No último dia 15 (de março), o Senado aprovou o projeto de lei (PL) 174/16, que altera o Marco Civil da Internet e inclui como um direito dos usuários brasileiros de internet a “não implementação de franquia limitada de consumo nos planos de internet banda larga fixa”.
O PL será agora apreciado em três comissões da Câmara dos Deputados (Defesa do Consumidor; Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática; e Constituição e Justiça e de Cidadania) em tramitação prioritária, com os deputados podendo aprová-lo ou sugerir modificações – neste último caso, as alterações voltariam a ser analisadas pelos senadores.
Caso o projeto seja aprovado na Câmara, a internet de banda larga fixa não poderá ser comercializada no mesmo regime em que hoje se comercializa a internet móvel, como o 3G e 4G para celulares. Nestes, o usuário fica limitado a uma quantidade preestabelecida de uso de dados e, caso ultrapasse sua cota, tem a velocidade do serviço reduzida ou ainda seu acesso à internet bloqueado. Quando isso acontece, as operadoras de rede móvel somente permitem a restauração do acesso à internet caso o usuário contrate um plano de franquia adicional ou então, o que é ainda pior, um novo plano de dados com maior franquia.
A mobilização de usuários de internet foi fundamental para a aprovação do PL 174/16, tendo em vista a celeridade do processo – o projeto passou somente por uma comissão (a CCT – Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática) antes de ser votado em definitivo pelos senadores.
Em uma enquete feita na página no Senado, 99% dos votantes se posicionaram contra a limitação por franquia na banda larga fixa. Na sequência, o projeto foi submetido à votação na comissão e seguiu para o plenário, onde não teve grandes dificuldades para ser aprovado.
A aprovação da proibição do modelo de franquias na banda larga fixa pelos senadores significa ainda a vitória de um movimento de mais de um ano de luta contra a imposição de mais limitações ao acesso à rede, que já sofre com a falta de oferta e problemas de desempenho. Além disso, o fato de a decisão legislativa atender à vontade popular, especialmente no momento turbulento pelo qual passa o país, também é motivo de celebração.
Apesar da vitória pontual, no entanto, o cenário no Congresso para o futuro da internet não é animador. Isso porque existem atualmente grupos de parlamentares que têm atuado com o objetivo de desconfigurar o Marco Civil da Internet, apresentando inúmeras propostas de modificações da norma. Nesse sentido, é de suma importância que a aprovação do PL não sirva como porta de entrada para outras alterações na lei que entrem em conflito com os direitos de usuários de internet.
Outro ponto para o qual vale chamar atenção é o fato de que a proibição expressa no projeto de lei abrange apenas a banda larga fixa, isentando a internet móvel da determinação. Essa particularidade não pode limitar discussões no sentido de ampliar e qualificar o uso da rede através do celular, que atualmente é o principal dispositivo utilizado por brasileiros e brasileiras para acessar a internet.
O modelo de franquias na internet móvel pode também ser superado em um futuro próximo com a chegada da tecnologia 5G, que prenuncia uma revolução na velocidade da conexão e na capacidade de tráfego de dados, criando assim a possibilidade para que as limitações por franquias se tornem obsoletas. Dessa forma, o direito recém-conquistado para os usuários da banda larga fixa pode também vir a ser estendido aos usuários da rede móvel muito em breve.
É importante ainda destacar que a posição do Poder Executivo sobre o tema das franquias não está bem definida. Um dos grandes indicadores disso é que no dia 12 de janeiro, o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, manifestou publicamente o apoio à adoção de modelos de franquia na banda larga fixa, voltando atrás no dia seguinte, após repercussão bastante negativa da afirmação. Além disso, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) esteve com uma consulta pública aberta em sua página eletrônica até o dia 30 de abril na qual qualquer um podia enviar contribuições sobre a questão.
Por fim, vale mencionar que a aprovação do PL 174/16 deve contribuir para a inclusão digital da metade dos domicílios que ainda não têm acesso à internet no país, uma vez que, com a banda larga fixa continuando a ser uma alternativa mais ampla de conexão irrestrita se comparada à conexão móvel, as pessoas terão incentivo a, quando possível, contratarem o serviço ou ainda a construir seus próprios modelos comunitários de conexão. No caso deste último, trata-se de uma prática que possui grande potencial na medida que a infraestrutura de telecomunicações ainda não chega a vários pontos do país, o que estimula as diversas comunidades a construírem suas próprias redes.
Promulgado em abril de 2014, o Marco Civil da Internet foi construído em meio a um amplo debate por diversos setores da sociedade durante mais de três anos e hoje confere diversas garantias de direitos aos usuários brasileiros de internet. Por esse motivo, a ONG ARTIGO 19 espera que a Câmara dos Deputados siga o exemplo do Senado e aprove a proibição do modelo de franquias na banda larga fixa, o que significaria uma medida favorável aos direitos de acesso à internet de qualidade e, consequentemente, aos direitos à liberdade de expressão e informação.
Fonte: Justificando.