A UERJ resiste, mas nada está normal

Por Zacarias Gama.

Para a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2016 é o ano que não terminou graças à crise que atravessa em consequência dos descalabros do governo peemedebista do Rio de Janeiro. Depois de sucessivos adiamentos, somente em abril deste ano é que teve início o segundo semestre de 2016. A falta de repasses de manutenção e custeio vem criando um cenário de desânimo que contagia a todos nos campi Maracanã, São Gonçalo, Ilha Grande, Duque de Caxias, Teresópolis, Nova Friburgo e Rezende. A tristeza é profunda nos semblantes de professores, funcionários técnico-administrativos e estudantes.

A Secretaria de Fazenda só tem liberado a conta-gotas as verbas de custeio, manutenção e salários. Neste ano foram autorizados R$ 301,7 milhões, ou seja, 27,1% do orçamento aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. As liberações de março estão na dependência de um calendário a ser anunciado segundo as possibilidades do Governo do Estado. Enquanto isto, muitas pesquisas importantes para o desenvolvimento estratégico do Estado e do País vão ficando paralisadas ou em compasso de espera, em particular à espera das verbas oriundas da Fundação Carlos Chagas de Amparo à Pesquisa (FAPERJ).

Mais de 700 estudantes trancaram as suas matrículas. Uma grande quantidade que resiste, deixa de comparecer às aulas por falta de pagamento das suas bolsas de estudo desde março; os que conseguem manter uma frequência minimamente regular recorrem ao bilhete único de parentes e amigos e esquentam as suas marmitas onde conseguem, já que o bandejão continua fechado por falta de pagamentos à empresa fornecedora de alimentação.

São muitas as tentativas de funcionários técnico-administrativos e professores de burlar a falta de dinheiro, nem sempre conseguindo evitar o endividamento e o apelo desesperado à agiotagem. Crescem os relatos de volta para a casa dos pais como forma de fugir dos alugueis e dos condomínios caros. Em muitos casos, a renegociação dos contratos de locação tem sido impossível junto a proprietários que se recusam a aceitar servidores como inquilinos e fiadores. Até os bancos estão restringindo empréstimos consignados em folhas de pagamentos.

Há aulas de cursos de graduação ocorrendo publicamente no metrô ou diante do Palácio da Guanabara para chamar a atenção da população, mesmo sem indícios palpáveis de que estejam sensibilizando a sociedade e as autoridades responsáveis pelas políticas de Ciência e Tecnologia do Estado. Da parte da sociedade organizada e do próprio Ministério Público há expressões formais de pesar e solidariedade, que, no entanto, deixam de ser acompanhadas de qualquer ação mais enérgica. A despeito de tudo são aulas ministradas por abnegados professores e estudantes que não desistem de lutar.

A produção científica, enquanto isto, segue em preocupante suspensão. Qual cientista consegue demonstrar teoremas de ouro com a diligencia necessária e ainda evitar a vermelhidão no cheque especial ou o estouro do cartão de crédito? Qual processo de descoberta pode conviver com as contas domésticas atrasadas e as ameaças de interrupção de fornecimento?

Ora, o cientista, como produtor de novos conhecimentos não é um sujeito abstrato, descolado da materialidade mundana. Ele também se angustia, sofre, se estressa e se deprime como qualquer ser concreto, de carne e osso, porquanto não está livre dos comezinhos problemas domésticos e familiares. Seu salário administrado na ponta do lápis é exclusivo para as suas necessidades básicas como qualquer outro mortal. Sua vida financeira, contudo, desequilibrada por fatores alheios à sua vontade, impossibilita-o de manter o fluxo dos seus raciocínios, quebra as suas rotinas de investigação, estressa-o para além de sua capacidade de resistir. As faltas dos assistentes e bolsistas que integram o seu grupo de pesquisa, desnorteiam-no e o fazem perder pistas e insights.

É possível que os salários atrasados agravem a fragilidade de alguns e produzam infartos e repentinas síncopes formidáveis. Nos últimos quatro meses, três professores-pesquisadores foram acometidos por estes males nas unidades acadêmicas do 9º andar. O estresse decorrente da falta de recebimento dos salários e da necessidade de honrar compromissos financeiros inadiáveis é demais para almas encarceradas em laboratórios e absortos em livros e tratados.

Com tudo isto a Uerj está funcionando a contragosto dos privatistas, mas nada é normal nos seus campi. Quase como nos tempos de cólera do Gabriel Garcia Marques, a única normalidade são os pacotes de maldades dos governantes coléricos, autoritários, insensíveis e antipopulares. A suspensão da produtividade no interior das universidades fluminenses é para eles, quando muito, apenas um efeito colateral fugaz e de somenos importância do enxugamento das contas públicas. Nestes termos, é possível imaginar que sonham com o barateamento da produção científica recorrendo à terceirização de cientistas daqui e de alhures, nomeadamente se os nossos cientistas insistirem com a exigência de receber salários atrasados.

De fato, a UERJ resiste, mas nada está normal! Todo o mais, só com a ajuda dos oráculos!

Zacarias Gama é Professor Associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e integrante da equipe do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH).

Fonte: Justificando.

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