que não quer dizer que seja certo, bom ou melhor. Numa democracia, a gente luta para que as pessoas possam pensar diferente da gente. Por isso o regime é difícil, porque necessita de debates constantes e participação na vida política.

Como podemos pensar em estratégias efetivas com relação às drogas se temos uma lei que criminaliza o usuário? Vale ressaltar que usar droga não é crime no Brasil, isso em razão da liberdade individual prevista em nossa Constituição e reiterada em outras leis. O que é proibido é o tráfico, seja lá o que policiais e delegados consideram como sendo tráfico. Há diferenças entre encarceramentos que são significativas: pobres e negros são frequentemente taxados como traficantes, enquanto brancos de classe média, como usuários. Isso quer dizer que existe uma diferença no tratamento dado ao usuário e ao dependente de droga a depender de sua classe social.

Temos de lembrar ainda que a região da Luz é cerne, há algum tempo, de projetos de “revitalização”. Todo aquele local foi comprado e pertence a uma empresa privada (não vou especificar). É importante pensarmos em gentrificação. Numa das demolições que foi realizada nos últimos dias, nem a dona da pensão estava sabendo que demoliriam o prédio. Na tragédia anunciada que ocorreu em outra pensão, aquela em que três pessoas ficaram feridas, havia 20 pessoas de pijama no local, não sabiam sequer que o imóvel seria demolido e a maioria estava dormindo. Há relatos de moradores que revelam que houve mais mortes do que foi anunciado pela mídia. Nessas horas, é preciso muito cuidado com o que escutamos da grande imprensa, inclusive, desaparecimentos. Há interesses financeiros envolvidos na região e também das clínicas particulares (importante lembrar do peso que exerce na política uma bancada evangélica). Sabemos como remédios e internações geram muito lucro (sendo que remédios também são drogas). Por outro lado, RD tem um custo menor e é mais eficaz. Enfim, precisamos atentar para essa aparente contradição.

O problema está na dose, nas formas de uso, nas consequências causadas pela proibição das drogas e nos danos oriundos do abuso dessas substâncias. É sempre uma relação que está comprometida: pessoa-sociedade-droga. É preciso uma política de Estado que encare as drogas com responsabilidade, a começar, tirando a droga da mão do traficante. A quem interessa que as drogas sejam proibidas? Vale consultar pesquisas que apresentam a relação entre descriminalização e redução quantitativa de uso, como em Portugal. Vale também conhecer o Diálogo Aberto finlandês com relação ao tratamento em saúde mental, especialmente para psicoses (do uso muito pontual de medicamentos e internações em situação de crise).

Outro ponto importante é com relação à questão ideológica nesse tema. Sem aprofundar muito, é sempre uma questão que envolve ideias (e, portanto, ideologias), seja de um lado ou outro. Mas… neste tema preciso das drogas, vale ressaltarmos que temos um princípio liberal (!) que, claro, coaduna, com princípios sociais mais amplos (da segunda geração dos Direitos Humanos). Então, não dá nem pra afirmar que RD é de esquerda ou que profissional de saúde é tudo de esquerda. Lembre-se, independentemente da ideologia de um profissional de saúde, quando se está trabalhando, interessa a pessoa que está diante desse profissional.

Enquanto houver manicômio, o próximo pode ser você. Estratégias totalitárias são uma falácia, ainda mais nesse campo. A atuação do profissional de saúde se dá no caso a caso, na singularidade, atentando à comunidade onde a pessoa está inserida e sua história de vida. Não tem como fazer de outra forma se queremos realmente tratar a questão do consumo de substâncias. “Mas a cracolândia podia continuar existindo daquele jeito?”. Ninguém quer ou quis isso. Mesmo o traficante prefere um usuário vivo. Usar drogas em situação de rua agrava os danos. “E toda aquela droga sendo vendida ali sem qualquer controle do Estado?”. Usar uma droga que não se conhece a procedência traz muito mais danos. Novamente, precisamos discutir a estigmatização do usuário e o proibicionismo, diferenciar efeitos das drogas e efeitos da proibição das drogas. O Estado precisa assumir essa bucha! E o trabalhador de saúde precisa de instrumentos para trabalhar. “Quais?”. Todos, desde insumos a equipamentos de saúde diversos (de CAPS a instituições de acolhimento e de internação).

Outro ponto importante é com relação ao livre arbítrio. Muito se fala que usuário não tem mais discernimento e não pode mais escolher se tratar ou não. Seguinte: 1- tratamento sem a vontade do paciente tem muito menos chance de obter um resultado positivo, daí toda a necessidade de “chegar junto” com o usuário, estabelecer vínculo (haja trabalho!) e, até mesmo, persuadir alguém para um tratamento; 2- não é porque a pessoa é dependente (perdeu a capacidade de conseguir ficar sem usar uma droga) que ela não tem mais nenhuma outra capacidade (um usuário de droga não é apenas um usuário de droga, ele não se reduz à droga, é dotado de subjetividade, de outras tantas potencialidades e dificuldades). Por exemplo: alguém que fuma cigarro (ainda tem bastante gente que usa essa droga meio “fora da moda” e, atualmente, é estigmatizado por isso) e tem minimamente algum conhecimento sobre o assunto, sabe que está correndo risco de vida, certo? Sabe que pode desenvolver, por exemplo, um câncer. Logo, seguindo a lógica do encarceramento em massa, quer dizer, das internações compulsórias de maneira deturpada, essa pessoa perdeu o discernimento, não tem mais seu livre-arbítrio preservado, então, devemos internar todos os fumantes. Vai sobrar quantos, heim? O livro “O alienista” é bom pra pensar nesse assunto. Cadê os normais? O que são pessoas norma-is? As diferenças são uma característica dos seres humanos, nenhuma espécie é tão diversificada, as diferenças são valorosas, são o que nos constitui como sujeitos singulares.

Enfim, você pode não gostar de dependente de droga (“nóia” é um termo pejorativo, quem fala apenas hostiliza alguém), prostituta, suicida etc. o que não quer dizer que o Estado deva agir passionalmente (ou seja, o Estado não deve ser movido por paixões). Você pode ser contra usar drogas (quero ver quais irá selecionar!) e, simplesmente, não usá-las. Não é porque você não acha legal, bonito, bom, saudável alguma coisa, que os outros devem seguir seus pressupostos ideais. É com muita conversa e muita discordância que a gente aprende a pensar, mesmo sem chegar a consensos. O importante, para falarmos sobre drogas, é termos opções de tratamento. Não é porque uma estratégia deu certo para uma pessoa que ela servirá para todas as outras. Não é porque um tratamento não deu certo para duas pessoas que ela não será interessante para outras pessoas. Tudo pode ajudar de alguma forma. Nada é, a princípio, descartável – nem as pessoas.

Se acaso o pior acontecer (o trancafiar de todas essas pessoas) não esqueça de se perguntar: Qual é a sua droga? Do que ou de quem você é dependente? Será que ao saírem das internações encontrarão, enfim, um cenário diferente no mundo? Com escolas, hospitais, saúde, cultura, família cor de rosa, trabalho, renda e reconhecimento social? São algumas questões que trabalhadores da saúde e saúde mental podem trazer para contribuir com o debate. Seguimos construindo e desconstruindo.

Fonte: GGN

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