Por Joana Rozowykwiat.
Redução do corpo de funcionários, fechamento de agências, aumento das taxas de juros, descapitalização do BNDES e pressão para privatização de bancos estaduais. Essas e outras medidas sinalizam que os bancos públicos estão sob ataque na gestão Michel Temer. Para subsidiar o debate sobre esse processo de desmonte, o Sindicato dos Bancários de São Paulo realiza, no próximo dia 10, o seminário “Em Defesa dos Bancos Públicos”, no qual será lançada cartilha sobre o tema.
A ideia é esclarecer a sociedade sobre o assunto, apontando tanto as mentiras amplamente difundidas quanto as verdades omitidas nas discussões sobre as instituições financeiras públicas. O seminário acontece das 9h às 18h, no Braston Hotel, centro de São Paulo. Confira a programação abaixo.
“Quem perde muito com esse ataque aos bancos públicos é a população. Hoje, 56% de todo o crédito concedido no Brasil vem de bancos públicos. É óbvio que, com o enfraquecimento dos públicos, o setor privado vai aumentar, mas não terá condições de ocupar o espaço dos públicos. Então quem vai perder muito mais é a sociedade, que não vai ter agentes econômicos para atuar nos mesmos programas e políticas que existem hoje”, diz o economista João Sicsú, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e um dos debatedores do evento.
Ele lembra ainda que menos crédito significa menos investimentos e, consequentemente, mais desemprego. Na sua avaliação, a investida contra os bancos públicos faz parte de uma estratégia maior do governo atual, de desmonte do Estado.
“Todas as instituições que geram emprego ou bem-estar social estão sendo desmontadas, porque essa é uma concepção de Estado. É a visão de transformar o Estado em um balcão de negócios e favorecimento dos banqueiros, das multinacionais e dos rentistas. A partir disso, entra o ataque à Previdência, à CLT, aos bancos públicos e a tudo mais que estiver pela frente”, diz.
Garantia de mais alimentos e com preços mais baixos
Sicsú foi um dos responsáveis por elaborar a cartilha “Em Defesa dos Bancos Públicos: Verdade e Mentiras”, que será lançada no seminário. Entre as verdades que não são contadas para a população, a publicação cita o papel das instituições públicas no financiamento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), responsável por conceder crédito às famílias agricultoras para viabilizar sua produção anual. Diante do cenário de esvaziamento dos bancos públicos, o programa pode ficar ameaçado.
“Muita gente não sabe, mas 70% dos alimentos que consumimos vêm da agricultura familiar, que emprega 12 milhões de pessoas. Os juros do Pronaf são, no máximo, de 5,5%. O governo dá aos bancos uma compensação para que pratiquem esses juros baixos. Mas os bancos privados têm participação irrisória nesse programa, cujo grande agente é o Banco do Brasil. Então, se não existirem bancos públicos para fazer o Pronaf, as taxas de juros para as famílias agricultoras serão mais altas, e teremos menos alimentos com preços mais altos”, alerta Sicsú.
Financiamento para indústria e infraestrutura
Outro fato que costuma ficar de fora dos debates é que grande parte do investimento da indústria e da construção da infraestrutura no Brasil é financiada por bancos públicos. “Bancos privados não têm interesse em fazer financiamento com taxas de juros baixas, prazos longos e, por vezes, de projetos que podem ser de alto risco, como a construção de uma hidrelétrica. Isso é feito, no Brasil, por BNDES, Caixa e Banco do Brasil, principalmente”, aponta o economista.
Esse tipo de financiamento tem garantido construção e ampliação de metrô em diversas cidades, aeroportos modernizados, saneamento em muitos municípios e a ampliação da produção de energia elétrica, por exemplo.
Segundo Sicsú, sem bancos públicos para fazerem a oferta de crédito com esse perfil, os avanços na infraestrutura do país e no investimento industrial ficarão comprometidos. “Existem áreas e setores econômicos em que os bancos privados não têm interesse. E é legítimo isso. Mas o que não pode é deixar essa área ou esse setor sem financiamento. O Brasil não pode ficar sem infraestrutura, por exemplo”, defende.
Critérios técnicos
Entre as mentiras sobre os bancos públicos que a cartilha dos bancários busca desconstruir, está o argumento de que essas instituições emprestam recursos sem rigor, porque estariam contaminadas por orientações políticas de governantes.
“É dito que bancos públicos são usados para se fazer política e não para se fazer desenvolvimento, financiamento de programas econômicos e sociais. Mas, se isso fosse verdade, o grau de inadimplência dos bancos públicos seria alto. Na verdade, os bancos públicos tomam decisões técnicas”, coloca Sicsú.
De acordo com dados do Banco Central citados por ele, de 2004 até hoje, as instituições públicas registram grau de inadimplência menor que a dos bancos privados. “Ou seja, há um grande zelo nos bancos públicos com essas operações”, acrescenta.
Obras no exterior, empregos no Brasil
Outra questão abordada na publicação sobre os bancos públicos é a dos financiamentos do BNDES para obras no exterior. Os governos Lula e Dilma receberam diversas críticas a partir de uma campanha de desinformação que fazia passar a ideia de que o banco era utilizado para ajudar países amigos, fornecendo recursos para obras como o metrô de Caracas, na Venezuela, e o porto de Mariel, em Cuba.
Sicsú explica, contudo, que o BNDES faz esse tipo de financiamento desde 1998, época do governo de Fernando Henrique Cardoso. E não faz só para Cuba ou Venezuela, tem concedido empréstimos para mais de dez países, entre eles Angola, Gana, República Dominicana, Guatemala e Argentina.
“E por que faz isso? Para concorrer no mercado internacional, porque há bancos públicos de outros países fazendo a mesma coisa, na China, na Índia, na Alemanha, nos Estados Unidos. Se o Brasil não participar desse mercado, outro banco o fará”, afirma o economista.
Ele ressalta ainda que, quando o BNDES financia a ampliação do porto de Mariel, por exemplo, aqueles recursos não vão para Cuba. Pelo contrário, beneficiam as empresas e os trabalhadores brasileiros.
“O banco paga aqui as empreiteiras e os equipamentos que são exportados para Cuba, e todo dinheiro do BNDES só pode ser utilizado para compra de materiais e equipamentos nacionais, assim como as empresas de engenharia que prestam serviço têm que ser nacionais”, detalha. De acordo com ele, isso mantém, todos os anos, 2 milhões de empregos formais no Brasil.
O economista completa, informando que o grau de inadimplência desses empréstimos, que depois são pagos pelo país que recebeu a obra, é zero. “Nunca houve nenhum atraso e nunca se deixou de pagar. Isso é extraordinário para os trabalhadores brasileiros. E óbvio que a indústria nacional também se beneficia com esses programas”, contabiliza.
Ele também rebate a falácia de que o BNDES envia dinheiro para fora do país ao invés de financiar aqui. “Na verdade, os financiamentos de lá não impedem os daqui. E isso ainda gera 2 milhões de empregos formais, com grau de inadimplência zero”.
Retomando a agenda do desmonte de FHC
O coautor da cartilha conta que o ataque aos bancos públicos não é de hoje. Começou na gestão Fernando Henrique, quando vários bancos estaduais foram privatizados e os federais passaram a seguir a lógica das instituições privadas. Evitavam, por exemplo, financiamentos para Nordeste e Norte, por que eram considerados mais arriscados, relata Sicsú.
De acordo com ele, a estratégia do desmonte ficou adormecida, já que, nos governos Lula e Dilma, apesar de críticas que possam ser feitas, os bancos públicos foram fortalecidos. “Os bancos públicos tiveram atuação extraordinária nos anos de 2008 e 2009. Quando os privados retraíram crédito e elevaram juros, os bancos públicos fizeram o movimento contrário e, com outras políticas que o governo, isso fez com que ali vivêssemos uma marolinha e, não, um tsunami”, elogia.
Ele lembra que, nas gestões petistas, os bancos também foram associados a diversos programas sociais, como o próprio Pronaf, o Minha Casa, Minha Vida e o Fies, por exemplo. As instituições financeiras públicas eram utilizadas como importantes indutores do desenvolvimento do país.
Com a chegada ao poder de Michel Temer, contudo, a visão da era FHC foi retomada. “Há a ideia de privatizar os bancos estaduais (dentro do programa de renegociação das dívidas dos Estados), e os federais, ele está desmontando”, condena o economista. Nesse cenário, o seminário e a cartilha buscam então municiar a resistência.
Fonte: Altamiro Borges.