Entrevista concedida pelo Prof. Dr. André Martin ao CEM, realizada por Jean A. Carvalho.
– Qual o significado geopolítico de Trump? Ele é uma novidade ou “mais do mesmo”?
Trump aparece como grande novidade, mas já se percebe que ele sofre muita oposição interna daqueles que até agora dominaram os EUA. Enfrentar o Deep State (as forças do globalismo e o capital financeiro) é difícil, e parece que ele tem cedido um pouco.
– Quais os possíveis impactos do recente ataque dos EUA, ordenado por Trump, à base militar síria?
Essa foi uma ação um pouco precipitada, pois não há planejamento de seqüência. De que lado os EUA ficarão? Quem mais comemorou esse ataque dos EUA foi o Estado Islâmico. Os EUA ficarão do lado do EI? Foi um ato impensado. Mais voltado para a política doméstica do que para a política externa, propriamente.
– Como a Rússia deve reagir ao ataque?
Deve agir com firmeza e cautela. A ação dos EUA foi totalmente unilateral e deve ser condenada, porque fere toda a lei internacional. Há de se esperar os próximos passos dos Estados unidos, porque as coisas não mudaram muito do ponto de vista do campo de ação na Síria. É preciso haver mais firmeza na condenação diplomática deste ato impensado e inconseqüente. Em termos militares, não muda muita coisa, mas a grande “vitória” foi ter feito com que Trump cedesse, “mudando de lado” por meio de uma operação false-flag. Uma pergunta que não ouvi ninguém fazer é: que sentido haveria para o governo sírio usar as armas químicas contra sua própria população à beira da vitória na guerra? Isso só justificaria a ação americana e prejudicaria o próprio governo sírio.
Dias atrás, as forças aéreas americana e inglesa mataram centenas de civis em Mosul, no Iraque. Houve alguma indignação em relação a isso? Isso forçou o Exército Iraquiano a interromper a tomada de Mosul, o que significa que os EUA estão objetivamente ao lado do Estado Islâmico. Essas duas operações, no Iraque e na Síria, só favorecem o Estado Islâmico.
– Os neocons radicais podem se aproveitar duma possível reação russa para fomentar ações ainda mais agressivas por parte de Trump?
Muito provavelmente, já que essa é a estratégia desse grupo que vinha minando a posição pró-Rússia de Trump. Conseguiram a defenestração do general Flynn e de Bannon, duas peças-chave anti-guerra que o establishment belicista conseguiu remover. Por isso a cautela é vital por parte da Rússia, para não favorecer os belicistas.
– O conflito na Síria estava chegando a um ponto de conclusão. Esse ataque recente pode prejudicar a conclusão do conflito?
Inegavelmente. Esse ataque introduz um dado novo, que é a expectativa de interrupção do processo de paz e a conquista militar por parte do Exército Sírio, que estava ampliando o controle em direção a todo o território sírio. Isso certamente foi interrompido por meio desse ato.
– Qual o impacto do Brasil nesse conflito sírio? O que muda em termos de relações internacionais para o Itamaraty?
Diria que a posição brasileira, no momento, é totalmente irrelevante. O Itamaraty não sabe muito bem o que fazer, nem como proceder em relação aos acontecimentos na Síria.
– Qual o peso geopolítico de Trump para o Brasil? Há possibilidade de melhora nas relações entre Brasil e EUA?
Trump, para o Brasil, significaria uma grande possibilidade de postura mais autônoma do Brasil em relação aos EUA, mas não estou seguro de que isso vá mesmo acontecer. É provável que o atual governo brasileiro apenas acompanhe os reflexos dos EUA. Mas ainda há uma possibilidade de mudança nas relações entre Brasil e EUA, em médio-prazo. Por enquanto, isso ainda é difícil.
Há também um perigo, porque Trump deu uma demonstração de fraqueza. Trump tentou ganhar apoio interno (mostrando, com isso, que está fraco); ele cedeu pra tentar ganhar esse apoio. Mas, quanto mais ele ceder, mais terreno tentarão tomar dele.
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Fonte: CEM- Centro Russo-Brasileiro de Estudos da Multipolaridade e Oriente Mídia.