Por Leonardo Cechin, para Desacato.info.
A discussão franca sobre os acontecimentos políticos faz parte da história. Nenhum momento significativo da luta de classes passou livre de grandes embates teóricos, grandes divergências e polêmicas. E em nenhum desses momentos, as divergências quaisquer que fossem, foram esquecidas, abafadas, por que haveriam de ser agora?
Esse raciocínio infelizmente não é levado adiante pelo campo da frente polular [1], que acusa seguidamente partidos e grupos de impedirem a unidade contra as reformas, simplesmente por fomentar a discussão e fazer críticas. Mas se pararmos para refletir, quem impede a unidade e fraciona a luta contra o governo de Michel Temer e suas reformas, são estes próprios acusadores. O dia internacional da luta das mulheres foi histórico, com atos massivos e uma forte negação à Marcha Mundial das Mulheres pelo seu atrelamento ao PT; no dia 15 de março, grandes manifestações de trabalhadores contra as reformas trabalhista e previdenciária; no dia 28 de abril, a primeira greve geral em anos, que parou 35 milhões de trabalhadores e causou prejuízo de R$ 16 bilhões para a burguesia; no dia 18 de maio, fortes protestos contra Temer depois de seu envolvimento no escândalo da JBS; agora, uma ocupação de Brasília sangrenta, mas vitoriosa, no último dia 24 de maio, que levou mais de 100 mil trabalhadores para lutar na capital contra a reforma da previdência.
É uma agenda de mobilizações que mostra a entrada em cena da classe trabalhadora como não se via desde o regime militar. A convocatória de greve geral ocorreu pois todas as centrais sindicais se unificaram contra as reformas do governo, e nada mais que isso. Por esse motivo ela deu certo. A questão é que hoje, mais uma vez, a frente polular prioriza seus interesses à luta da classe trabalhadora, levantando a bandeira de novas eleições acima da de greve geral, na verdade, jogando para o lado a bandeira de greve geral e empunhando apenas a defesa de novas eleições. Isso não é consenso, vai contra a unidade e fraciona a resistência.
A efetividade de diretas ou não, pode ser debatida mais abaixo. A questão é que para os trabalhadores, o interesse de vida ou morte é derrotar as reformas e planos de ajuste fiscal. E derrotar essas reformas passa obrigatoriamente por uma greve geral que pare a produção e desestabilize o sistema. Sob essa consignia o conjunto das organizações de esquerda, sejam reformistas ou revolucionárias, deve agir unitariamente, realizando ações como a ocupação de Brasília. E abaixo dessa unidade, cada uma que preserve sua independência política defendendo a saída que achar melhor para o país. Isso chamamos de frente-única: batemos juntos contra o inimigo maior, marchamos separados por nossos programas. Agora, inverter a fórmula, levar o programa partidário à frente da luta unitária, é o maior atentado contra a unidade possível. O que era consenso entre todas as organizações e toda a classe trabalhadora, vira um debate sobre ser pró ou contra novas eleições, e deixa de lado a organização da próxima greve.
Depois de esclarecer a política divisionista da frente polular, vamos ao caráter de sua demanda. Nas eleições municipais de 2016, os votos nulos foram maiores que o candidato vencedor em diversas cidades, como a principal do país, São Paulo, onde o número de eleitores que não se satisfez com nenhuma das alternativas foi maior que o número de eleitores que escolheu o atual prefeito João Dória; o PT perdeu mais da metade das prefeituras, quase todas as capitais e estados, bastiões históricos como o ABC Paulista. Antes de cair, Dilma Rousseff tinha quase o mesmo de aprovação que tem hoje Michel Temer, 4%. Para tudo isso, os analistas ‘progressistas’ dizem que uma “onda conservadora” toma conta do país. Mas é pouco provável que o conservadorismo dos trabalhadores tenha aumentado de tal forma, de 2014 quando elegeram a chapa Dilma-Temer, para 2016, na verdade, os mesmos trabalhadores que se recusaram a votar no PT nos municípios, paralisaram a produção na greve geral e ocuparam Brasília dia 24. Esses dados apontam uma rejeição do conjunto da classe trabalhadora não apenas ao PSDB ou ao PT, mas ao próprio regime democrático-burguês. Nesse sentido, é completamente criminoso grupos que se reivindicam socialistas lançarem esperanças na democracia dos ricos aos trabalhadores, quando estes querem mudança.
Sabemos que as eleições no Brasil são um jogo de cartas marcadas. Os candidatos são financiados pelo empresariado para atenderem aos interesses dos próprios. Já diz o famoso ditado popular: quem paga a banda, escolhe a música. E depois de termos um presidente “democraticamente” eleito, a única mudança será a legitimidade que as reformas ganharão, afinal o novo presidente teria passado pelo crivo das urnas. E esse presidente, quem seria? A frente polular quer diretas para eleger Lula, pois depois da delação da JBS envolvendo Temer ele não teria mais condição alguma para governar. Mas essa mesma delação que citou Temer e Aécio, citou o próprio Lula ao lado de Dilma, como recebedores de R$ 150 milhões [2]. Por quê as investigações valem para Temer e Aécio, mas não valem para Lula e Dilma? Isso não seria a famigerada seletividade? Como os trabalhadores podem confiar suas vidas num candidato que foi acusado pela Odebrecht de receber dinheiro para acabar com greves desde os anos 80, e que quando presidente por 8 anos enriqueceu como nunca essas mesmas empresas já corruptas naquela época e os grandes banqueiros? Honestamente, não podemos. E não iremos.
A luta dos marxistas é pela superação do estado permanente de miséria que é o capitalismo. Nossa luta é muito maior que uma eleição, cada pequena tarefa que fazemos no cotidiano converge num projeto de transformação radical da sociedade. Damos nossas modestas forças na luta contra o governo de Michel Temer e suas reformas, ao lado do PT e todos que se disponham, mas também contra qualquer outro governo que nos ataque, como os anteriores também fizeram, pois nossos sonhos são maiores que interesses mesquinhos e favorecimentos pessoais. Por isso somos incorruptíveis. Por isso lutamos por uma revolução socialista no Brasil. E nem porque acreditamos nessa saída, obrigamos todos a defendê-la.
Fora Temer, e todos os inimigos da classe trabalhadora.
1- Por frente popular entende-se a aliança encabeçada pelo Partido dos Trabalhadores, passando por seus grupos auxiliares como PCdoB, e chegando em membros nem sempre permanentes, como antes do impeachment o PMDB, e depois (hoje) o PSOL. De forma resumida, o campo político que governou o Brasil nos últimos 14 anos por meio da colaboração de classes.
Foto de Capa: Gabriel Rosa.