Por Adrien Guilleau.
A maior manifestação popular da história da Guiana Francesa
Guiana, uma colônia francesa
1. Uma economia colonial
Desde sua colonização no século XVII, a estrutura econômica colonial da Guiana Francesa não mudou. Caracteriza-se ainda hoje pela acumulação das riquezas do território e por um monopólio comercial. O recurso franco-guianês mais explorado pela França é o Centro Espacial Guianês (CSG), construído nestas terras por sua posição geográfica, a ausência de riscos sísmicos ou vulcânicos e a estabilidade política da colônia. Para o ano de 2017, o CNES (grupo estatal que explora o CSG) anunciou uma carteira de pedidos de 5,3 bilhões de euros, o que representa nada menos que 140% do PIB guianês. Quanto ao comércio, o monopólio francês administra os bekés martinicanos (descendentes dos colonos brancos e grandes latifundiários). Assim, o comércio regional com Brasil, Suriname ou a América Latina em geral é inexistente. Tudo se importa mediante containers diretamente saídos dos portos franceses e tudo transita pelos grupos de distribuição dos bekés.
2. Um subdesenvolvimento endógeno
Como em todas as colônias, a dominação econômica da metrópole vem acompanhada de subdesenvolvimento endógeno. Este subdesenvolvimento se constata nas estatísticas econômicas, demográficas, educacionais e de saúde. Assim, neste país de 250.000 habitantes, a população se duplica a cada 20 anos desde a década de 1950. Este crescimento demográfico é fruto de uma elevada taxa de natalidade acompanhada de um saldo migratório amplamente positivo. A atração migratória tem a ver, sobretudo, com a condição particular deste país sul-americano que pertence à União Europeia.
Para acompanhar o desenvolvimento demográfico, os investimentos da França deveriam ser massivos, mas não o são. Assim, a taxa de desemprego supera os 20%; mais de 40% da população ativa, carece de emprego; a taxa de pobreza é superior a 60% (aplicando os limites de referência franceses). Quanto às estatísticas de educação, a situação não é diferente, já que mais de 2.000 crianças de 6 a 16 anos não frequentam aulas, por falta de vagas nas escolas; atualmente seria necessário construir 500 salas de aula de ensino primário, 10 colégios e 5 institutos para absorver os atrasos estruturais.
Desde o ponto de vista da saúde, a situação é catastrófica: a expectativa de vida ao nascer é três anos a menos que na França. Um estudo da Agência Regional de Saúde prevê que, devido a problemas estruturais, entre 2005 e 2007, 58% das mortes na Guiana Francesa se evitariam na França. O número de leitos hospitalares por habitante é quase duas vezes inferior ao da França, e muitíssimas especialidades médicas não se encontram no território, obrigando os guianeses a viajar a França ou para as Antilhas para que se lhes atendam; finalmente, não existe nenhuma estrutura hospitalar acadêmica, como hospitais clínicos universitários, o que não permite transmitir conhecimentos médicos necessários e faz com que o território dependa totalmente de serviços externos.
No plano da segurança, a Guiana Francesa é o território mais violento entre os territórios administrados pela França: a taxa de homicídios por habitante é lá a mais alta (42 homicídios em 2016). Não obstante, também é o território que abriga a maior proporção de soldados franceses do mundo, um soldado por 117 habitantes. Aos militares há que acrescentar os 950 policiais e guardas espalhados em todo o território. Isto faz que a Guiana seja o território francês mais militarizado.
3. A problemática da propriedade do solo e dos povos originários
Na Guiana Francesa encontramos outras problemáticas específicas da questão colonial, como o problema da propriedade do solo ou da questão dos povos originários. Mais de 90% do território pertence ao Estado Francês, o que cria enormes dificuldades para o desenvolvimento econômico ou estrutural. Por exemplo, para construir um instituto de ensino há que tramitar inevitavelmente a concessão do terreno do Estado às comunidades locais. Ademais, o Centro Espacial, que ocupa uma área tão grande como a da Ilha de Reunião, nunca pagou um centavo de impostos municipais. Por sua vez, os povos originários se chocam, por razões constitucionais, com a negativa categórica da França em reconhecer o direito à propriedade coletiva e a devolver-lhes seus territórios que ocupam há séculos. A isto há que adicionar as inquietantes e massivas ondas de suicídios entre os jovens indígenas. Estas problemáticas realçam a total incompatibilidade da Guiana Francesa como departamento de ultramar.
Análise da mobilização atual
Ainda é cedo para fazer uma análise precisa e totalmente pertinente da situação desde movimento, em particular devido às numerosíssimas relações de força que se enfrentam nele. De todo modo, trataremos de explicar o desenvolvimento do movimento apresentando seus principais atores.
1. Pacto de futuro
Em razão de sua visita em 2013, o presidente francês, François Hollande, se comprometeu a estabelecer um “pacto de futuro” para a Guiana. Este pacto tinha por objetivo reduzir os atrasos estruturais ao longo de 10 anos, sobretudo mediante um investimento público de 600 milhões de euros. No entanto, em razão das negociações de dezembro de 2016, o presidente da Coletividade Territorial da Guiana (CTG), Rodolphe Alexandre, se negou a assiná-lo. Sob pressão do patronato local, o presidente da CTG solicitou uma ampliação do investimento de até 2 bilhões e a cessão de 200.000 hectares de terras.
2. Rodolphe Alexandre, associado com os sócio-profissionais e o sindicato patronal Medef
A visita de Ségolène Royale, em 15 de Março, foi o ponto de arrancada da mobilização. A ministra foi recebida por uma manifestação de “sócio-profissionais” (empresários dos transportes, entre outros), da CGPME (pequenas e médias empresas) e do grande sindicato patronal Medef (Movimento das Empresas da França). Eles construíram uma barreira de caminhões na estrada da Coletividade Territorial da Guiana, assim como diante do porto comercial em que chegariam caminhões-betoneiras para construção da plataforma de lançamento do foguete Ariane 6, contra os interesses dos transportadores locais. Em uma cena patética, Royale logrou desbloquear a situação ligando para seu ex-marido, o presidente François Hollande. Em dois minutos tudo se resolveu: o governo se comprometeu a desembolsar de imediato 150 milhões de euros para equilibrar o orçamento da CTG e devolver 200.000 hectares de terrenos públicos.
3. O estouro dos “500 irmãos”
Tudo poderia ou deveria ter se encerrado deste modo, a não fosse por uma pedra que acabou entrando no sapato, uma pedra que se denomina “Les 500 frères contre la délinquance” (Os 500 irmãos contra a delinquência). Este coletivo havia saído ao público uma semana antes em resposta a um homicídio cometido num bairro de Caiena, capital da Guiana Francesa. Caracteriza-se por organizar ações de surpresa e seus componentes vão vestidos de preto e levam a cara coberta com balaclava. Ainda que seja difícil, inclusive hoje, dizer quem compõe esse coletivo, o certo é que suas reinvindicações são reacionárias e em parte xenófobas. De fato, algumas de suas reivindicações reclamam mais polícia, o despejo de moradias ocupadas e a expulsão de migrantes responsáveis por atos violentos. Entretanto, desde que o grupo se formou, ele pôs em causa o papel do Estado francês, incapaz de restabelecer a ordem. Trata-se, portanto, de uma retórica nacionalista reacionária.
Assim, pois, este coletivo se convidou à festa. Ao mesmo tempo em que bloqueavam o acesso aos consulados do Suriname e Haiti para exigir a expulsão imediata de cidadãos desses países presos na Guiana, penetravam no edifício da CTG em plena reunião internacional, da qual participavam os representantes de 25 Estados caribenhos, dos Estados Unidos e da França, entre eles Ségolène Royal. Reclamaram à ministra que leve em conta suas reinvindicações quanto à segurança e se retiraram. Nesta mesma tarde, Royale encerrou sua visita à Guiana Francesa e voltou a Paris. Paralelamente, os agricultores se somaram à batalha ocupando a sede da Diretoria de Agricultura e Florestas em Caiena. Foi um ato oportunista para aproveitar o efeito surpresa da explosão dos “500 irmãos”, ou em solidariedade com as reinvindicações reacionários destes ou ainda em espera da assinatura oficial do Pacto de Futuro? O sindicato patronal manteve os bloqueios.
Notemos finalmente que em confronto com a realidade, os porta-vozes do coletivo dos “500 irmãos” tiveram que mudar seus discursos e suas ações. Quando se formaram os bloqueios, fizeram-se mediadores com os jovens dos bairros populares, que se dedicavam a levantar bloqueios “selvagens”, com o fim de evitar enfrentamentos com as forças da ordem. Inclusive conseguiram reunir uma parte destes jovens nas principais barragens. Ademais, na manifestação de 28 de Março e nas negociações do dia 30, assumiram as funções de um serviço de ordem, interpondo-se entre os manifestantes e as forças repressivas. São provavelmente estas ações e o fato de que até agora nunca tenham feito uso da violência, o que explica sua grande popularidade.
4. A entrada dos trabalhadores na luta
Aproveitando este clima de desafio, certos setores de trabalhadores mergulharam na mobilização. Assim, em 20 de Março, os empregados da companhia elétrica EDF (que estão em conflito com sua direção local), da ENDEL (que reclamam a reabertura das negociações salariais) e do Centro Médico-Cirúrgico de Kourou (que lutam contra a venda do hospital ao setor privado) decidiram bloquear o lançamento do foguete Ariane, previsto para o dia seguinte. Construiu-se uma barricada diante do Centro Espacial, a população e alguns deputados se somaram rapidamente à ação. Os trabalhadores de ENDEL, os únicos competentes para transportar o foguete sobre sua plataforma, lograram, com uma greve da qual participaram 80% dos empregados, que se adiasse e finalmente se suspendesse o lançamento. Logo se reabriram as negociações e obtiveram um aumento salarial. A partir de 21 de Março, data inicialmente prevista para o lançamento, a cidade de Kourou foi totalmente bloqueada, sem que ninguém pudesse entrar nem sair.
5. Distúrbios generalizados: Guiana bloqueada!
A partir dos dias 21 e 22 de Março, os “500 irmãos” convergem sobre Kourou. Na reunião extraordinária do conselho de administração da central sindical UTG (União de Trabalhadores Guianeses) de 22 de Março pela tarde decidiram apoiar o movimento, com uma primeira jornada de mobilização prevista para o dia 24 de Março. A estrutura UTG da educação optou por convocar a greve a partir de 27 de Março. Contudo, durante a noite tudo se acelerou: a coordenação de Kourou, a que se haviam somado os “500 irmãos” e os sócio-profissionais, decidiu bloquear o país. No dia 23 pela manhã, todas as rodovias principais foram totalmente bloqueadas. Do mesmo modo, construíram-se barricadas em frente à sede governativa e na rodovia que leva ao Aeroporto. Rapidamente, o Reitorado anunciou o fechamento de todos os centros escolares por motivos de segurança e a partir do dia seguinte, os estudantes e professores sindicalistas ergueram também uma barricada diante do Reitorado.
6. O papel da Radio Pèyi como vetor da mobilização
Desde que se formaram as barricadas, Radio Pèyi (do grupo RTL) se converteu em porta-voz da mobilização. Interrompeu todos seus programas e difundiu notícias sobre o movimento social durante as 24 horas do dia. Seus correspondentes acudiram a todas as barricadas, desde onde relataram ao vivo a evolução da situação. Todos os ouvintes que quisessem podiam tomar a palavra em qualquer momento. A emissora entrevistou personalidades políticas, sobretudo independentistas, às vezes durante várias horas sem parar. Radio Pèyi se converteu em “Rádio Barricada” e permitiu a toda a população participar do movimento. Além disso, milhares de pessoas anônimas acudiam às barricadas para passar o dia, a tarde, inclusive a noite. A partir de 24 de Março, as barreiras de Suzini e de Crique Fouillé reuniriam por tarde cerca de 4.000 pessoas cada uma.
7. A marcha dos representantes eleitos
Em 24 de Março, todos os representantes eleitos franco-guianeses se reuniram para marchar juntos, atrás da bandeira guianesa, desde o centro de Kourou até o acesso ao Centro Espacial. Nos territórios ultramarinos costuma-se atribuir aos representantes eleitos a função de mediadores entre o Estado francês e a população. Esta é, por certo, a função que assumiram inteiramente os parlamentares (dois deputados e dois senadores) que tentaram, em vão, que se estabelecessem negociações entre o coletivo Pou Lagwiyann Dékolé (Para a Guiana Decolar) e a delegação interministerial. A marcha dos representantes eleitos com a faixa tricolor e levando a bandeira guianesa como estandarte foi um momento simbólico extremadamente forte. Em efeito, esta bandeira não flameja na fachada de quase nenhum edifício oficial, como tampouco a da CTG. Além disso, não esqueçamos que este movimento nasceu, muito relutantemente, graças ao presidente regional, quem mobilizou seus apoios políticos para tratar de sair pela porta da frente reclamando que se renegociara um Pacto de Futuro melhorado.
8. A entrada em cena da UTG e a Greve Geral
Em 25 de Março, na reunião do Conselho Nacional da UTG, 37 sindicatos presentes votaram por convocar a greve geral ilimitada a partir do dia 27. A mobilização começa assim uma nova etapa, ainda que os bloqueios econômicos não tenham sido necessariamente muito maiores do que os que já existiam (praticamente toda a economia estava paralisada desde 24 de Março). A correlação de forças interna no movimento se modificou e as reinvindicações sociais passaram a um primeiro plano em detrimento das demandas de segurança. Não obstante, a central sindical história da Guiana sofrer uma crise interna há vários anos e atualmente ser difícil saber que possibilidades reais possui de bloquear a economia.
9. A constituição do Pou Lagwiyann Dékolé e a soma de reivindicações populares
A partir de 22 e 23 de Março, o objetivo era unir todos os descontentes em uma plataforma de reivindicações comum. No dia 23 começou um trabalho intenso de negociação com uma primeira reunião de coordenação. Deste modo se juntaram 19 coletivos, a central sindical e organizações profissionais no comitê Pou Lagwiyann Dékolé. Acordaram sete temas reivindicativos: educação, saúde, segurança, propriedade da terra, energia, economia e povos originários. Em quatro dias se elaborou um primeiro caderno de reivindicações que previa consulta a todas as partes implicadas. Paralelamente sugiram numerosas reivindicações populares e se formaram outros coletivos, que se somaram ao comitê. Em 28 de Março já eram 39 os coletivos, sindicatos e organizações profissionais que formavam o Pou Lagwiyann Dékolé. O descontentamento popular é tal que foi difícil fechar uma lista de queixas antes da chegada dos ministros em 29 de Março.
10. A delegação interministerial e a negativa à negociação
A reação do Estado francês esteve em consonância com a experiência colonial da França. Em 25 de Março chegou à Guiana uma delegação interministerial composta de altos cargos (prefeito, general…) que haviam atuado no território. Em uma reunião celebrada na noite de 24 a 25, Pou Lagwiyann Dékolé formou uma posição comum: não haveria nenhum encontro com esta delegação à margem do comitê, assim como, dado que a delegação não incluía a nenhum ministro, o comitê não se reuniria com ela. Esta posição radical logrou sobreviver a um intenso trabalho de sabotagem que a delegação interministerial promoveu.
Ninguém, salvo um sindicato agrário, se reuniu oficialmente com a delegação. Os ministros, por sua vez, lançaram uma campanha de desinformação e desprezo com o movimento, e num primeiro momento descartaram qualquer negociação na Guiana e exigiram o fim das barricadas. Os meios de comunicação franceses qualificaram o movimento de violento para eliminar a solidariedade da população. Não obstante, desde o começo das manifestações reina uma calma incrível em seu entorno; unicamente cabe mencionar o ataque com gases lacrimogênios contra os representantes eleitos juntos às barricadas do CSG, ao começo da mobilização, e deplorar a queima de várias lixeiras na primeira noite de bloqueio.
11. A marcha de 28 de Março e a unidade de um país
A grande marcha organizada em 28 de Março serviu para provar o grau de apoio do movimento. A mobilização popular foi excepcional, segundo reconheceu a prefeitura, que a qualificou de “as manifestações maiores que jamais se realizou no território”. Mais de 20.000 pessoas se reuniram em Caiena e 5.000 em Saint-Laurent-du-Maroni; o aspecto mais destacado desta mobilização foi a presença de todas as comunidades culturais da Guiana Francesa, que se manifestaram lado a lado pela primeira vez. Atrás dos povos originários, que marchavam no começo, centenas de bandeiras guianesas acompanhadas de outras: brasileiras, haitianas, dominicanas…
Um apresentador da Rádio Péyi afirmou com razão eu neste 28 de março “nasceu uma nação”. Esta mobilização acabou de um só golpe com todos os terríveis preconceitos que possuíam cada um com respeito aos demais. Inclusive os “500 irmãos” tiveram que moderar seu discurso, anunciando agora que “todos somos franco-guianeses: brasileiros, haitianos, surinameses, guianeses…”. A outra característica distintiva desta mobilização foi a incrível determinação que lhe animava. Não houve um instante sem que soassem consignas como “Nou gon ke as” (Já não podemos mais), “Lagwiyann lévé” (Guiana, levante-se!) e diante da prefeitura discursou-se durante horas.
12. A chegada dos ministros e as tentativas de dividir o movimento
Concluída a manifestação, o primeiro ministro francês, Bernard Cazeneuve, anunciou o envio dos ministros de Ultramar e do Interior à Guiana Francesa para o dia seguinte, 29 de Março. A incrível mobilização popular obrigou o governo a atuar com celeridade para tratar de salvar a situação. O envio dos ministros veio acompanhado de promessas de investimentos de até 4 bilhões de euros em menos de dez anos. Ao começar as negociações, em 30 de Março, as pressões do comitê foram intensas. Assim, graças à mobilização da população diante da prefeitura, Pou Lagwiyann Dékolé conseguiu que os meios de comunicação pudessem assistir à primeira meia hora da negociação. Pouco depois, a ministra de Ultramar, que se mostrou particularmente desdenhosa para com os guianeses desde que surgiu o movimento, saiu à sacada da prefeitura para pedir desculpas publicamente à população reunida diante do edifício.
As próximas 48 horas serão decisivas para o movimento. Os sócio-profissionais e os sindicatos patronais, que muito a contragosto se encontram participando de um movimento vai totalmente além do seu controle, tratarão de retirar-se o quanto antes. De fato, já anunciaram que se suas demandas se cumpram, desmantelariam as barricadas.
Hoje, 31 de Março, o coletivo logrou colocar fora do tabuleiro do jogo os representantes políticos eleitos. Assim, em razão de um encontro entre Pou Lagwiyann Dékolé e os representantes eleitos, se decidiu que estes últimos não assinariam nenhum pacto com o Estado que não tenha sido assinado pelo coletivo. Ademais, se fez constar que participarão das negociações como especialistas e não como negociadores. Finalmente, o coletivo acaba de anunciar que qualquer acordo com o governo deverá se aprovado pela população antes de ser assinado. O movimento passa por tanto a uma segunda fase, caracterizada pela auto-organização e uma desconfiança real com respeito aos representantes eleitos.
Perspectivas do movimento
Para um militante revolucionário, a principal preocupação deve ser a de manter em vida o movimento para além da saída dos ministros. De fato, se o movimento sobrevive à visita destes, então se apresentarão outras questões. Visto que o Estado francês se encontra atualmente em um período eleitoral, o fracasso das negociações implicaria que haveria de ser o próximo governo que teria que resolver a questão guianesa. Agora esta ausência de interlocutor abrirá o leque de possibilidades e colocará a questão estatutária da Guiana Francesa no centro da problemática.
Com esta perspectiva haverá que se desenvolver três aspectos:
- Reforçar a auto-organização das barricadas e dos piquetes da greve. De fato é preciso que as barreiras deixem de depender dos caminhões dos transportadores que bloqueiam a circulação. Há que se criar comitês de organização das barragens em todas as partes e pensar em soluções alternativas (bloqueio da circulação com veículos, por exemplo).
- Organizar um controle democrático da greve. As negociações devem ser sujeitas ao controle popular. É preciso organizar assembleias gerais em torno de cada piquete que se dediquem à reconstrução do movimento. Para facilitar esta tarefa, cada empresa em luta poderia assumir uma barreira para organizar esta vida democrática. A Rádio Pèyi poderia servir de coordenadora graças aos seus meios técnicos, com o fim de que todas as decisões que se adotem possam convergir.
- Destacar a realidade da luta de classes e neutralizar os sindicatos patronais. É praticamente impossível para os empresários continuar com esta mobilização e devemos preparar-nos já para sua retirada. Neste aspecto também podemos pensar em ações como, por exemplo, o bloqueio das empresas que tratem de abandonar a mobilização. Esta tentativa de retirada dos patrões também deve ser o momento para destacar a realidade da luta de classes e do choque entre seus respectivos interesses.
Em suma, temos que refletir sobre os meios que vamos utilizar para impor as reivindicações estatutárias como elemento indispensável deste movimento. Há que insistir nas reivindicações incompatíveis com o estatuto de Departamento de Ultramar (DOM), como a questão da propriedade da terra e dos povos originários, ou priorizar os problemas mais políticos de governança das instituições ou democracia local? Isto é objetivo de debate entre os militantes revolucionários envolvidos no movimento.
Fonte: IELA