Por Silvia Calciolari.
Novo estudo qualitativo mostra que as pessoas estão preocupadas com os impactos ambientais e sociais e tendem a apoiar investimentos em energias renováveis
Berço do fraturamento hidráulico, ou fracking, os Estados Unidos vivem o que parecer ser o ocaso da tecnologia usada há décadas para extrair o petróleo e gás de xisto do subsolo. São incontáveis os sinais de que a fatura da produção de ‘energia barata’ que libertou os americanos da dependência do petróleo do Oriente Médio começa a ser cobrada. A primeira delas é a perda do apoio da população e a desconfiança nas instituições que sempre defenderam a tecnologia e omitiram seus riscos e perigos.
Basta dar um Google para constatar, quase que diariamente, o surgimento de novos estudos e pesquisas e notícias que comprovam o que desde o princípio já se sabia: O alto custo ambiental e social da utilização dessa tecnologia definitivamente não compensa seus riscos e impactos. Atualmente, o fracking já está relacionado à contaminação de reservas subterrâneas e de superfície de água, à ocorrência de terremotos, à fragmentação dos ecossistemas, ao agravamento da saúde das pessoas e animais e, para piorar, ao agravamento do aquecimento global pela emissão sistemática do metano e outros gases de efeito estufa.
Num recente estudo de pesquisadores da UC Santa Barbara foram incluídas questões-chave como o risco de contaminação da água, bem como preferências para as fontes de energia renováveis sobre os combustíveis fósseis para atender às necessidades energéticas nacionais. A pesquisa contou com a participação do Reino Unido, onde o fracking é tido pelo governo como uma ‘solução’ para alcançar a eficiência energética, o que é contestado pela maior parte da população.
Com base em mais de uma década de pesquisas desenvolvidas pelo Centro de Nanotecnologia na Sociedade da UCSB (CNS) e pela Universidade de Cardiff no País de Gales, o estudo demonstrou como os métodos deliberativos de engajamento público podem ser aplicados a esses objetivos. Este é o primeiro estudo qualitativo, interdisciplinar, transnacional de percepções públicas dos EUA e da U.K sobre a extração de xisto. Os resultados foram publicados na Revista Nature Energy.
“Este estudo encontrou surpreendentemente altos níveis de preocupação ambiental e social sobre fraturamento hidráulico em áreas sem experiência direta com a tecnologia”, disse a co-autora Barbara Harthorn, diretora do CNS e professora do Departamento de Antropologia da UCSB. “Esse método fornece fortes evidências de que diversos membros do público são capazes de pesar de forma crítica e refletir sobre as decisões locais e coletivas do sistema de energia e seus impactos”.
Metodologia
Os pesquisadores dos EUA e Reino Unido realizaram uma série de oficinas de deliberações cuidadosamente planejadas, com vários membros do público em quatro cidades: Los Angeles, Santa Barbara, Londres e Cardiff. Essas discussões aprofundadas permitiram aos pesquisadores olhar além das evidências existentes sobre opiniões públicas a respeito do fraturamento hidráulico baseadas principalmente em áreas já impactadas.
Os resultados mostraram que o desenvolvimento de xisto foi amplamente visto como uma correção de curto prazo, levando a uma dependência indesejada de combustíveis fósseis finitos em detrimento do desenvolvimento de energias renováveis. Os participantes em ambos os países observaram que a maioria dos benefícios propostos seria relativamente de curto prazo (empregos especializados de duração limitada), ao passo que os riscos seriam quase certamente de longo prazo (degradação ambiental).
O estudo concluiu que os entrevistados consideravam os impactos potenciais distribuídos de forma desigual, argumentando que os benefícios econômicos e de emprego atribuídos ao desenvolvimento do xisto não eram exclusivos e se aplicariam igualmente a investimentos significativos e a ampliação de tecnologias renováveis.
Ou seja, os participantes do estudo questionaram por que investir numa tecnologia altamente poluente, que pode causar danos permanentes e irreversíveis, ao invés de priorizar o desenvolvimento de uma matriz a partir de energias renováveis? Todos os olhares recaem sobre os gestores públicos.
Diferentes preocupações nos dois países refletiram diferentes modelos de governança das indústrias extrativas. Nos EUA, alguns participantes queriam mais diretrizes federais padronizadas e responsabilidade de longo prazo. Por outro lado, no Reino Unido, onde a regulamentação é predominantemente a nível nacional, houve pedidos de maior controle local. Independentemente da localização, os participantes expressaram profunda desconfiança do governo e das instituições.
Risco iminente
“Na Califórnia, experiências passadas e atuais com a indústria petrolífera regional minimizaram a preocupação com alguns sobre o futuro desenvolvimento do xisto”, disse o coautor Tristan Partridge, um pós-doutorado do CNS e do Departamento de Antropologia da UCSB. “No entanto, para outros, as experiências pessoais de escassez de água e terremotos amplificaram esse senso de risco”.
Na Inglaterra, onde a extração de petróleo e gás em terra é menos comum, os participantes se basearam em experiências tangenciais do carvão e das indústrias pesadas ao fazer sentido do que o desenvolvimento de xisto pode significar para eles no futuro.
“Isto – e outras pesquisas que temos realizado – mostra que o público em ambos os países claramente quer um movimento em direção a um sistema de energia mais limpo e mais sustentável no futuro”, disse o autor correspondente Nick Pidgeon, professor de psicologia ambiental na Universidade de Cardiff. “Os resultados confirmam que o desenvolvimento do xisto não é compatível com essa visão”.
O financiamento principal desta investigação foi fornecido pela National Science Foundation com apoio suplementar do programa de investigação e inovação Horizon 2020 da União Europeia.
Brasil contra o fracking
“Muito interessante essa percepção, pois no Brasil vivenciamos exatamente essa desconfiança da população em relação ao fracking, seja pelos impactos ambientais, econômicos e sociais omitidos por governantes e empresas, seja pela certeza de que essa indústria fóssil irá reproduzir aqui a mesma dinâmica perversa e devastadora de outros países”, diz Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora da 350.org Brasil e América Latina e coordenadora nacional da COESUS – Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida.
Desde 2013, a COESUS, 350.org Brasil e centenas de parceiros desenvolvem a campanha Não Fracking Brasil com o objetivo de impedir que o fraturamento hidráulico chegue ao país. Aproximadamente 300 cidades já aprovaram leis municipais para banir operações de fraturamento hidráulico para exploração de gás de xisto. O Estado do Paraná aprovou em dezembro da Lei 18.947/2016 que suspende por 10 anos o licenciamento para essa exploração, inclusive com a proibição dos testes sísmicos nesse período.
“As justificativas são os riscos que a tecnologia traz para a agricultura, para a saúde e para as reservas de água, a falta de transparência dos governantes e o simples fato de que a indústria do frackingmente sobre os impactos, especialmente para o clima, e está intimamente ligada aos casos de corrupção”, completa Nicole.
Para a diretora da 350.org Brasil e América Latina, “vivemos a insegurança das mudanças climáticas que já fazem milhões de vítimas no mundo e nos colocam como imperativo o desinvestimento em novos projetos fósseis e o cancelamento dos atuais. A única alternativa para garantirmos as condições necessárias para a existência humana e de todas as formas de vida neste planeta é investirmos em energias renováveis”.
O objetivo é alertar as pessoas e os líderes mundiais sobre os efeitos destruidores das mudanças climáticas e a urgência do rompimento com a indústria dos combustíveis fósseis.
Fonte: Não Frackig Brasil.